SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No site do governo da Guiana, o endereço de correio eletrônico está inválido. Mas há o telefone do gabinete presidencial de Irfan Ali, 43.
"Estamos com problemas, realmente", informa a secretária. "Mas você quer o e-mail pessoal dele?"
Conseguir de maneira tão fácil o contato do presidente da República seria informalidade condizente com a Guiana de alguns anos atrás: país de população inferior a um milhão de pessoas, com território tomado pela floresta amazônica e dependente de produção de agrícola, extração de minérios e pesca.
Não combinaria com quem se tornou inesperada estrela na economia global.
A partir de 2019, quando a norte-americana ExxonMobil começou a extração de petróleo na região, a nação deu um salto. Segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), ninguém em 2022 cresceu tanto quanto a Guiana: 62%. A previsão é de um avanço de 37% neste ano.
O único país de língua inglesa na América do Sul tem hoje em dia reservas de 11 bilhões de barris.
Estão previstos mais 14 leilões de exploração até o início de 2024. A renda per capita pulou de US$ 11 mil (R$ 54 mil corrigidos) anuais, dado de quando a Exxon assinou contrato de exploração com o governo, em 2015, para US$ 60 mil atuais (R$ 295 mil).
"A produção de petróleo apresenta uma oportunidade para aumentar o crescimento e diversidade da economia, cuidando do desenvolvimento humano e das lacunas estruturais", escreveu o economista do FMI, Rina Bhattacharya, no estudo "Administrando a riqueza do petróleo da Guiana: considerações sobre políticas monetária e de juros", publicado em novembro de 2022.
O discurso do governo é usar os recursos do petróleo para modernizar o país e investir em infraestrutura.
"Nós temos uma estratégia agressiva. Petróleo vai nos trazer os recursos que precisamos para expandir a economia, reforçar setores tradicionais e nos tornar mais competitivos no mercado global. Estamos investindo em saúde, educação e outros serviços sociais que melhoram o nível de vida da população", disse Ali em entrevista para o site FDi Inteligence.
Não é uma visão de consenso dentro da própria Guiana. Crítico do acordo assinado com a Exxon, o Transparence Institute of Guyana (Instituto de Transparência de Guiana, em inglês), argumenta que o nível de pobreza não diminuiu com o dinheiro do petróleo. Lembra que no ranking de corrupção da Transparência Internacional, a nação ocupou a 85ª colocação em 2022, entre 180 países.
Em 2017, 41% da população vivia abaixo da linha da pobreza.
O governo contesta esses números. Para Ali, o Transparence Institute não tem dados para fazer tais afirmações.
"O medo que existe é que essa riqueza não seja revertida para a população, assim como aconteceu em Angola e na Namíbia. Espero que eles [do governo da Guiana] não tenham esse problema. É óbvio que quando um país descobre quantidade assim de petróleo, não se trata apenas de desenvolver a exploração [para o crescimento da economia], mas também a indústria que vem por trás", afirma Pedro Rodrigues, economista e sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura.
Essa é a preocupação do governo para que o crescimento econômico seja aproveitado ao máximo. O presidente já disse querer fazer do país um canteiro de obras para sustentar a indústria petrolífera. Também há urgência que resolver o problema de mão de obra. Guiana tem 214.969 quilômetros quadrados de território ocupados por cerca de 800 mil pessoas. O estado de São Paulo possui 248.209 quilômetros quadrados com 44 milhões de habitantes.
Em entrevista à BBC, Ali declarou pretender mudar a política de imigração para atrair massa trabalhadora estrangeira. Ao mesmo tempo, pretende especializar a força local para funções necessárias nas indústrias de petróleo, infraestrutura e serviços.
Não é uma fórmula nova. Foi colocada em prática nas últimas décadas no Oriente Médio. Qatar e Emirados Árabes, ambos visitados por Irfaan Ali em maio, encararam o mesmo problema, com percalços.
Sede da última Copa do Mundo, os qatarianos receberam acusações de exploração da mão de obra estrangeira usada nas obras da construção civil e desrespeito aos direitos humanos.
Cortejado por governos internacionais, o presidente da Guiana também fez visita oficial à China neste ano. Há gestões para que entre na Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), entidade que reúne algumas das principais nações produtoras e que age como cartel, tentando controlar o preço do produto no mercado internacional.
Guiana extrai atualmente 400 mil barris por dia. A estimativa é que, em 2027, o número será de 1,2 milhão.
"Eles podem ter um crescimento médio de 25% por ano na produção. Descobriram um emirado na América Latina, basicamente. A produção per capita é maior que a da Noruega. O preço [do barril] é importante para a economia deles, como é para os países do Golfo Pérsico. Pode haver uma queda, mas eles podem também aumentar a produção. A história da Guiana chama muito a atenção", argumenta Antônio Zacharias de Sá, analisa da Kinea Investimentos.
Ativistas ambientais concordam. A história da Guiana chama muito a atenção, Mas para eles, por outros motivos. ONGs consideram a exploração feita pela Exxon de alto risco. Cerca de 90% do país é ocupado pela floresta amazônica. Mudanças climáticas podem afetar sensivelmente o país. O espaço onde foi construída a capital Georgetwon teve de ser drenado para que se tornasse habitável, já que está abaixo do nível do mar.
Quase 90% da população vive a poucos quilômetros do oceano Atlântico.
Há também disputa diplomática com a Venezuela, que reivindica parte do território guianês, justamente onde estão os campos de petróleo.
"Não há separação entre o que é empresa e o que é governo. A Exxon dita as regras no país. É presença frequente nas decisões do governo. O estudo de impacto ambiental feito por eles foi muito criticado. É uma das explorações mais perigosas do mundo pela profundidade. O próprio estudo mostra que se houver um vazamento, este se espalharia por 14 países do Caribe. Guiana é refém da Exxon", critica Ilan Zugman, diretor da 350.org, entidade que faz campanha pelo fim dos combustíveis fósseis.
A pergunta mais comum feita a Irfan Ali é se a exploração de petróleo não aconteceu tarde demais. Há o compromisso global de zerar as emissões de carbono até 2050. Ele lembra que o nível de emissão da Guiana hoje em dia é negativo por causa da floresta. O país pode ser um componente importante no mercado da venda de créditos de carbono.
Estaria a Guiana correndo contra o tempo?
"Se a gente pegar esses países petroleiros que foram explorados por décadas, vai ver que a Nigéria foi destruída pela Shell. Ficaram os passivos ambientais. A gente precisa discutir esse modelo de distribuição de renda. Há projeções de que partes da Guiana podem ser inundadas com mudança no nível do mar. Esse progresso econômico tem de ser obtido de outras maneiras", completa Zugman.
"O acordo de Paris 2050 [para zerar as emissões de carbono] não significa que não vai se produzir petróleo. Significa concessões ambientais. Os países que queriam acelerar [a redução de emissões] descobriram que outras partes do mundo e eles mesmos precisam do petróleo. Existem variáveis que a gente não controla e Guiana vai ter de descobrir isso para manter o seu crescimento", argumenta Pedro Rodrigues.
Essa é uma questão a ser respondida pelo presidente Irfan Ali.
"Pode insistir. Mande outra mensagem. Ele sempre responde", assegurou a secretária do gabinete.
Apesar da promessa, isso não aconteceu.
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