BELÉM, PA, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Tributaristas do país foram surpreendidos com o conteúdo da MP (medida provisória) que altera a lei de incentivos fiscais para investimentos.
A medida foi editada nesta quinta-feira (31) e revoga uma decisão do Congresso Nacional, aumentando a tributação de grandes empresas que possuem benefícios fiscais de ICMS.
No início do ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, travou uma batalha contra a Lei Complementar nº 160/2017, do governo de Michel Temer (MDB), que equiparou qualquer benefício de ICMS à subvenção para investimento.
Essa equiparação tinha aberto uma brecha para que as empresas conseguissem reduzir a base de incidência de tributos federais, como IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido), sobre recursos ligados a despesas correntes, afetando a arrecadação da União.
No final de abril, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) acabou com a discussão. Decidiu por unanimidade que empresas só poderiam usar benefícios fiscais estaduais com ICMS para reduzir a base de incidência de tributos federais quando os recursos fossem ligados especificamente a investimentos.
Haddad comemorou a decisão, que poderia restituir aos cofres públicos, pelas estimativas da equipe econômica, R$ 90 bilhões. Chegou a dizer que a decisão favorável ao governo afastaria o uso de MP para tratar do tema. Mesmo assim, a controvérsia continuou.
Para regulamentar a decisão do STJ, o governo editou na quinta-feira (31) a MP estabelecendo novas regras para a tributação desses incentivos fiscais.
Uma das principais itens da MP é a mudança no próprio modelo. Em vez de descontar os incentivos do ICMS da base de cálculo de tributos federais, a Receita vai conceder um crédito financeiro de 25% sobre o valor da subvenção, desde que ela esteja relacionada a investimentos.
Segundo o governo, a medida dará maior transparência sobre quais empresas são contempladas com a benesse. A intenção do governo é disponibilizar essas informações em um painel público, a exemplo do que vem sendo feito com outros gastos tributários do governo federal.
"Nem sabemos se o governo realmente acredita que as medidas podem vingar na prática no Congresso, mas a impressão é que tenta mostrar de onde podem tirar recursos para justificar a sua proposta orçamentária", afirma Jimir Doniak Jr., sócio da Advocacia Lunardelli.
Os tributaristas ficaram preocupados com o que entendem ser um passo além do que era previsto com base na decisão do STJ. "A MP muda radicalmente toda a sistemática tributária das subvenções para investimento, indo muito além do que esperávamos", afirma Doniak.
"Acho que [o governo] entendeu que o julgamento do STJ não foi tão favorável ao governo como ele havia entendido inicialmente", afirma Doniak.
A medida também pode ser vista como uma interferência no federalismo, defende o advogado Fernando Facury Scaff, professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados.
"A velha guerra fiscal é horizontal. Estados contra estados. Com essa MP, ela fica uma guerra fiscal vertical. União contra estados", afirma Scaff.
O governo, por outro lado, vê o atual modelo como um "jabuti tributário" e considera que a prática tem prejudicado não só a arrecadação da União, mas também a de estados e municípios.
Cálculos dos próprios tributaristas apontam que, a cada R$ 1.000 de incentivos no ICMS, o governo federal acaba abrindo mão de outros R$ 432,50, sem que tenha decidido concordar ou não com o benefício.
Para o governo, é como se os estados dessem um incentivo com o chapéu alheio. Além disso, parte dessa perda se volta contra os próprios entes regionais, uma vez que a arrecadação de impostos seria repartida com eles.
"Esse dinheiro é drenado do erário federal, dos outros estados e dos outros municípios de uma maneira bastante perversa. Para onde vai esse dinheiro? Em muitos casos, vai direto para o bolso do sócio da empresa. Há casos claros em que a empresa recebe esse benefício e aumenta o lucro", disse o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas. Segundo ele, a mudança será neutra.
"Ouso dizer que os mais prejudicados são os municípios pequenos, pela sistemática. Para eles, o impacto é muito grande", afirmou o secretário.
O governo prevê recuperar R$ 35,3 bilhões no ano que vem com a medida. Parte do valor deve irrigar os cofres de estados e municípios, que hoje sofrem perdas de R$ 6 bilhões a R$ 9 bilhões em repasses que deixam de ser feitos pela União, segundo estimativas da Receita.
"Eu não estou subestimando o litígio. Eu estou reconhecendo o litígio que existe porque a lei é horrível, sou o primeiro a reconhecer isso. Porque ela foi sendo emendada, é jabuti pra cá, jabuti para lá, quando você vai ler, é confuso mesmo", disse Barreirinhas.
O governo, porém, tem demonstrado abertura para dialogar sobre a alíquota de 25% que define o crédito financeiro a ser concedido, justamente para evitar que as empresas que realmente investem sofram algum tipo de oneração.
No caso de incentivos a custeio, o objetivo do Executivo é fechar totalmente a brecha existente, encerrando qualquer dúvida sobre a tributação federal sobre esses incentivos.
Segundo Barreirinhas, os estados têm autonomia para decidir sobre esses benefícios, mas não é justo que o governo federal precise, por tabela, abrir mão de seus recursos.
De acordo com o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, que estava ao lado de Barreirinhas na entrevista a jornalistas, a equipe econômica está propondo uma correção a um modelo que não deu certo.
"O governo federal aprimora a sistemática, o investimento é reconhecido, e o crédito financeiro é dado. A nossa expectativa é que o litígio diminua, porque isso inclusive está sendo testado em outros lugares do mundo em uma dinâmica global", disse.
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