SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil está atrasado em todos os objetivos sustentáveis definidos pela ONU e precisa de um plano que integre meio ambiente e economia -nos moldes de um "Green New Deal"- para conseguir alavancar o PIB (Produto Interno Bruto) e tirar a população da pobreza.

A avaliação é de Paul Polman, ex-CEO da Unilever e que hoje é considerado uma das principais referências corporativas no tema da sustentabilidade.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, o executivo disse que o Brasil seria irresponsável se não adotasse um plano integrado, não só para se reposicionar na agenda verde, mas para resolver problemas econômicos e sociais.

Polman menciona um estudo da Aya Earth Partners, hub de negócios focado em economia de baixo carbono, que mostra que direcionar o Brasil rumo a um modelo baseado na natureza exigiria investimento anual entre R$ 170 bilhões e R$ 390 bilhões. No entanto, o país conseguiria aumentar seu PIB em até US$ 150 bilhões (R$ 770 bilhões) por ano.

"Então é um imperativo, não há escolha. E, sim, o governo precisa construir esse plano integrado. Acho que a ministra Marina Silva e outros estão muito bem cientes disso", diz.

Polman esteve no Brasil em março para participar do Fórum Ambição 2030, que discutiu o compromisso do setor privado com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), 17 metas integradas elaboradas pela ONU em 2015 para serem atingidas até 2030.

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PERGUNTA - Durante sua apresentação [no evento], o sr. mencionou a Lei de Redução da Inflação dos EUA, o Green Deal da Europa e também o plano da China para reduzir as emissões. O Brasil deveria fazer seu próprio programa verde?

PAUL POLMAN - A IRA [Lei de Redução da Inflação, em inglês] ou o green deal europeu nada mais são do que uma política integrada coerente e consistente para se posicionar bem para o futuro. Se vocês não fizerem isso, seria irresponsável.

Nos últimos dez anos, o Brasil se afastou das metas de desenvolvimento sustentável. Não acho que haja uma maneira melhor do que ter essa estrutura integrada que dá sinais claros, que tem políticas e regulamentos que ajudam a processá-los. Portanto, precisa ser um plano integrado.

Mas o Brasil está bem posicionado para fazer isso. Um relatório sobre a Amazônia que a Aya publicou [mostra que] para investimentos relativamente limitados de US$ 60 bilhões por ano, o Brasil desbloqueia US$ 150 bilhões de PIB extra [anualmente]. E o Brasil precisa do crescimento do PIB, precisa tirar as pessoas da pobreza.

Então é um imperativo, não há escolha. E, sim, o governo precisa construir esse plano integrado. Acho que a ministra Marina Silva e outros estão muito bem cientes disso.

P - Faltam apenas sete anos para 2030, podemos dizer que falhamos em implementar a agenda sustentável da ONU ou ainda há tempo?

PP - É uma agenda muito ambiciosa. Quando começamos os ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio) no ano 2000 -e que duraram até 2015- tínhamos a meta de reduzir pela metade o número de pessoas na pobreza. Por causa do tremendo crescimento da China, alcançamos isso três anos antes.

Então as pessoas disseram: vamos terminar o trabalho e não deixar ninguém para trás, o que resultou nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Era um plano mais ambicioso porque os ODMs eram voltados para os mercados em desenvolvimento. As metas de desenvolvimento sustentável são globais, mais abrangentes do que precisamos fazer para que o mundo funcione.

Sem dúvida, a Covid nos atrasou e fez os ODS retrocederem dez ou 15 anos. No Brasil, vocês estão atrasados em todos os ODS, infelizmente.

Acho que precisamos enxergar os ODS como um farol de onde queremos chegar. É uma estrutura moral que foi assinada por 193 países na ONU em 2015.

Vamos atingir todos esses objetivos nos próximos sete anos? Provavelmente não. Eles ainda nos servirão como a melhor estrutura moral que temos? Acredito que sim.

O que vemos é que qualquer empresa que internalize os ODS, qualquer governo que conduza suas políticas de acordo com eles, tende a ser mais bem-sucedido, mais resiliente, tende a estar melhor posicionado para o futuro.

