SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os primeiros 100 dias do governo Lula na área econômica, completados nesta segunda-feira (10), são classificados por economistas e gestores de fundos do mercado financeiro como relativamente positivos.
Embora com alguns ruídos, entre eles as críticas reiteradas ao BC (Banco Central) e aos juros altos e as discussões sobre mudanças na meta de inflação, a antecipação da apresentação do novo arcabouço fiscal é apontada como um importante avanço para endereçar a trajetória da dívida pública, vista pelos especialistas de mercado como um dos principais desafios econômicos do país.
Os agentes do mercado dizem ainda que, a se confirmar os planos da equipe econômica para reduzir o endividamento do governo, o BC pode ter espaço para começar o início do ciclo de corte dos juros nos próximos meses, com potencial impacto positivo para as ações na Bolsa de Valores.
Segundo Marcus Zanetti, gestor da Kinea Investimentos, consideradas as preocupações do mercado sobre a condução da economia de um governo em início de mandato com o desejo de estimular o crescimento, a avaliação sobre os primeiros 100 dias é, de forma geral, positiva.
"A gente vê que o governo está fazendo um esforço para buscar uma sustentabilidade fiscal", afirma Zanetti, em referência à proposta contida no arcabouço fiscal apresentada pelo ministério da Fazenda que impõe um limite para o crescimento das despesas.
"Em relação ao esperado, o arcabouço fiscal nos surpreendeu positivamente", diz o especialista.
Ele acrescenta que, além de ter antecipado o conjunto das novas regras fiscais, previsto inicialmente para o final do semestre, outro ponto que vê com bons olhos é o fato de o ministro Haddad e sua equipe terem conseguido certa blindagem contra as pressões de dentro do partido por uma proposta fiscal menos rigorosa, que tivesse mais espaço para aumento dos gastos.
"A área econômica tem se mostrado bem intencionada. Os integrantes do ministério da Fazenda, com destaque para o [Fernando] Haddad e o [Rogério] Ceron, têm sido uma voz mais ponderada em busca de um equilíbrio e uma boa relação com o mercado financeiro", afirma Ricardo Cará, gestor dos fundos multimercado da EQI Asset. "Eles parecem entender que esse é o caminho para se criar condições para o BC reduzir a taxa de juros de forma consistente."
O gestor da EQI Asset diz ainda que o anúncio do arcabouço fiscal trouxe algum alívio para o mercado, pelo temor dos investidores de que a proposta poderia ser pior do que a que foi apresentada.
"No entanto, as críticas ao BC, o debate sobre a mudança da meta de inflação e a discussão do que é gasto e o que é investimento são temas que geram muita volatilidade e desconfiança desde que o governo foi eleito", afirma Cará.
Economista da gestora AZ Quest, Alexandre Manoel diz que, apesar dos diversos ruídos neste início do governo, as medidas concretas adotadas até aqui, com destaque novamente para o arcabouço fiscal, afastam o maior temor do mercado, de que o terceiro mandato do presidente Lula pudesse se aproximar do visto no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.
"O ministério da Fazenda não deu qualquer sinal em direção a retomar políticas consideradas equivocadas da [ex-presidente] Dilma [Rousseff]. Na verdade, estão fazendo o contrário, com uma agenda de remoção de subsídios" afirma Manoel.
O economista da AZ Quest diz que o arcabouço representa uma quebra estrutural de um padrão secular de excesso do gasto público e afasta o risco de uma trajetória explosiva da dívida pública.
Ele afirma também que a equipe econômica não tem dado sinalizações de que pretende rever avanços considerados importantes nos últimos anos, como o marco do gás natural, a venda de ativos da Petrobras ou a privatização da Eletrobras.
"Tivemos 100 dias com ruídos, mas que, ao mesmo tempo, se nos atermos aos fatos, nos parece ser um governo que caminha na direção correta na parte fiscal."
