BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O relator do arcabouço fiscal, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), confirmou em nota oficial que as mudanças em seu parecer podem proporcionar um espaço extra para gastos em 2024. No entanto, ele questiona os números do mercado financeiro e vê um ganho menor que o estimado.

Economistas projetam uma folga de até R$ 82 bilhões em 2024 graças a duas mudanças: a fixação do crescimento real do limite de despesas em 2,5% no ano que vem e a autorização para incorporar à base de gastos uma eventual aceleração da inflação até o fim de 2023.

O cálculo de R$ 82 bilhões foi feito pelo ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, economista da ASA Investments. Outras casas também apontaram um ganho, embora menor. Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, calcula um adicional de R$ 68 bilhões.

A divulgação dos cálculos sobre o tamanho do espaço extra para o governo gastar gerou ruído. Tanto Cajado quanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) saíram em defesa do parecer, contestando os números.

Na nota, Cajado diz que a decisão de fixar o crescimento do limite em 2,5% para 2024 cria um espaço de "no máximo" R$ 12 bilhões.

Já a mudança introduzida pelo relator na inflação a ser usada nas contas teria como consequência inicial um corte de cerca de R$ 40 bilhões no limite de gastos do governo em 2024. Para que "não houvesse essa perda", ele autorizou o governo a manter esse valor ao incorporar aos números a aceleração do índice de preços esperada até o fim do ano.

"Nesse caso, o substitutivo não está acrescentando nenhum valor ao que foi proposto pelo governo", diz o relator.

A expansão é analisada enquanto economistas interpretam que a regra criada pelo governo resultaria em despesas crescendo abaixo do máximo de 2,5% permitido pela regra em 2024, primeiro ano de vigência do arcabouço.

Cajado diz que as projeções do governo e da Câmara divergiam. A consultoria da Câmara estimou que o crescimento da despesa ficaria em 1,9% no ano que vem.

Ao estabelecer um crescimento real da despesa maior, de 2,5%, o relator buscou convergir para a expectativa do governo, sob a justificativa de compensar o efeito da desoneração dos combustíveis adotada no segundo semestre de 2022, durante a gestão Bolsonaro. Esse foi o componente responsável pelo menor avanço da receita nas estimativas --que, por consequência, diminuem os valores para os gastos.

"Estima-se que, em razão da desoneração, o crescimento real da receita será de 2,9%, quando poderia ter alcançado 3,6%", afirma a nota do relator.

Economistas fora do governo tinham previsões ainda mais modestas para a expansão do gasto no ano que vem. Bráulio Borges, especialista em contas públicas, estimou que esse crescimento ficaria em 0,9%. Manoel Pires, do FGV Ibre, na casa de 1%.

Na avaliação do mercado, ao pedir que o crescimento fosse fixado em 2,5%, o Executivo tentava garantir um espaço extra para gastar o que não conseguiria com o aumento da receita, como proposto na regra. Também demonstra que o governo pretende protelar o ajuste e seguir ampliando as despesas mesmo depois do aval do Congresso para elevar os gastos em R$ 168 bilhões neste ano.

A desoneração dos combustíveis também passou a puxar para baixo a correção do novo teto devido à outra mudança, no indicador de inflação usado para ajustar o limite.

A equipe de Haddad enviou a proposta do novo arcabouço fiscal prevendo a correção do limite de despesas pela inflação observada de janeiro a junho do ano anterior e pela variação projetada para os preços de julho a dezembro do mesmo ano.

Essa opção repete a manobra usada pelo ex-ministro Paulo Guedes para ampliar o limite do teto de gastos, regra que agora será substituída pelo novo arcabouço.

A avaliação de técnicos que acompanham as negociações é de que a permissão para o uso de projeções na correção do limite de um ano para o outro deixaria nas mãos do governo a possibilidade de escolher uma estimativa maior para turbinar seu espaço para gastos.

O relator decidiu mudar o mecanismo e estabelecer a correção do limite apenas pela inflação já observada nos 12 meses até junho do ano anterior ao da vigência do teto -última informação disponível até o momento do envio da proposta de Orçamento, em 31 de agosto.

"Optamos em não trabalhar com estimativas e dar o realismo orçamentário e 'possibilitar' a incorporação na base de tal diferença da inflação", diz Cajado.

Esse ponto traria diferença porque a inflação em 12 meses até junho deve ficar abaixo de 4%, enquanto o indicador acumulado até o fim de 2023 (e que poderia ser usado pelo governo, conforme a proposta) deve se aproximar dos 6%, diante da perspectiva de aceleração nos preços.

"Caso não fosse dado esse ajuste [ou seja, se fosse mantida a correção até o meio do ano sem nenhuma medida adicional], o substitutivo reduziria cerca de 2% do limite de despesa do ano de 2024 (em torno de R$ 40 bilhões), sem considerar os efeitos na inflação do segundo semestre da nova política de combustíveis anunciada pela Petrobras. O que fizemos, portanto, no substitutivo, foi criar uma regra [para] que não houvesse essa perda", acrescentou o relator em nota.

Em entrevista concedida em São Paulo, Haddad também contestou os números do mercado. "Não tem nem como [chegar em R$ 80 bilhões extras], porque no crescimento máximo de 2,5%, supondo uma despesa primária de 20% do PIB, nós estamos falando de 0,5% do PIB. Isso se o relatório não tivesse incluído no teto uma série de despesas que estão excluídas do teto que está sendo revogado, como por exemplo, a capitalização das empresas estatais", disse o ministro.