P - Mas o sr. acredita que em algum momento dos próximos sete anos a sociedade, e especialmente as empresas, vão se mover rápido o suficiente para atingir esses objetivos? Porque não estamos indo na velocidade adequada.

PP - Não estamos nos movendo rápido o suficiente, nem na escala que precisamos. Os investimentos em energia solar e eólica precisam ser sete vezes maiores. No caso dos carros elétricos, nove vezes maiores. Precisamos acelerar o desenvolvimento do hidrogênio verde.

Mas estamos vendo alguns pontos de virada. Ficamos surpresos com a velocidade da queda do custo da energia solar e eólica, agora mais barata em 90% dos países. Os veículos elétricos já estão se tornando mais baratos em alguns lugares do que os de motor a combustão.

Toda a nova energia que foi instalada no ano passado foi energia verde. Na agricultura, estamos começando a ver os sinais iniciais de uma nova revolução na agricultura regenerativa.

Em alguns dos setores mais difíceis, como transporte marítimo, companhias aéreas, aço e cimento, vemos empresas assumirem compromissos net zero [emissões líquidas zero].

Vamos fazer isso entre agora e 2030? Provavelmente não. Podemos fazer isso ainda dentro de um prazo para limitar o aquecimento global a 1,5ºC? Eu acredito que sim. E é nisso que precisamos nos concentrar.

P - Como acelerar esse processo de mudança?

PP - Os desafios que precisamos enfrentar são de tal magnitude que ninguém pode fazer isso sozinho. Há um déficit de confiança, que nos faz trabalhar juntos de maneira abaixo do ideal.

Se formarmos parcerias transformadoras focadas no interesse comum, não em nosso próprio interesse pessoal, se trabalharmos juntos de maneira diferente, com líderes corajosos, podemos de fato resolver alguns desses problemas perversos de que estamos falando.

Sempre gosto de citar Desmond Tutu quando alguém me pergunta se sou otimista ou pessimista. A resposta dele sempre foi: sou uma pessoa de esperança.

Temos a tecnologia, temos o financiamento, temos as gerações Z e Millennials sendo mais voltadas para o propósito. A verdadeira questão é: temos força de vontade?

P - Estamos vendo muitos compromissos sustentáveis sendo assumidos no mundo corporativo, mas também vemos as emissões atingirem níveis históricos, os lucros das empresas petrolíferas baterem recordes. Não há uma contradição?

PP - Não é fácil. Vimos a Guerra da Ucrânia, infelizmente, causar um estresse de curto prazo em nosso sistema alimentar e energético. Algumas pessoas se beneficiaram desproporcionalmente disso, mas acho que o aprendizado geral é que, na verdade, vimos uma aceleração. Uma aceleração no compromisso e na ação para mudar para uma economia mais verde.

A Europa aumentou suas ambições, os EUA aumentaram suas ambições, o Brasil está mudando, a Austrália está mudando.

Há um momento em que as pessoas entendem que nessa transição teremos soluços, momentos difíceis para lidar, mas a direção está claramente definida e o ritmo da mudança é realmente acelerado.

Sempre digo às pessoas que, se você gosta de escalar montanhas, às vezes é preciso um platô para descansar. Às vezes, é preciso descer um pouco para se aclimatar e depois subir ainda mais alto. Acho que esse mesmo processo está ocorrendo nessa transformação que precisamos fazer.

É lamentável que a indústria de combustíveis fósseis tenha enormes ganhos e tenda a gastá-los mais em recompras de ações e dividendos do que numa aceleração para uma conversão verde.

Mas é preciso se perguntar: essas empresas são parte da solução para o futuro ou são parte do problema? O que vemos é que empresas que são parte do problema estão indo para o cemitério dos dinossauros, e empresas que são parte da solução estão se posicionando melhor para o futuro.

P - Qual é o papel que o mundo e o sr. enxergam para o Brasil na agenda sustentável?

PP - O mundo não chegará ao net zero se o Brasil não chegar. Acho até que o Brasil pode chegar ao net-positive [saldo positivo para o meio ambiente]. Vocês são abençoados com energia verde, capital natural... O Brasil deveria se tornar um absorvedor de carbono.