Apostas na queda dos juros e espaço para alta das ações na Bolsa Os gestores avaliam que, em um cenário em que o governo consiga, de fato, avançar com uma política fiscal com capacidade de equilibrar as contas públicas, o BC poderá dar início ao ciclo de corte na taxa Selic ainda neste ano, com potencial impacto positivo para a economia e, consequentemente, para o desempenho das ações na Bolsa.
Zanetti, da Kinea, diz que uma das principais posições que carrega na carteira dos fundos aposta na queda dos juros de médio prazo.
Ele explica que a curva de juros, que embute as expectativas dos agentes para a trajetória da Selic, indica uma série de cortes em meados deste ano, mas com o BC retomando o processo de alta nos anos seguintes por conta de uma eventual pressão inflacionária persistente. "A gente acha que não", diz Zanetti. "Gostamos de apostar na queda desses juros", acrescenta.
"Se o governo conseguir sinalizar para os investidores e para a sociedade em geral que a relação dívida PIB tende a ficar comportada, me parece que o BC começa a cair os juros já neste ano", afirma Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama, que não descarta, nesse cenário, a Selic encerrando o ano em torno de 12%, indo para um patamar ao redor de 10% em 2024.
"Se isso ocorrer, o país volta a crescer de maneira significativa, com um avanço do PIB entre 1,5% e 2% no ano que vem", diz o economista.
"Com o arcabouço se estruturando e ganhando alguma credibilidade, o cenário de afrouxamento monetário começa a se estabelecer e certamente os preços das ações e do dólar tendem a melhorar", diz Manoel, da AZ Quest.
Cará, da EQI Asset, afirma que tem na carteira dos multimercados uma aposta de valor relativo, que prevê que as Bolsas de mercados emergentes, incluindo a brasileira, devem ter um desempenho superior à dos Estados Unidos.
"Lá fora, após a turbulência no setor financeiro, parece que a situação está se acalmando, mas é difícil saber os impactos na atividade e na inflação. As condições de crédito ficaram mais restritivas e os bancos centrais desenvolvidos seguem apertando os juros. É uma combinação delicada que merece muita atenção", diz o gestor da EQI Asset.
Espírito Santo, da Órama, afirma que, para aquele investidor que não gosta de correr risco, a renda fixa segue, de longe, como a melhor alternativa. Ele diz que, mesmo que o BC dê início ao ciclo de corte dos juros, a expectativa é que a Selic continue em um patamar elevado --no boletim Focus, as projeções indicam a taxa de juros em 12,75% no final de 2023. "Como a gente acha que os juros vão cair, ter prefixados me parece uma boa sugestão."
Já para aquele investidor que aceita correr um pouco mais de risco em troca de uma expectativa de retorno maior, o economista-chefe da Órama diz que a recomendação é ter uma alocação entre 10% e 15% dos investimentos em Bolsa.
"A Bolsa brasileira está em preços muito convidativos, uma das mais baratas que já vi na minha carreira de 35 anos de mercado", diz o economista-chefe da Órama. "Para aqueles que gostam de correr um pouco de risco, botar o pé na Bolsa não me parece uma má estratégia."
Sócio da área de gestão da Legend Wealth Management, Ricardo Faria diz que os preços no mercado se movem de maneira rápida em momentos nos quais os agentes financeiros são acometidos por um sentimento de maior otimismo.
Por isso, se o investidor não tiver nenhuma exposição à Bolsa, ele corre o risco de perder boa parte do movimento de recuperação das ações, afirma Faria.
"Há um prêmio de risco razoável nos mercados, e, se o governo tiver capacidade de endereçar com mais detalhes o projeto de lei [sobre o arcabouço fiscal], podemos ver um momento de valorização dos ativos, com a Bolsa subindo e os juros apresentando algum fechamento", diz Faria.
Em linha com os pares, Faria afirma que o arcabouço fiscal abre caminho para um debate sobre as perspectivas fiscais para os próximos quatro anos. "Independentemente se são necessárias ainda informações adicionais, o fato dele já ter sido apresentado à sociedade é um ponto positivo."
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