BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi munido com dados pessimistas sobre a capacidade de o governo atingir o déficit zero poucas horas antes de colocar publicamente em xeque a meta desenhada pelo aliado de primeira hora, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Na quarta-feira passada (26), Haddad, Esther Dweck (Gestão), Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento), entre outros representantes das pastas, reuniram-se e fizeram uma análise das medidas aprovadas pelo Congresso.
Dali saiu a constatação de que segue difícil conseguir a garantia das receitas suficientes para atingir um déficit zero no ano que vem sem a necessidade de um grande contingenciamento.
O diagnóstico foi levado a Lula que, no dia seguinte, verbalizou publicamente pela primeira vez ver entraves para o cumprimento da meta. A declaração deu combustível à ala do governo que defende alterar logo a meta, inclusive mandando uma mensagem presidencial ao Congresso.
Ciente de que está perdendo o debate, o ministro Fernando Haddad passou a defender junto a Lula o prazo de março como o limite para que se tome uma decisão. Isso porque o mês é quando o Tesouro apresenta um balanço da arrecadação do governo.
De acordo com integrantes do governo, o arcabouço fiscal permite que o governo envie uma mensagem modificativa ao Congresso alterando a meta.
Segundo aliados, Haddad não desistiu de manter o alvo que traçou, mas atua para minimiza o desgaste.
Apesar de só ter verbalizado publicamente na semana passada, a desconfiança de Lula com o objetivo traçado não é nova.
Desde o meio do ano, quando outros ministros já levavam argumentos ao presidente a favor da mudança da meta, Lula disse a aliados que, se o preço pelo déficit fosse fazer um volume muito grande de contingenciamento no ano que vem, a ponto de comprometer seu programa de governo, ele não estaria disposto a pagar.
O presidente também chegou a dizer a aliados temer que Haddad estivesse criando um problema do qual seria difícil sair. Ainda assim, manteve o respaldo ao plano traçado na Fazenda. A mudança no tom ocorreu na semana passada, após ele receber o diagnóstico pessimista de uma reunião com ministros da equipe econômica.
Na quinta-feira (26), durante café da manhã com jornalistas, Lula expressou a preocupação.
"Deixa eu dizer para vocês uma coisa. Tudo o que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai cumprir. O que eu posso te dizer é que ela não precisa ser zero. A gente não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse país", afirmou o presidente durante café com jornalistas em resposta a questionamento da Folha de S.Paulo.
A declaração do presidente pegou integrantes do governo de surpresa porque não foi previamente combinada com Haddad. A fala intensificou o defesa da mudança da meta que já era feita por ministros e capitaneada por Rui Costa (Casa Civil).
Segundo a reportagem apurou, na reunião ocorrida na quarta, houve um acerto de que, antes de aprofundar o debate sobre alteração da meta, o governo esperaria a análise pelo Congresso do restante das medidas do pacote de arrecadação, para verificar o montante final da receita.
Enquanto isso, Lula aproveitaria para impulsionar os parlamentares a aprovarem as medidas que podem trazer novas receitas ao governo. Nesta semana, por exemplo, Lula teve encontros com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com líderes da Casa e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em todas as ocasiões, pediu empenho na aprovação das medidas econômicas do governo.
Mas a declaração de Lula deu combustível à ala que defende mudar já o déficit fiscal por meio de uma mensagem enviada pelo Planalto.
Haddad tem dito que, mais do que atingi-la, o principal objetivo deve ser perseguir o que foi estabelecido. O próprio mercado já precificou que o governo não cumprirá o déficit zero e prevê que seja de 0,75% do PIB. Caso em março a União consiga um déficit de 0,25% do PIB, isso seria menos pior do que o que foi precificado pelo mercado.
A discussão em torno da meta estipulada pela Fazenda se arrasta desde julho, pelo menos. Como mostrou a Folha de S.Paulo em agosto, a própria ministra Simone Tebet defendeu em uma reunião com outros pares que o déficit fosse alterado para 0,5% do PIB já com a constatação de que seria necessário fazer um amplo contingenciamento em 2024, ano eleitoral.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o contingenciamento poderia chegar a R$ 53 bilhões, como a proposta orçamentária de 2024 prevê R$ 211,9 bilhões. O presidente, porém, vinha segurando o debate.
Nesta semana, Lula deu algumas declarações em público e privado que vão na contramão da tese de segurar gastos.
Na terça-feira (31), em reunião com líderes da Câmara e presidentes de partidos aliados, Lula disse que não haverá contingenciamento de gastos previstos no Orçamento do ano que vem.
O presidente disse, especificamente, que não haverá cortes de investimentos, como obras e gastos na área social.
A divergência pública reflete, na avaliação de aliados do próprio presidente, um descompasso que tem marcado o governo.
Na sexta-feira (3), Lula voltou ao tema e afirmou em reunião com ministros da área de infraestrutura que, para a Presidência, dinheiro bom não fica guardado no Tesouro Nacional, mas é transformado em obra.
O chefe do Executivo pediu aos ministros da área --e na presença de Haddad-- que eles sejam os "melhores gastadores do dinheiro em obras de interesse do povo brasileiro".
"A gente não pode deixar sobrar dinheiro que está previsto ser investido nos ministérios. A gente precisa colocar, transformar. Eu sempre digo que, para quem está na Fazenda, dinheiro bom é dinheiro no Tesouro. Para quem está na Presidência, dinheiro bom é transformado em obras."
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