BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A cobrança da Cide (Contribuição sobre Intervenção de Domínio Econômico) sobre bens similares aos produzidos na Zona Franca de Manaus abriu um impasse nas negociações da reforma tributária às vésperas da votação final da proposta na Câmara dos Deputados.
A medida foi incluída pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) e aprovada pelo Senado como forma de manter as vantagens competitivas da região, mas estados como São Paulo são contra a proposta por verem risco de elevação da carga sobre algumas atividades.
A partilha dos recursos também gera divergências, uma vez que a arrecadação da Cide ficaria carimbada para o fundo que beneficiará o Amazonas, o que tem sido considerado prejudicial pelos demais governos estaduais.
O relator da reforma tributária na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), disse em entrevista à Folha que buscava uma saída técnica para o problema.
Uma emenda ao texto tornaria necessária uma nova votação no Senado, o que seria indesejável, já que a intenção é promulgar a reforma ainda neste ano.
Por outro lado, a simples supressão do artigo deixaria um vácuo em torno da proteção à Zona Franca de Manaus ?opção rejeitada por senadores que aprovaram o dispositivo.
Na manhã desta quarta-feira (13), os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se reuniram para debater os pontos divergentes da reforma.
À noite, Braga esteve com Pacheco. Sem um acordo, o novo parecer da reforma não foi apresentado até o início da noite desta quarta, como era o intuito do relator.
Apesar do impasse, congressistas se mostram otimistas com a possibilidade de chegar a algum acordo para votar a proposta ainda nesta quinta-feira (14). O ministro Fernando Haddad (Fazenda) também disse não acreditar em atrasos.
"Não vai atrasar. Aquilo que não for comum nas duas Casas pode ficar para depois. Você promulga o que for comum e se ficar alguma pendência isso pode ser discutido em outra oportunidade. A espinha dorsal e a quase totalidade dos detalhes estão acordados", disse.
"Então não há problema numa promulgação de quase toda a reforma. Uma questão ou outra, como aconteceu na reforma da Previdência, pode ser deliberada depois. Mas eu creio que nem o presidente Arthur Lira nem o presidente Pacheco têm a intenção de adiar a promulgação da reforma tributária para o ano que vem", afirmou.
Na proposta aprovada originalmente na Câmara, a previsão era usar o Imposto Seletivo para manter uma cobrança adicional sobre bens similares aos produzidos na Zona Franca. O custo já estava incluído nas estimativas de alíquota do novo IVA.
Na forma aprovada pelo Senado, porém, a Cide funcionaria como uma cobrança adicional, acoplada ao IVA, encarecendo os produtos para os quais há também produção na Zona Franca.
Na entrevista à Folha de S.Paulo, Ribeiro disse não ter ainda uma estimativa dessa alíquota, mas ela teria de ser suficiente para financiar o incentivo já existente. Além disso, os recursos ficariam carimbados para a região, diferentemente do Imposto Seletivo, cuja arrecadação seria partilhada com os demais estados.
"A Cide é um imposto que está fora da alíquota de referência. A Zona Franca tem entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões em benefícios. Se está pensando em arrecadar isso com essa Cide, vai ter de fixar uma alíquota, que vai ser incorporada ao IBS [Imposto sobre Bens e Serviços, de competência estadual e municipal]. Pelo menos é o entendimento de parte já do nosso pessoal técnico e das pessoas que se detiveram em fazer esse estudo", afirmou.
Um grupo de técnicos avalia que o problema é mais político do que técnico, já que o desenho é feito para incentivar a produção na Zona Franca. Portanto, a arrecadação da Cide com bens elaborados fora dela seria reduzida.
Em paralelo, membros da oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) articulam a apresentação de destaques para tentar derrubar trechos da reforma tributária já na etapa final da votação na Câmara.
Parlamentares do PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, têm na mira ao menos dois dispositivos: o benefício a montadoras das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e a cobrança de Imposto Seletivo sobre atividades de extração de petróleo e minérios.
A votação da reforma tributária está prevista para esta quinta. O avanço da medida requer o apoio de ao menos 308 deputados.
Se aprovado nos mesmos termos validados pelo Senado, o texto poderá ser promulgado, concretizando a primeira transformação do sistema tributário brasileiro no período democrático.
Para não comprometer esse objetivo, os líderes costuram um acordo para que eventuais mudanças sejam feitas apenas por meio da exclusão de trechos pontuais da PEC (proposta de emenda à Constituição).
Ribeiro deve deixar alguns pontos de fora já em seu parecer, mas as bancadas também podem propor os chamados destaques supressivos. Nesse caso, se o governo quiser manter o texto, precisará garantir o mesmo quórum de 308 votos favoráveis.
O destaque das montadoras é tido como o mais "perigoso". Montadoras do Sul e do Sudeste, regiões com bancadas expressivas na Câmara, são contra a prorrogação dos incentivos para as demais empresas.
Na primeira votação da reforma na Câmara, em julho, o PL apresentou destaque para derrubar o benefício às montadoras e foi bem-sucedido: o artigo caiu por um voto, numa derrota para Lula, apontado como quem fez o pedido para contemplar as montadoras.
Segundo relatos, o destaque foi negociado entre o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e deputados do PL sob a chancela do presidente da legenda, Valdemar Costa Neto.
O benefício a montadoras tem sido apontado como uma incongruência do governo, já que ele incentiva inclusive a produção de veículos com motor a combustão, em num momento em que o Executivo tenta fazer de seu plano de transição ecológica uma vitrine internacional.
Além do dispositivo sobre as montadoras, o PL também deve apresentar um destaque para suprimir a possibilidade de cobrar Imposto Seletivo sobre atividades de extração de petróleo e minérios, o que vinha sendo criticado por empresas desses setores.
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