BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A cobrança descentralizada do novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) na reforma tributária pode ferir a autonomia dos estados ao torná-los dependentes de outros governos para receber seus impostos, afirma à Folha de S.Paulo o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT).

O petista, que já foi secretário de Fazenda do Piauí, defende a criação do Conselho Federativo -instância que centralizaria a cobrança do imposto que substituirá ICMS e ISS e faria o repasse a estados e municípios.

Com esse posicionamento, ele se contrapõe ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que defende uma câmara de compensação, segundo a qual os Executivos estaduais continuariam efetuando o recolhimento dos tributos e só depois repassariam a fatia que cabe a outros estados.

"A arrecadação tem de ser centralizada no Conselho, se não você desmonta a reforma", afirma.

PERGUNTA - Como vocês veem o movimento de São Paulo para mexer no modelo do Conselho Federativo?

RAFAEL FONTELES - A arrecadação tem de ser centralizada no Conselho, se não você desmonta a reforma, ela deixa de ser um IVA [Imposto sobre Valor Agregado]. A gente está querendo facilitar a vida do contribuinte.

[Sem o Conselho] Você corre o risco de tornar o sistema bem complicado, porque teria que contar com a compensação de um estado para outro, um estado ficar dependendo do outro para fazer a compensação do imposto devido. Achamos que é uma posição minoritária [de São Paulo]. Nós consideramos que o relator tem que manter a arrecadação centralizada para termos um IVA de verdade.

P. - O sr. falou que desmonta a reforma se tornar a arrecadação descentralizada. Pode detalhar um pouco mais de por que, na sua avaliação, isso é um problema para os estados e os contribuintes?

RF - Primeiro, essa proposta não está tão clara, de como seria esse formato. Vai ser uma adesão? O estado que quiser ficar com o Conselho Federativo fica e o que não ficar vai ter que criar seu próprio sistema? O contribuinte, quando for fazer uma operação interna, ele vai pagar no sistema estadual de arrecadação e quando for para outro estado vai pagar em um outro sistema?

Ao invés de simplificar, você estaria complicando. Acho que não tem por que não fazer arrecadação centralizada, até porque todos os estados estarão representados no Conselho. Isso já acontece de certa forma com o Simples [Nacional]. Tudo bem que é um modelo mais simples, mas já acontece, funciona bem.

P. - Um dos argumentos de São Paulo é que há perda de autonomia. O sr. concorda?

RF - Não há perda de autonomia. O Conselho Interfederativo é dos estados, então não há nenhuma perda de autonomia. Divirjo completamente.

Você consegue todos os benefícios que a reforma proporciona e não fere em hipótese alguma a autonomia. Pelo contrário. Na minha visão, a autonomia é perdida se um estado tiver que depender do outro para receber seu imposto devido. É muito melhor ele receber de uma instância federativa, que tem a presença de todos.

P. - Como está essa articulação dentro do Fórum dos Governadores, há uma espécie de placar?

RF - Pelo menos 20 estados já se manifestaram favoráveis à arrecadação centralizada. Então, como eu disse, é uma posição minoritária [pela descentralização]. A questão não é São Paulo. A questão é que um estado não tem que estar dependendo do outro. O Conselho é exatamente para isso. Se todo mundo concorda com o princípio de destino, como colocar um estado para arrecadar para depois passar para o outro? Isso não faz sentido.

A gente tem notícia de que o relator está discutindo uma espécie de meio-termo. O que o sr. acha desse modelo?

Também não concordo. Acho que o modelo tem que ser da arrecadação centralizada, como inicialmente proposto pelo próprio [Bernard] Appy, que é o secretário [extraordinário da Reforma Tributária], e pelo próprio Aguinaldo [Ribeiro, relator da reforma na Câmara]. Qualquer outro modelo será muito complicado e vai perder a essência da reforma, a essência do IVA.

