SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Estudo inédito do Banco Mundial mostra que a Reforma Tributária vai reduzir a carga sobre o consumo de 90% das famílias, mas sem a devolução de impostos por meio do chamado cashback os 30% mais pobres continuarão com uma carga sobre a renda superior à dos 10% mais ricos.

De acordo com a instituição, as desonerações sobre bens e serviços considerados essenciais previstas na reforma reduzem muito pouco a tributação dos mais pobres e também beneficiam as pessoas de alta renda. Esse é o caso do benefício para a cesta básica, que existe hoje e, mesmo se ampliado, não resolveria o problema.

"Se a lista de itens da cesta básica isenta for reduzida e os recursos equivalentes das receitas potenciais forem revertidos a um regime de cashback direcionado, um sistema tributário indireto muito menos regressivo poderia ser alcançado", afirmam os responsáveis pelo relatório "Impactos distributivos da Reforma Tributária no Brasil: cenários relativos à isenção da cesta básica".

Segundo o Banco Mundial, mantido o texto atual em debate no Congresso, a tributação do consumo no Brasil continuará a ser regressiva, ou seja, os mais pobres continuarão a ter uma parcela maior da renda comprometida com esses impostos do que os mais ricos.

"A regressividade se mantém mesmo com isenções na cesta básica", diz a instituição.

O trabalho divide os brasileiros em dez faixas de renda de acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e mostra o percentual da renda comprometido com os tributos sobre o consumo alvo da reforma (IPI, ICMS, PIS, Cofins e ISS).

O estudo assinado pelo economista sênior do grupo de pobreza e equidade do Banco Mundial, Gabriel Lara Ibarra, e pelos consultores da instituição Ricardo Vale, Eduardo Fleury e Kajetan Trzcinski mostra que um benefício mais restrito para a cesta não prejudica a faixa de renda próxima da média brasileira, que ainda teria sua carga reduzida em relação à situação atual.

"Quando você elimina essa diferenciação entre bens, focaliza em fazer uma proteção das populações vulneráveis, essa é uma maneira mais eficiente de apoiar esses grupos", afirma Ibarra à Folha.

O texto atual da reforma prevê a possibilidade de redução de tributos para alimentos e produtos de higiene, sendo que alguns desses itens podem ter isenção total. A lista dos itens beneficiados não está fechada.

Ao definir qual seria essa cesta básica mais focada nos pobres, os autores consideraram uma fórmula em que se remove da desoneração atual produtos com consumo concentrado nos mais ricos, como frutos do mar, queijos e alguns laticínios e carnes. Permanecem isentos itens como arroz, feijão, pão francês, frango, açúcar, sal e absorventes, entre outros.

Um dos motivos pelos quais a desoneração da cesta tem baixo efeito distributivo é que, para viabilizar um benefício tributário, é necessário onerar os demais produtos.

Como os 10% mais pobres gastam cerca de 20% da renda com alimentação, acabam pagando mais caro pelos 80% restantes dos seus gastos.

"Quando se faz uma exceção para a cesta básica, você está aumentando o IVA [novos tributos sobre o consumo] para 80% do consumo dos pobres", diz o economista do Banco Mundial.

Outra crítica a essa política é que parte da desoneração fica com a cadeia produtiva, não com o cidadão. Agronegócio e supermercados estão entre os principais críticos de restrições à desoneração da cesta e ao cashback para os mais pobres.

Para o Banco Mundial, reduções e isenções não são as melhores ferramentas para aliviar a carga tributária das famílias mais vulneráveis.

Uma cesta básica nacional mais concisa e com isenção, por outro lado, pode diminuir os preços de bens essenciais e, ao mesmo tempo, abrir espaço fiscal para políticas redistributivas de forma mais eficaz, segundo a instituição.

De acordo com o estudo, uma cesta básica mais restrita permite a devolução de cerca de 40% dos tributos arrecadados das famílias do CadÚnico (Cadastro Único), resultando em uma restituição média mensal de R$ 116 por família.

O trabalho leva em conta dados da última pesquisa de orçamento familiar do IBGE, de 2017. Se os valores fossem atualizados, a devolução ficaria próxima de R$ 160. O benefício médio do Bolsa Família, que abrange parte das pessoas do CadÚnico, é de R$ 705.

Nesse cenário, o sistema tributário fica mais próximo de um modelo neutro em relação à distribuição de renda, segundo a instituição.

Já a devolução total dos novos tributos poderia mais do que dobrar a renda líquida dos 10% mais pobres, uma vez que atualmente 60% dos seus rendimentos são direcionados ao pagamento dos impostos e contribuições alvo da reforma. Entre os beneficiários do Bolsa Família, o incremento de renda seria de 60% na média.

Um cashback mensal para todas as famílias do CadÚnico seria de R$ 318 (R$ 435 se os valores fossem atualizados pela inflação) se a devolução fosse de 100% do que essas pessoas pagam. Para fazer isso sem aumentar a carga tributária total, seria necessário um sistema sem exceções ou alíquotas reduzidas para outros produtos.

"Sem qualquer custo fiscal adicional, um cashback direcionado seria o sistema mais vantajoso para os vulneráveis", diz o Banco Mundial, no relatório.

Reembolsar a totalidade dos tributos às famílias do Cadastro Único custaria entre 1,6% e 1,2% da renda para os decis quatro a dez [40% mais ricos], ao mesmo tempo em que melhoraria drasticamente as condições materiais das famílias nos três decis inferiores [30% mais pobres], segundo a instituição.

À Folha de S.Paulo, outro autor do trabalho, o economista, advogado e consultor do Banco Mundial Eduardo Fleury, afirma que a devolução dos tributos tende a aumentar o consumo de alimentos das pessoas mais pobres, enquanto o fim da desoneração para alguns desses produtos não afeta a demanda das pessoas de maior renda por comida.

"A classe mais alta tem uma demanda mais inelástica para alimentos. Não vai afetar o setor agrícola", diz Fleury.

A Reforma Tributária prevê a possibilidade de devolução de imposto para os mais pobres, mas não indica de onde sairá o dinheiro para isso.

Além disso, as mudanças em discussão criam um sistema que elimina a maioria dos benefícios fiscais atuais e iguala a tributação de bens e serviços. Essa mudança, sozinha, já melhora a distribuição da carga, uma vez que as exceções atuais beneficiam justamente as maiores rendas.


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