SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Presidente do conselho de administração e sócio sênior do BTG Pactual, André Esteves diz enxergar de maneira positiva a apresentação do arcabouço fiscal pelo governo.

Segundo o banqueiro, a proposta da nova regra fiscal afasta o risco de o país caminhar em direção ao modelo da Argentina, com uma trajetória insustentável da dívida, e tende a contribuir para mudar o patamar do mercado brasileiro em termos de preços dos ativos na Bolsa, no dólar ou nos juros.

"Eu gostei do arcabouço fiscal. E acho que tem algumas sutilezas que, para mim, são mais importantes ainda do que a medida em si", afirmou Esteves, durante evento promovido pelo BTG Pactual nesta quarta-feira (12).

Primeiro, afirmou, é um arcabouço que sugere que o país caminha em direção a um superávit primário moderado, em torno de 1% na sua estabilidade.

"Chegamos lá de uma maneira transitória, mas que cabe dentro dos nossos orçamentos, e talvez com um resultado fiscal para esse ano melhor do que o mercado espera", disse o executivo. "Então, por si só, ele tem um objetivo e a consequência de tirar um risco de cauda de o Brasil andar na direção da Argentina ou coisa parecida", acrescentou.

Esteves prosseguiu dizendo que uma "notícia mais importante ainda" foi o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto do arcabouço fiscal.

Na avaliação dele, o lançamento do conjunto de regras fiscais, com o apoio do presidente, é uma "rearrumação em uma direção mais esperada pelos mercados ali no período pré-eleitoral, de disciplina, de juízo."

"Acho que esse apoio explícito do presidente, de dar o sinal verde para o lançamento, e de uma maneira mais explícita, na reunião dos ministros, elogiar o ministro Haddad, eu gostei muito, e eu acho que, na verdade, é o que está por trás das melhoras do mercado ontem [terça-feira] e o mercado hoje vai melhorar de novo no Brasil", afirmou o presidente do conselho do BTG Pactual.

Ele citou ainda uma terceira sutileza que enxerga no âmbito do anúncio do arcabouço fiscal, que são as modificações a partir do lançamento, com a equipe econômica se mostrando aberta a ouvir sugestões de melhorias vindas de agentes do mercado. "O ministério da Fazenda está sabendo ouvir. Isso é uma enorme qualidade."

Segundo ele, a combinação da mitigação do risco de uma trajetória insustentável da dívida, com o apoio do presidente e a receptividade da equipe econômica às críticas ao projeto inicial, vai fazer o mercado mudar de patamar no Brasil. "E hoje vai ser mais uma rodada de melhora."

APERTO NAS CONDIÇÕES MONETÁRIA E CREDITÍCIA POR CAUSA DA AMERICANAS PODE LEVAR À ANTECIPAÇÃO NO CORTE DE JUROS, DIZ ESTEVES

Esteves abordou também durante a palestra o cenário de crédito no país, pressionado pela alta de juros pelo BC (Banco Central) e por questões corporativas como o caso envolvendo a Americanas, que aumentou a postura restritiva dos bancos na oferta aos clientes.

"Eu estou no grupo que [avalia] que o aperto [no crédito] está acima daquilo esperado pelo natural desenvolvimento da política monetária apertada", afirmou.

"Com os juros já em 13,75%, tivemos o episódio da Americanas, que criou uma natural restrição no mercado de capitais", acrescentou o banqueiro, lembrando ainda que, com o desenvolvimento ocorrido no mercado de capitais no país ao longo dos últimos cinco anos, e a paralisação das operações por conta do caso envolvendo a varejista, os bancos não foram capazes de absorver toda a demanda vinda das empresas em busca de financiamento.

"O crédito não está sendo restringido dentro do balanço dos bancos. Ele continua se expandindo, os bancos estão preparados para isso, só que não estão preparados para absorver tudo aquilo que vinha sendo feito pelo mercado de capitais. Alguma coisa ficou de fora, e portanto, isso está criando algum aperto adicional à natural consequência creditícia de uma política monetária apertada."

