BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aprovou, até meados de julho, o registro de 231 agrotóxicos. O ritmo de liberações nesse período equipara-se ao do primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro (PL) e supera a soma anual de qualquer mandato petista.
O pico de autorizações do PT ocorreu em 2008, quando o governo Lula 2 liberou ao longo de todo aquele ano 202 registros.
Essas aprovações ocorrem dentro das regras estabelecidas por um controverso decreto, editado por Bolsonaro em outubro de 2021. A norma acelera trâmites na liberação desses produtos químicos, procedimento questionado por alguns especialistas, que destacam riscos à saúde e ao meio ambiente, mas defendido pelos produtores, com o argumento de que agiliza a adoção de produtos modernos, menos prejudiciais.
Esse decreto não entrou no revogaço, o processo de exclusão de normas bolsonaristas avaliadas como inapropriadas para o estilo da gestão do PT.
Relatório do Mapa sobre o tema mostra que a maioria dos registros deste ano é de produtos genéricos ou formulações adaptadas com genéricos.
Os defensores dos uso de agrotóxicos afirmam que genéricos não trazem riscos, pois já passaram por testes. Também dizem que a maior quantidade desses produtos no mercado não representa mais químicos na produção. Pode ocorrer até o contrário, pois as aplicações foram se sofisticando.
Além do mais, defendem que genéricos teriam a função econômica de reduzir o preço. Quanto maior a concorrência de um mesmo produto, menor o custo, e melhor a rentabilidade dos produtores.
Quem defende mais cautela, por outro lado, argumenta que o genérico até pode ser conhecido, mas não a sua associação às substâncias adicionais incluídas em novas fórmulas.
Dos 321 agrotóxicos aprovados, 17 são composições com princípios ativos novos. Uma corrente de estudiosos recomenda mais cautela na liberação nesses casos e desaconselha a aprovação baseada nos critérios do decreto.
O relatório do Mapa aponta ainda que, do total liberado, 102 foram classificados por Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Cinco produtos desse grupo foram destacados com gradações diferentes dentro de "altamente tóxico" para saúde humana. No caso do impacto ambiental, dois foram catalogados em "altamente perigoso", e 47, "muito perigoso".
DEBATE NÃO ENFRENTADO
O governo Bolsonaro foi marcado por sucessivos recordes na liberação de agrotóxicos. Eles cresceram anualmente: 475 aprovações em 2019, 493 em 2020, mais 562 em 2021, até bater no topo de 652 registros no ano passado.
Essa escalada foi interrompida em 2023, mas a expectativa entre os que pedem cautela na liberação desses químicos era que a gestão Lula recuperaria o padrão histórico, abaixo de 200 autorizações por ano. A superação da marca em seis meses e meio foi recebida com certo constrangimento pelos defensores de uma política mais seletiva para esse tipo de produto, inclusive por aliados e integrantes do governo.
"Do ponto de vista do Executivo, em termos práticos, a liberação de agrotóxicos segue em um ritmo semelhante ao início do governo Bolsonaro, algo que é bastante preocupante, e até surpreendente, considerando os posicionamentos do presidente e a nova retórica utilizada ?respeito à alimentação saudável e aos direitos ambientais", afirma Luiza Lima, coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil.
"Em parte, essa situação reflete as ambivalências e disputas internas dos ministérios, mas a força que prevalece nesse embate é a da bancada ruralista, que está conseguindo impor a manutenção dessa agenda dentro do governo e no Congresso."
O sanitarista Fernando Carneiro, que é pesquisador da Fiocruz e integra o grupo de trabalho de Saúde e Ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), afirma que a entidade tem acompanhado as liberações e lamenta que o Mapa mantenha o histórico alinhamento ao agronegócio.
"Quanto mais agrotóxicos disponíveis, maior o risco à saúde, mesmo que sejam produtos genéricos, pois a aprovação mais rápida pela similaridades também gera riscos", afirma Carneiro, que foi servidor da Anvisa e trabalhou na área de análise de agrotóxicos.
A FPA (Frente Parlamentar da Agricultura) afirma que o Brasil, como potência agrícola, precisa dessas substâncias e que a legislação é peça fundamental para o país ter acesso a produtos mais eficientes.
"Atualmente, não existe tecnologia compatível e viável economicamente para substituição do uso de pesticidas no mundo. Portanto, o Brasil, como um dos maiores exportadores, precisa estar em sintonia com produtos mais modernos já utilizados por outros países", afirma a entidade em nota assinada por seu presidente, deputado Pedro Lupion (PP-PR).
O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), que no Congresso se dedica a questões do campo, defende que o governo adote uma postura mais proativa em relação à polêmica dos agrotóxicos.
"O governo precisa puxar para si o debate, que hoje está no varejo de tramitações dispersas em diferentes projetos de leis ?afinal, a questão é estratégica para a saúde, o meio ambiente e a economia", afirma.
"Não vamos esquecer que parte desses agrotóxicos é fabricada, mas proibida, na União Europeia, e uma hora isso pode gerar pressão contrária à compra de alimentos produzidos no Brasil."
Tatto diz acreditar que uma nova legislação, que trate de uma política pública moderna, para insumos, fertilizantes e biodefensivos, precisa ser discutida por um comitê de alto nível. Fariam parte desse grupo representantes de ministérios, entidades agropecuárias, especialistas, acadêmicos e entidades da sociedades civil, de pequenos agricultores e da reforma agrária.
O debate em torno das normas para agrotóxicos hoje se concentra em torno do projeto de lei 6.299/02, de autoria do Senado, que foi aprovado na Câmara em fevereiro deste ano. O texto voltou àquela Casa para nova votação.
Apelidado de PL do Veneno por seus opositores, esse novo regramento revê a Lei dos Agrotóxicos (7.802/89), alterando ou revogando inúmeros dispositivos. Entre eles, os prazos para autorização.
A emissão de registro pela lei antiga poderia demorar sete anos. A nova norma reduz o prazo para dois anos, sendo que, em caso de atraso, seria possível obter registro ou autorização temporária. Parte desses critérios já é praticada por meio daquele decreto de 2021.
Em quanto isso, o PL 6.670/16, que busca instituir uma política nacional de redução de agrotóxicos, está pronto para ir à análise no plenário da Câmara, mas não é colocado em votação.
Procuradas pela reportagem, a assessoria de imprensa do Mapa e do ministro Carlos Fávaro não se manifestaram até a publicação deste texto. Os principais porta-vozes da pasta estão em viagem ao exterior para abertura comercial.
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