BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Sem que a discussão sobre as mudanças do rotativo do cartão de crédito tenha chegado a um consenso no setor financeiro, o CMN (Conselho Monetário Nacional) deve, na reunião desta quinta-feira (21), apenas regulamentar a aplicação de um teto para taxas cobradas na modalidade.

Com isso, deve valer a limitação imposta por lei que estipula uma trava para que a cobrança dos juros do rotativo não exceda o montante original da dívida. Na prática, significa que o valor a ser quitado pelo devedor pode, no máximo, dobrar.

A regra está prevista na lei do Desenrola Brasil, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 3 de outubro. Além de tratar do programa de renegociação de dívidas, o texto prevê o teto para os juros do rotativo.

A trava passaria a vigorar se as próprias instituições financeiras não estabelecessem, no prazo de até 90 dias estipulado pela lei, uma proposta consensual para reduzir os juros do rotativo.

Hoje, essa modalidade é a linha de crédito mais cara do mercado, recomendada por especialistas apenas em casos emergenciais. O rotativo é acionado quando o cliente não paga o valor integral da fatura mensal do cartão na data de vencimento.

Como prevê a lei, a alternativa precisaria ser homologada pelo CMN. O colegiado é formado pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento), além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

A divergência entre os participantes envolvidos na discussão sobre qual seria a melhor fórmula para reduzir os juros da modalidade emperrou a negociação.

Os bancos insistem em limitar, em contrapartida pela mudança de regras, o parcelado sem juros no cartão ?mecanismo que, para eles, encarece o crédito. A lei, porém, não faz nenhuma menção a essa modalidade nem manda restringi-la.

Enquanto os bancos argumentam que o parcelado sem juros aumenta a inadimplência e força a cobrança de juros altos no rotativo ?que ultrapassam 400% ao ano?, as empresas de maquininhas de cartão e o comércio refutam essa premissa.

De acordo com esses setores, não há estudos públicos independentes que mostrem essa relação de causa e efeito, além de a inadimplência não ser maior nos prazos mais longos do que nos pagamentos à vista.

Segundo um membro do governo ouvido pela Folha de S.Paulo, como não há consenso entre representantes do setor, a melhor saída será evitar decisões complexas ou apostar em inovações até que sejam feitos estudos mais aprofundados sobre a questão.

Publicamente, Campos Neto tem dito que o BC não pretende fazer mudanças que afetem a capacidade de compra da população brasileira e que é preciso olhar para o longo prazo no debate.

A resolução do CMN deve detalhar pontos da medida na tentativa de reduzir as lacunas sobre a operacionalização do novo limite de juros. A ideia é também abrir espaço para regulamentações futuras e facilitar eventuais ajustes, caso se mostrem necessários.

O tema continua em discussões internas no governo e novas avaliações podem ser consideradas até o momento da reunião do CMN nesta quinta.

Esse será o último encontro ordinário do colegiado antes do encerramento do prazo de 90 dias para a autorregulação, em 1º de janeiro de 2024.

Embora não seja o caminho mais provável, segundo relatos, Haddad, que preside o CMN, também pode convocar uma reunião extraordinária nos últimos dias do ano.

Desde outubro, o Banco Central vem se reunindo com representantes de bancos, adquirentes (que fazem a intermediação de pagamentos), cartões e varejo para elaborar a regra do rotativo.

No primeiro encontro depois da sanção da lei do Desenrola, a autoridade monetária apresentou uma proposta para limitar, em um primeiro momento, as compras parceladas sem juros em, no máximo, 12 vezes.

Os bancos, que querem a limitação do número de parcelas de compras sem juros, defenderam um escalonamento até chegar a três parcelas. A proposta foi rejeitada pelos demais presentes.

No dia 7 de novembro, a autoridade monetária recebeu propostas de diferentes entidades e sinalizou, segundo relatos, que iria estudar a questão com base em dados próprios.

Na ocasião, a Abranet (Associação Brasileira de Internet), que representa empresas como Mercado Pago, PagSeguro (pertencente ao Grupo UOL ?que tem participação minoritária e indireta do Grupo Folha, que edita a Folha) e PicPay, sugeriu um parcelamento da soma do saldo passado e do saldo a vencer, com juros menores do que no rotativo e que respeitem o limite de 100% da dívida principal.

O número de parcelas seria negociado pelos bancos diretamente com os clientes.

A Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), representante de parte das empresas de maquininhas de cartões, emissores e bandeiras, levantou a hipótese de encurtar o prazo de permanência no rotativo daquele cliente que não paga a fatura integral do cartão.

Hoje, esse limite é de 30 dias. Desde 2017, os bancos são obrigados a transferir a dívida do rotativo para o crédito parcelado, que tem juros mais baixos, após um mês.

Com a redução do prazo, a fatura em aberto ficaria menos dias sob o efeito dos altos juros do rotativo.

Já a Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos) apresentou estudos feitos por especialistas mostrando que o parcelado sem juros não está relacionado ao aumento do risco no crédito, desconstruindo a tese que tem sido usada pelos bancos no debate.

Nos últimos dias, Haddad se reuniu com representantes dos dois elos do mercado para dialogar sobre o tema. Bradesco, Itaú, Nubank e Santander desenharam uma nova regra a partir do desdobramento do que é estabelecido pela lei do Desenrola.

No encontro com o ministro da Fazenda, em São Paulo, o setor bancário sugeriu uma proposta mais ampla, que limitaria o valor dos juros para todos os financiamentos contratados com o cartão de crédito a 100% do valor devido. Por causa da complexidade, a alternativa não será levada adiante nesse primeiro momento.


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