BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ter de implementar um contingenciamento de até R$ 56,5 bilhões nas despesas caso a arrecadação fique abaixo do necessário para garantir a meta de déficit zero em 2024, calcula a Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados.

O posicionamento contraria a tese do ministro Fernando Haddad (Fazenda), segundo a qual a trava máxima sobre os gastos seria de R$ 23 bilhões.

A nota técnica dos consultores foi divulgada nesta terça-feira (5), em resposta a uma consulta do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), vice-líder do governo na Casa.

No texto, eles criticam a interpretação do novo arcabouço fiscal defendida pelo Ministério da Fazenda para limitar o tamanho do contingenciamento de despesas no ano que vem.

Segundo os técnicos, não só a tese de Haddad "subverte" a lógica instituída pelo novo arcabouço fiscal, mas também sua inclusão na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 por meio de uma emenda "extrapola o espaço interpretativo concedido pelo texto legal".

O novo arcabouço fiscal foi aprovado em lei complementar, instrumento legal hierarquicamente superior à LDO.

"A ampliação, afastamento ou alteração do conteúdo de regras fiscais estruturantes contidas na norma complementar (LRF e LC nº 200/23 [novo arcabouço fiscal]) por meio da LDO anual não é cabível juridicamente e traz insegurança diante do temor de descompromisso com o conjunto de regras fiscais existentes e recém-aprovadas", diz o texto.

A nota técnica é assinada pelos consultores Dayson Almeida, Eugênio Greggianin, Márcia Moura e Ricardo Volpe.

A saída jurídica da Fazenda para limitar o contingenciamento foi decisiva para conter as pressões por uma mudança na meta de 2024 e obter o apoio de Lula à manutenção do alvo para o ano que vem.

O cálculo parte da interpretação jurídica de duas regras do novo arcabouço fiscal: a que trava o contingenciamento em até 25% das despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos e podem ser alvo de bloqueio) e a que disciplina a expansão real do limite de despesas, com variação entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.

Enquanto a primeira regra poderia sugerir uma trava de até R$ 53 bilhões (ou R$ 56,5 bilhões nas contas da consultoria da Câmara), a leitura da Fazenda para a segunda regra limitaria o risco a menos da metade do valor inicial. Segundo Haddad, em qualquer situação, a necessidade de contingenciar recursos não pode se sobrepor à garantia de expansão mínima de 0,6% acima da inflação.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, as áreas jurídicas do Ministério do Planejamento e Orçamento e da Casa Civil foram contra essa interpretação.

Diante do impasse, o único consenso possível, segundo pessoas envolvidas nas discussões, foi a possibilidade de regular o tema pela LDO --o que deu origem à emenda do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).

A proposta era limitar o contingenciamento a um valor que assegure a garantia mínima de crescimento de 0,6% das despesas acima da inflação, como deseja o Ministério da Fazenda.

Técnicos admitem que a ressalva na LDO daria mais segurança jurídica ao governo para efetuar um contingenciamento menor, uma vez que os próprios órgãos do Executivo não bancaram sozinhos essa posição.

No entanto, como antecipou a Folha, o relator da LDO, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), decidiu rejeitar diante do temor de que a medida seja compreendida pelos agentes econômicos como uma manobra de contabilidade criativa. Para ele, aceitar a emenda poderia afetar a credibilidade do arcabouço fiscal e gerar instabilidade.

O governo ainda discute a viabilidade de apresentar alguma alternativa ao texto da LDO para travar o tamanho do contingenciamento, mas há dúvidas no Congresso Nacional sobre a disposição do relator em acatar as mudanças.

Na semana passada, Forte emitiu uma nota com um duro recado a Haddad, dizendo que foi orientado pelo próprio TCU (Tribunal de Contas da União) a rejeitar a emenda, diante do risco de gerar insegurança jurídica.

"Não quero ser o responsável pelo desequilíbrio fiscal e pela insolvência do país. Desde o início, alertei para o descasamento entre receitas e despesas e afirmei que não faria nada de ofício, uma vez que a gestão orçamentária e fiscal é de responsabilidade do Poder Executivo", disse o relator em nota na última sexta-feira (1º).

Na nota técnica, os consultores da Câmara criticam a tese da Fazenda. Para eles, "o limite (teto) para o crescimento real das despesas primárias não é um piso para o crescimento efetivo das despesas". Isso significa que a correção de 0,6% acima da inflação serve para estabelecer o espaço fiscal disponível, mas que não necessariamente precisa ser utilizado.

"As despesas podem ser orçadas e executadas abaixo do limite (teto) estabelecido", diz a nota.

Já o contingenciamento é um mecanismo previsto na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que deve ser acionado sempre que a meta fiscal estiver ameaçada. Seu nome técnico é "limitação de empenho e movimentação financeira". Significa que o foco da trava está na despesa realizada (não orçada).

"O contingenciamento previsto no art. 9º da LRF continua obrigatório, ou seja, em caso de risco de não cumprimento da meta durante a execução, a limitação deve ser aquela necessária para garantir a obtenção da meta. [...] Não existe na lei complementar a proteção de um nível mínimo de crescimento para execução das despesas primárias. Mudança de entendimento exigirá alteração da LC nº 200/23 [novo arcabouço fiscal]", diz a nota técnica.


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