SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando percebeu o desperdício de materiais na indústria, Rafael Valentini não imaginava que alguma empresa teria excedente de 8.532.000 gatilhos de pulverizadores de diferentes tamanhos. Ou 480 unidades de pó polidor de prata e metais nobres com imagem da apresentadora Hebe Camargo, morta em 2012.

Não por acaso, este lote está com data de validade expirada.

"Eu visitei 27 países negociando compra e venda de aço. Nessa vivência, comecei a ver um problema de estoques excedentes e obsoletos nas empresas. Vi que era preciso fazer algo para essa ideia circular", afirma o empresário criador e CEO da Movestock, startup que é uma espécie de Mercado Livre da sucata e tem à venda todas os itens citados acima.

São produtos que as indústrias descartariam por não conseguirem aproveitar, mandariam para o lixo ou colocariam em leilões. Todos são disponibilizados na plataforma que funciona como Marketplace. Outras companhias têm a chance de comprá-los. A Movestock faz a intermediação do negócio.

Há sobras que empresas do ramo siderúrgico ou de metais podem se interessar. Como 88.000 kg de retalhos de aço. Outros causam mais dúvidas Quanto à viabilidade comercial nos dias de hoje: 200 aparelhos de fax, por exemplo.

Pesquisa realizada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) aponta que quase a metade das indústrias brasileiras não otimizam seus processos para redução ou perdas de produtos. São 43,5% que não fazem isso. As consequências são prejuízos no orçamento, atrasos na entrega e repetições necessárias de trabalhos.

"A empresa, quando chega perto do final do ano, faz análise de estoque e algum empregado fica encarregado dessa lista. São dois mil, três mil itens que precisam ter algum destino. Para a alternativa do leilão, você precisa disponibilizar o produto e não mexer nele por seis meses para ver se vai conseguir vender. Imagina ter um lote de 100 toneladas de aço te atrapalhando na fábrica e não poder fazer nada por metade de um ano", completa Valentini.

O mercado do desperdício tem chamado a atenção de investidores. A Movestock, que até o ano passado se chamava osucateiro.com, recebeu dinheiro em 2023 da Sicredi e do Instituto Hélice, entidade de fomento e estímulo financeiro para novos projetos.

A empresa intermediou R$ 88 milhões em vendas de estoques obsoletos ou excedentes em 2022. A expectativa é triplicar isso neste ano, com a diferença que a startup não coloca preço nos produtos que estão disponíveis e abre possibilidade de negociação entre comprador e vendedor.

Estudos mostram existir um problema de organização para maximizar espaços e produção nas indústrias nacionais. Documento preparado pela Cogtive, startup de software para otimização de empresas, diz que as companhias de manufatura do país deixaram de lucrar R$ 500 bilhões no ano passado por causa da sua capacidade produtiva desconhecida.

Isso poderia, segundo o documento, acrescentar 5,6% ao PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro.

A indústria automotiva, de acordo com o estudo, atua com capacidade 30% abaixo do esperado porque não consegue identificar onde a produção poderia ser melhorada para evitar os estoques excedentes e ociosos.

Um dos motivos para isso, no geral, é que as fábricas estão focadas no que há de mais novo sendo produzido e não têm planos para o que sobrou de anos anteriores. Em uma comparação simples, é como a montadora de carros que prioriza vender apenas o seu modelo 2023 e esquece dos automóveis de 2022 e 2021 que ainda estão no pátio.

Trata-se de mercado tão incipiente no Brasil que há grande espaço para expansão, a partir do momento em que as fábricas perceberem o quanto não aproveitam do próprio estoque.

"A Marcopolo [fabricante de ônibus] tem 15 mil funcionários produzindo e vendendo ônibus. Não tem ninguém desenvolvendo o mercado do motor elétrico que sobrou ou o rolamento. Nos eletroeletrônicos, a tela touch ficou obsoleta e agora há o modelo diferente por voz", diz o CEO da Movestock.

Há cinco telas touch à venda na Movestock e nenhum aparelho controlado por voz. Nem mesmo um com o rosto de Hebe Camargo na embalagem.

APLICATIVOS CONTRA DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS

A preocupação com o desperdício de materiais na indústria caminha ao lado de um problema mais visível e que atinge mais pessoas: o de alimentos.

Segundo dados do IBGE, cerca de 30% dos alimentos produzidos no Brasil vão para o lixo. Isso representa aproximadamente 46 milhões de toneladas por ano. É um desperdício estimado em R$ 61,3 bilhões. De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), o Brasil é o 10º país que mais joga alimentos fora.

"Nós queremos impulsionar uma mudança cultural para que cada vez mais as redes de mercados e os consumidores entendam que todos têm um papel importante na redução do desperdício. O consumo de alimentos próximos do vencimento é uma forma real de evitar o desperdício e, neste caso, ainda fazer economia e prevenir a emissão de gases danosos", afirma Luciano Kleiman, CEO da b4waste, um dos aplicativos disponíveis no mercado.

O serviço oferece descontos na venda de alimentos próximos do vencimento. Segundo a empresa, são feitos mais de dez mil pedidos por mês e já foram salvos mais de dois mil toneladas de alimentos que iriam para o lixo.

É o mesmo princípio usados por outros apps, como SuperOpa e Souk, que faz intermediação entre pequenos varejistas e a indústria.


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