BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A autonomia formal do Banco Central e a expectativa pela redução dos juros desafiam a comunicação da autoridade monetária. O tema, que desencadeou choques com membros do governo Lula (PT), volta aos holofotes nesta semana, quando o Copom (Comitê de Política Monetária) se reúne para decidir sobre a taxa básica (Selic).
Economistas ouvidos pela Folha destacam que a comunicação do BC faz parte do "arsenal" de política monetária ao influenciar o canal de expectativas dos agentes financeiros e que existe hoje um esforço da instituição para que a interlocução seja homogênea.
Mas esse modelo vem passando por mudanças desde que o BC entrou na mira das críticas do presidente Lula, que pleiteia a redução da taxa de juros. Há expectativa de início dos cortes da Selic, hoje fixada em 13,75% ao ano, na próxima quarta-feira (2). Enquanto o governo pressiona por uma queda de 0,5 ponto percentual, o Copom fala em "parcimônia" e "cautela" na condução da política monetária.
A chegada de Gabriel Galípolo, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, ao comando da diretoria de Política Monetária do BC jogou luz sobre conflitos relativos a diferentes modelos de comunicação.
Durante a sabatina no Senado Federal, no início de julho, Galípolo disse que o BC tem uma "linguagem própria" e que, a cada ata do Copom, a Faria Lima [em referência a economistas da iniciativa privada] inicia um campeonato mundial de interpretação de texto.
Ailton Aquino, indicado para área de Fiscalização, também disse que defenderá melhorias. "A linguagem do BC é muito hermética, muito difícil, e a gente precisa fazer um trabalho muito claro sobre isso, sobre melhorar a linguagem."
A mais recente polêmica quanto à comunicação do BC se deu em torno da tentativa da autarquia de condicionar entrevistas de diretores à aprovação prévia do presidente Roberto Campos Neto, como mostrou a coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.
O caso fez a instituição se manifestar publicamente, dizendo que "não existe e jamais existirá censura ou cerceamento de qualquer espécie à livre manifestação dos dirigentes do BC" e que eles "têm sido incentivados a se manifestar mais em público."
Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC e presidente do conselho da Jive Investments, ressalta que a comunicação da autoridade monetária é um processo ritualizado, com o objetivo de que todos tenham acesso às mesmas informações e de forma simultânea.
Um desses ritos é o período de silêncio do Copom. Membros do comitê devem "evitar ao máximo" comentar assuntos que abrangem a economia brasileira, como taxa de juros, no intervalo que vai da quarta-feira da semana anterior às reuniões do colegiado até a terça-feira da semana posterior, quando ocorre a divulgação da ata.
Para ele, parte do "desentendimento" em torno do tema é resultado da falta de conhecimento dos críticos, incluindo do presidente Lula, sobre esse modelo.
"Tem um cuidado muito grande de como o BC se comunica, que é muito diferente de como o Ministério da Fazenda e outras áreas do governo se comunicam, porque nessas áreas nem tudo é tão sensível. Quando você está no BC, não dá para fazer [as mesmas] coisas que você faz quando está no Ministério da Fazenda", diz.
Segundo Figueiredo, há um empenho do BC hoje para transmitir posicionamentos que reflitam a visão da instituição, não a opinião individual de seus membros. O ex-diretor, contudo, vê um processo de transformação em curso à medida que chegam pessoas com visões diferentes ao órgão.
"A autonomia formal do BC muda um pouco o formato [de comunicação], tem um processo de adaptação do modelo ao novo regime", afirma.
Em vigor desde 2021, na gestão de Jair Bolsonaro (PL), a "autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira" é prevista por lei. O texto estabelece mandatos fixos de quatro anos ao presidente e aos diretores do BC, não coincidentes com o do presidente da República, com a possibilidade de uma recondução ao cargo.
A economista Carla Beni, professora de MBAs da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que o Brasil ainda está experimentando essa nova regulamentação, que busca blindar o BC contra eventual ingerência política, e que precisa de mais tempo para se ajustar.
"É a primeira vez que nós estamos observando a função para qual o BC ficou independente. Todo presidente da República precisará passar por dois presidentes do Banco Central, um herdado e um escolhido", afirma.
Ela defende que a comunicação do BC continue sendo "regulamentada", ressaltando que o Brasil tem como uma forte característica a politização da linguagem.
Citação Ser diretor do BC envolve, sim, uma renúncia parcial da opinião particular Alexandre Schwartsman ex-diretor do Banco Central **** Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC, considera fundamental que a interlocução seja feita por meio de canais oficiais, como comunicado e ata do Copom e relatório trimestral de inflação, para evitar risco de vazamento de informações privilegiadas.
Para ele, as divergências dos membros do Copom quanto aos rumos da política monetária devem ser expressadas durante os encontros e, uma vez tomada a decisão do colegiado, o posicionamento ratificado pela maioria deve ser defendido publicamente por todos.
"Cada diretor falar entre reuniões algo diferente da mensagem que está na comunicação oficial institucionalmente é um atraso", afirma.
"Ser diretor do BC envolve, sim, uma renúncia parcial da opinião particular para a opinião do comitê. A opinião particular vai para o debate; uma vez que se forjou maioria, você segue a decisão da maioria", acrescenta.
á Sergio Werlang, assessor da presidência da FGV e professor da FGV EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças), é favorável a um modelo em que os diretores do BC possam expressar seus posicionamentos individuais sem restrições.
"Tirando fora o período de silêncio, cada diretor tem de ter direito de falar o que quiser. [Ele] está falando em nome próprio, não em nome do Copom", afirma.
"Não vejo nenhuma razão para que um diretor não possa expor seus pontos de vista, que não precisam ser os da maioria. A visão do BC não é uma. O Copom é uma junção de visões de seus membros independentes", complementa.
Para o ex-diretor do BC, dar mais voz a cada membro caracteriza um "aperfeiçoamento" do modelo de comunicação da autoridade monetária, dando mais "responsabilização individual" pelas ideias divulgadas.
Essa individualização se alinha à prática adotada pelo Fed (Federal Reserve, BC dos EUA), defendida por Galípolo. No entanto, não há consenso entre os especialistas de que esse formato seja a melhor opção ao BC do Brasil, considerando as diferenças históricas e institucionais entre os órgãos dos dois países.
O Fed possui um sistema operacional descentralizado, composto por três entidades. Uma delas é o FOMC (Copom americano), que inclui governadores do órgão e presidentes dos bancos centrais regionais.
Há um entendimento de que essa composição e a independência institucional de longa data favorecem a ressonância de mais vozes. Por outro lado, críticos argumentam que o Fed não é transparente o suficiente em relação às decisões de política monetária.
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