Neste momento, temos provavelmente 50 gigatoneladas de carbono por ano em emissões. O Brasil responde por 2,5 gigatoneladas, a maior parte relacionada ao desmatamento e metano.

Não há razão para que vocês não possam mudar para uma agricultura regenerativa, pensando em reflorestamento, restauração, reparação, regeneração? O Brasil pode se tornar um sumidouro de carbono novamente. E o mundo precisa disso.

Então o Brasil está se tornando uma parte crucial. Com seus 215 milhões de habitantes, é uma grande economia, precisa crescer para tirar muitas pessoas da pobreza. Então deve fazer isso de forma sustentável.

Afinal, estamos aqui nos pulmões do mundo, e se os pulmões estão resfriados, o mundo espirra.

P - O quão otimista o sr. está de que o Brasil vai cooperar com isso?

PP - Não é só o Brasil cooperar. Todos nós precisamos trabalhar juntos. Não podemos simplesmente dizer ao Brasil "conserte isso, porque você criou os problemas". De jeito nenhum.

Todos nós desfrutamos do desenvolvimento econômico, todos nós comemoramos coisas que não são mais possíveis agora que somos 8,5 bilhões de pessoas e estamos ultrapassando os limites do planeta.

Todos nós precisamos fazer parte de uma solução. Também significa que o mundo se apresente e recompense o Brasil por proteger e restaurar seu capital natural.

Também será o mundo ajudando o Brasil a se conformar com as práticas agrícolas sustentáveis e recompensá-las. É uma responsabilidade conjunta e é por isso que estou aqui. Não estou aqui para pedir nada ao Brasil, estou aqui para ver onde podemos ajudar.

P - O sr. se reuniu com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em um jantar. O que foi discutido?

PP - O governo não está procurando palavras, está procurando ações -algo com o qual eu concordo plenamente, vindo do mundo dos negócios.

Discutimos as enormes parcerias que existem, o trabalho que vem sendo feito sobre o cacau, a bioeconomia do Pará? Como podemos nos mover mais rápido e como podemos mover isso para a ação.

Historicamente, muitos no Brasil estiveram sentados à margem, na comunidade empresarial, inclusive.

O que vejo agora nessa viagem ao Brasil é que as coisas estão começando a andar. Muitas grandes empresas do setor privado querem fazer parte da solução. Estávamos conversando sobre como capitalizar isso e como compartilhar um pouco dessa energia para acelerar a agenda.

O ministro está muito interessado em fazer isso. Lula traçou desde o início [do mandato] alguns objetivos-chave, já tomou algumas ações, e agora precisamos ter certeza de que eles serão ampliados, especialmente no setor privado.

Os problemas não serão resolvidos se o setor privado não apoiar. Não vamos resolver se o financiamento não fluir na direção certa, e esse é o tipo de discussão que tivemos.

P - Acha que é possível parar as mudanças climáticas e erradicar a desigualdade enquanto ainda seguimos a lógica capitalista de crescimento?

PP - Se for um crescimento irracional -definido como usar mais coisas, num modelo de produção extrativa linear, desenterrando nossos minerais da terra, enfiando-os em fábricas e depois descartando-os em aterros sanitários ou nos oceanos- não é possível.

Você não pode ter crescimento infinito num planeta finito. É matematicamente impossível.

[Mas] se definirmos nossos modelos de crescimento em termos de bem-estar geral, um crescimento que seja sustentável, um crescimento que seja inclusivo, que valorize o capital ambiental -assim como o capital humano, social ao lado do capital financeiro- então acredito que podemos encontrar um mecanismo melhor, que também podemos chamar de capitalismo, se precisarmos.

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PAUL POLMAN, 66

Co-autor do livro "Net Positive: como empresas corajosas prosperam dando mais do que recebem", foi CEO da Unilever entre 2009 e 2019. Antes, foi executivo em empresas como Nestlé e Procter & Gamble. Polman foi um dos responsáveis por desenvolver os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e hoje trabalha com diversas companhias para acelerar as ações para enfrentar as mudanças climáticas e a desigualdade.


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