Segundo ele, a fixação da alta de 2,5% no primeiro ano foi adotada para evitar "um problema", já que muitas das medidas de recuperação de receitas adotadas pelo governo no início do ano ainda não serão captadas pela regra do arcabouço de forma a permitir a maior expansão de despesas em 2024.

"A reoneração dos combustíveis que foi feita por este governo no primeiro semestre, por exemplo, não foi captado o incremento de receita. Várias medidas tomadas nesse primeiro ano de governo não foram captadas pela Receita Federal", afirmou.

A proposta original do governo já previa que a alta da arrecadação que baliza o crescimento real dos gastos seria medida conforme os valores acumulados em 12 meses até junho -deixando de fora eventuais ganhos no segundo semestre deste ano. Ainda assim, no entanto, esse resultado mais vigoroso das receitas, se concretizado, impulsionará a correção do limite de 2025.

Apesar do ruído em torno das mudanças, Haddad disse que "em nenhum cenário" a despesa de 2024 vai crescer mais que 50% do avanço das receitas no ano fechado de 2024. "Você vai verificar que as despesas terão um incremento inferior à metade do incremento da receita", disse.

ENTENDA A POLÊMICA DOS NÚMEROS DO ARCABOUÇO

**O que diz a regra proposta pelo governo?**

O projeto do arcabouço fiscal prevê um limite de despesas que seria corrigido pela inflação acumulada de janeiro a junho do ano anterior, mais a variação projetada para o índice de preços entre julho e dezembro.

Além disso, a despesa poderia ter um crescimento real equivalente a 70% da alta das receitas do governo em 12 meses até junho do ano anterior. A ampliação dos gastos acima da inflação, porém, deve respeitar o piso de 0,6% e o teto de 2,5% ao ano.

**Como a regra ficou no parecer do relator?**

O relator mudou o horizonte da inflação para adotar a variação observada em 12 meses até junho do ano anterior --informação mais recente disponível na elaboração da proposta de Orçamento. Ao eliminar a parcela de projeção, o Congresso espera reduzir o grau de liberdade que o governo teria para elevar a estimativa e, assim, inflar seus gastos.

Ao mesmo tempo, o relator autorizou o governo a ampliar o montante das despesas, caso a inflação do segundo semestre de 2023 seja maior do que a observada em igual período de 2022. A diferença em 2024 poderá ser incorporada ao limite de gastos de forma permanente, servindo de base para a correção do teto nos anos seguintes.

Em outra mudança, o relator fixou o percentual de alta real do limite de despesas em 2,5% no primeiro ano de vigência da nova regra. Esse é o teto da banda estipulada na proposta.

**Qual é a consequência das modificações?**

Economistas do mercado viram nas alterações uma manobra para inflar o patamar de gastos de 2024 e, consequentemente, a base de cálculo do limite nos anos seguintes. São dos impactos distintos:

Até R$ 40 bilhões, segundo a ASA Investments, ou R$ 19 bilhões, segundo a XP Investimentos, devido à fixação do ganho real de 2,5% em 2024. Analistas esperavam um crescimento menor da receita e, por tabela, um avanço mais tímido do limite de gastos no primeiro ano. A diferença nas projeções resulta em uma elevação do espaço fiscal.

Até R$ 42 bilhões para a ASA Investments, ou R$ 49 bilhões para a XP, devido à mudança na correção pela inflação e a autorização para ajustar o limite de 2024 pela inflação maior do fim deste ano.

**O que diz o relator?**

O deputado Cláudio Cajado (PP-BA) confirmou a criação de um espaço extra em 2024 com as mudanças no relatório, mas contestou os números do mercado.

Segundo ele, a própria Câmara tinha uma estimativa de crescimento mais tímido para o limite de despesas em 2024 (1,9%). Já o governo esperava chegar ao teto de 2,5%. "Essa diferença de 0,6% chegaria no máximo a R$ 12 bilhões", disse em nota.

Sobre a correção pela inflação, Cajado afirmou que a mudança implicaria um reajuste menor do teto, pois a inflação no fim de 2022 foi baixa devido à desoneração dos combustíveis adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Nas contas do relator, o corte seria equivalente a cerca de R$ 40 bilhões.

"O que fizemos, portanto, no substitutivo, foi criar uma regra [para] que não houvesse essa perda", afirmou. Ele argumentou que o parecer só mantém um incremento nas despesas que já havia sido previsto pelo governo no projeto original. "O substitutivo não está acrescentando nenhum valor ao que foi proposto pelo governo."

**O que diz o governo?**

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que "não tem como" o espaço extra proporcionado pelo relatório chegar a R$ 80 bilhões.

Segundo ele, a fixação da alta de 2,5% no primeiro ano foi adotada para evitar "um problema", já que muitas das medidas de recuperação de receitas adotadas pelo governo no início do ano ainda não terão influência sobre o arcabouço em 2024 para permitir maior expansão de despesas, só nos anos seguintes.

O próprio governo propôs que o limite de gastos seja ligado à alta real da arrecadação nos 12 meses até junho do ano anterior.

"A reoneração dos combustíveis que foi feita por este governo no primeiro semestre, por exemplo, não foi captado o incremento de receita. Várias medidas tomadas nesse primeiro ano de governo não foram captadas pela Receita Federal", afirmou Haddad.


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