Segundo o executivo do BTG Pactual, o BC está acompanhando a evolução do cenário, até "porque me parece não ter dúvida sobre esse diagnóstico."

Ele disse ainda que a autoridade monetária tem dois caminhos a seguir. Um deles é adotar medidas "macroprudenciais" como as que foram tomadas durante a pandemia, fornecendo linhas de crédito para que os agentes do mercado financeiro comprem títulos de dívida (debêntures) negociadas no mercado, fomentando a liquidez no sistema.

Um segundo caminho, "que parece que é o que está sendo adotado", prosseguiu Esteves, é o BC reconhecer o aperto nas condições monetária e creditícia e sinalizar uma antecipação do início do corte de juros.

"Nesse momento que estão me pressionando para queda de juros, ao deixar esse aperto creditício mais forte, eu [BC] naturalmente consigo antecipar minha queda de juros de uma maneira saudável. Acho que o BC está adotando esse segundo caminho que também é tecnicamente válido e também é tecnicamente correto", afirmou Esteves.

"A gente talvez viva um pouquinho mais de ansiedade, mas isso traz mais para perto a eventual queda de juros, que deve acontecer ao longo do segundo semestre deste ano", emendou o banqueiro.

ESTEVES DEFENDE MUDANÇA NA FORMA DE ACOMPANHAMENTO DA INFLAÇÃO PELO BC

O executivo do banco também comentou a respeito das discussões em torno de uma alteração no regime de metas de inflação, tema que o presidente Lula já abordou em algumas oportunidades.

"Tem uma discussão que acontece já há algum tempo, que nada tem a ver com esse governo e sequer com essa gestão do Banco Central, [que é] se o nosso sistema de metas deveria deixar de ser gregoriano", disse Esteves.

O banqueiro afirmou que a maior parte dos países que adota uma meta de inflação não trabalha com o modelo gregoriano como o Brasil, que estabelece um número fechado para cada ano. Nesses países, como os Estados Unidos, o modelo adotado é estabelecer um objetivo para a inflação para as janelas nos próximos 12, 24 ou 36 meses, ou seja, dentro de um horizonte relevante de tempo.

"O Banco Central em algum momento mudar de gregoriano para não gregoriano nada tem a ver com a angústia do momento, acho apropriado, e, se isso for feito, é natural também que a nossa banda de alargamento se amplie marginalmente, porque a volatilidade do ambiente não gregoriano também é marginalmente maior."

Esteves afirmou que a discussão é bem-vinda, embora haja alguma preocupação por ela estar sendo feita em um ambiente de muita ansiedade sobre o ciclo de política monetária.

Ainda dentro das discussões sobre as metas de inflação, acrescentou, há que se considerar também o nível mais alto da inflação em escala global, com diversos países enfrentando uma pressão inflacionária crescente na esteira dos esforços para combater a pandemia, que gera um natural contágio para outros países como o Brasil.

"Estamos tendo um debate no banco sobre a desancoragem das expectativas [de inflação] que saiu de 3% para 4% no médio e longo prazo. Nós, mercado, passamos a reprecificar 4%. Só que tem dois componentes nisso, um componente é essa cacofonia de início de governo que criou uma incerteza de expectativas, mas tem um segundo componente, que na verdade não é bem uma desancoragem, talvez seja até uma ancoragem, que é você imaginar que tem um ambiente de inflação global mais alta, e que 4% é mais correto do que 3%, pelo menos para o curto prazo", afirmou o banqueiro.

"Então, alguma coisa como o Banco Central aceitar uma transição do ambiente atual para a nossa meta de 3% acho que também é tecnicamente aceitável e diria até bem-vindo", disse Esteves, acrescentando que, se nos Estados Unidos a inflação está alta e acima da meta, será muito difícil e custoso para a sociedade brasileira uma atuação do BC que leve ao atingimento da meta estabelecida.


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