SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A proposta de reforma tributária apresentada no final de junho prevê a possibilidade de devolução dos novos tributos sobre o consumo a pessoas físicas, aquilo que tem sido chamado pelo Ministério da Fazenda de "cashback do povo".
De acordo com o novo texto da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45, o modelo de devolução será debatido durante o processo de regulamentação da reforma, previsto para 2024, quando serão definidos os limites e os beneficiários. Há diversos exemplos internacionais, e também um brasileiro, que podem servir de parâmetro para o seu funcionamento.
Vários países instituíram nos últimos anos programas de devolução de impostos por meio de cartões, benefícios sociais ou sistemas de identificação do contribuinte, o equivalente ao CPF na nota fiscal. No Brasil, há um programa em funcionamento no Rio Grande do Sul que reúne todos esses mecanismos.
A ideia de devolução de impostos sobre o consumo para os mais pobres foi apresentada pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) há cerca de dez anos.
Ela parte da conclusão de que o sistema adotado por vários países ao longo do século passado --de dar benefícios tributários para determinados produtos-- beneficiou principalmente a parcela mais rica da população, e não os mais pobres.
Por isso, muitas economias optam agora por mecanismos de tributação personalizada: o imposto depende de quem consome e não do produto.
Nos países avaliados pelo BID na América Latina verificou-se que, para cada US$ 1 direcionado aos 20% mais pobres, foram destinados US$ 5 aos 20% mais ricos com programas de desoneração de produtos.
No Brasil, essa distorção ocorre com a desoneração da cesta básica, conforme apontam vários estudos acadêmicos e dois relatórios de avaliação do programa pelo Ministério da Fazenda na década passada.
Nas Américas, destacam-se as experiências na Argentina, Uruguai, Bolívia, Colômbia e Equador. O BID também cita os programas em algumas províncias do Canadá (que se somam à devolução na esfera federal) e no Rio Grande do Sul, que contou com a ajuda técnica da instituição e já tem um número de cadastrados que supera outros países da localidade. Fora da região, outro programa de referência é o japonês.
O programa da Colômbia é um dos mais amplos. Alcança 2 milhões de famílias pobres e vulneráveis por meio de transferências bancárias via cartões pré-pagos, ou pagamento em lotéricas para não bancarizados. A cada dois meses, o beneficiário recebe antecipadamente US$ 16,5 (cerca de R$ 80).
No Equador, a devolução depende de nota fiscal e se dá a um público mais restrito (175 mil idosos e pessoas com deficiência de baixa renda). O valor máximo é de US$ 108 por mês (cerca de R$ 500). Com a nota fiscal, é possível fazer a devolução posterior do imposto ou em tempo real, como no caso do Uruguai.
De acordo com o BID, programas de compensação com cadastros de pessoas mais vulneráveis, como o da Colômbia, com um montante predeterminado, são mais fáceis de implementar e alcançam um maior número de beneficiários.
Por outro lado, pode não ficar claro para a população que a devolução está associada a uma tentativa de reduzir a regressividade do sistema tributário. Esse formato também não incentiva a formalização das empresas, ao contrário do que ocorre no sistema de nota fiscal.
No Brasil, seria possível alcançar 72 milhões de pessoas, mais de um terço da população, apenas direcionando os recursos às famílias inscritas no Cadastro Único do governo federal, com um custo 50% inferior à desoneração da cesta básica, segundo estudo da organização Pra Ser Justo. O Ministério da Fazenda estuda a possibilidade de dar o benefício para praticamente 100% da população com um orçamento mais amplo.
Renata Mendes, líder do Pra Ser Justo, afirma que o Brasil pode implantar em nível nacional um programa parecido com o gaúcho, que junte uma devolução fixa para todos e uma variável de acordo com a emissão de notas fiscais. Dessa forma, não haveria risco de não alcançar pessoas que consomem em estabelecimentos informais. Ela destaca que o país já possui cadastros e tecnologia para isso.
"Há muitos exemplos de sucesso em países que não necessariamente têm a mesma estrutura que o Brasil para identificar famílias e fazer a devolução. A gente está muito bem posicionado para colocar essa política para rodar, tanto que ela está sendo feita com sucesso no Rio Grande do Sul", afirma Renata.
Segundo o BID, a definição do público-alvo também pode incluir um cruzamento com critérios de gênero e renda. Normalmente, não há restrições ao tipo de gasto do consumidor. Ou seja, cabe à população, e não aos parlamentares, determinar qual produto é mais essencial. Com isso, o cashback não fica restrito apenas aos produtos da cesta básica.
A devolução pode ainda ficar a cargo da administração tributária ou de um órgão de assistência social. Segundo a instituição, cada país tem que construir um programa aderente à sua realidade e seus objetivos. Não há modelo único.
O que é o cashback do povo e como ele funcionará?
O cashback é a devolução para as famílias de parte do imposto pago, beneficiando sobretudo pessoas de menor renda
Esse modelo já existe em outros países?
Esse mecanismo já vem sendo utilizado por países como Canadá, Uruguai e Colômbia para tornar a tributação sobre o consumo mais progressiva --ou seja, possibilitar que os pobres paguem menos impostos do que os ricos
O que a reforma tributária prevê?
O modelo de cashback a ser adotado ainda será detalhado: beneficiários, limite, vinculação ou não a um tipo de consumo específico e também a forma como se dará a devolução Neste momento, a reforma vai incluir na Constituição a previsão desse mecanismo
Qual a vantagem em relação à desoneração da cesta básica?
Relatório do Ministério da Economia publicado em 2021 apontou que a regra atual faz com que a maior parte do benefício seja capturado pelas faixas de maior renda Pelos cálculos da época, a devolução de 60% do valor arrecadado para os 50% mais pobres já ajudaria a reduzir a desigualdade no país, mesmo na hipótese de um aumento de preços dos alimentos da cesta básica de 10%
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