P. - O que é perder a essência do IVA? Compromete a possibilidade de avanço da reforma?

RF - Em vez de simplificar, você pode terminar complicando. Uma coisa é você discutir a governança desse Conselho Federativo, aí tudo bem. Mas a arrecadação tem que ser centralizada para poder o IVA funcionar de forma simplificada.

P. - O que seria uma governança bem-feita, na sua visão?

RF - Essa questão do peso entre estados e municípios, isso ainda pode ser aperfeiçoado. Eu defendo também o que está no texto do relator, ele propôs 27 estados, cada um com uma representação, e 26 municípios. Defendo esse formato, mas isso pode ser objeto de discussão para aperfeiçoar.

P. - O sr. vê intransigência dos estados que querem o modelo de câmara de compensação?

RF - Não. Não vejo intransigência, acho que são pequenos ajustes. É natural que, na hora em que o texto acontece, cada item seja discutido em cada estado sobre o que seria melhor, o ideal da posição de cada um. Mas é algo secundário diante da grandeza e do impacto positivo da reforma para a economia do país.

P. - São Paulo tem 70 deputados. Se a gente vai para uma análise de bancada, o Republicanos, que é o partido do governador de São Paulo, tem 41. Provavelmente tem uma sobreposição nesses dois números, mas...

RF - Acredito que não vai haver uma definição em um tema dessa natureza nem por partido, nem por estado. É um tema complexo. Obviamente quem tem mais condições de avaliar isso é o presidente da Câmara, se há ou não há votos suficientes para atingir [a aprovação]. Eu entendo que há, sim, votos suficientes, porque todo mundo é a favor da reforma tributária.

Chegou a hora de votar. Nem se um estado ou um partido fechar posição contra ou a favor do texto, você vai ter unanimidade dentro da bancada do estado ou dentro da bancada do partido. Até porque tem gente que é de um partido, mas está em uma região que é favorável. Se o partido colocar que é contrário e ele [parlamentar] é aliado ao governador que é a favor, ele vai seguir o partido ou o governador?

P. - Um ponto é a questão da devolução dos créditos para o contribuinte. Facilita, nesse caso, ter uma cobrança centralizada, como vocês defendem? Ou não?

RF - Facilita tudo. A devolução dos créditos, a agilidade nesse processo, todos aqueles outros sistemas de devolução personalizada também para o contribuinte. Vai facilitar tudo, porque você fica com um sistema único gerenciando tudo isso de forma automática.

P. ´O secretário de Fazenda de São Paulo disse nesta terça (4) que um dos temores, se as empresas tiverem que recolher o tributo para essa agência centralizadora, é que vai haver muita judicialização. Há esse risco?

RF - É o contrário, o contencioso ficará cada vez maior se nós ficarmos no sistema não-centralizado. Esse é um dos pontos que, na minha visão, vai aumentar muito mais a judicialização. Quanto menos simples ficar, mais judicialização teremos.

P. - O cashback é afetado por essa opção entre Conselho ou câmara de compensação?

RF - Quando você faz o cashback [sob o modelo do Conselho], não precisa nem passar pelos estados se você aprovar a devolução personalizada. Então, as pessoas de baixo poder aquisitivo, que estão no Cadastro Único, recebem automaticamente. Isso não entraria no bolo. Então, facilita também essa conta, a meu ver.

P. - O sr. acha que vota nesta semana mesmo?

RF - Muito confiante de que vota nesta semana, amanhã ou quinta.

RAIO-X

Rafael Fonteles, 38

Natural de Teresina (PI), é bacharel em Matemática e mestre em Economia Matemática no Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada). Atuou como professor, empreendedor e consultor de investimentos. Foi secretário de Fazenda do Piauí entre 2015 e 2022. No cargo, também presidiu o Comsefaz (Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda) entre 2019 e 2022. Foi eleito governador do Piauí no primeiro turno e tomou posse em 1º de janeiro de 2023.


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