SÃO PAULO, SP, E RIO DA JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - As especificações do chamado 'Enem dos Concursos', divulgadas nesta quarta-feira (10), demonstram mudanças na maneira de buscar novos servidores para o setor público, mas não avançam no desafio de contratar pessoas com mais afinidade para carreiras em governos, segundo especialistas.

Com uma taxa de inscrição abaixo da média de seleções anteriores, que chegaram a R$ 250 em alguns casos, maior flexibilidade na escolha da área de atuação e mais opções de aproveitamento dos aprovados, a disputa por um cargo tende a ser mais inclusiva.

Por outro lado, o concurso não prevê etapas diferentes de avaliação, como entrevistas ou análise de currículo.

Professor de administração pública da USP (Universidade de São Paulo) Fernando de Souza Coelho, integrante do Movimento Pessoas à Frente, afirmou que o novo edital apresenta diversas inovações.

"Uma das principais mudanças é a taxa de inscrição, reduzida significativamente [R$ 60 para nível médio e R$ 90 para superior], tornando o concurso mais acessível. Essa redução é estratégica para atrair candidatos de diferentes perfis, uma vez que as regras de isenção ainda são limitadas."

Além disso, a divisão do concurso em oito blocos, dispostos a partir de áreas do conhecimento, como tecnologia ou ambiente, por exemplo, ataca um dos problemas mais graves do serviço público atual: a falta de afinidade de aprovados com o local que irá trabalhar e a finalidade do trabalho.

"A inclusão de eixos temáticos nos conteúdos das provas também reflete uma preocupação em abordar questões transversais, como políticas públicas, que perpassam todos os blocos. Isso mostra uma mudança na abordagem dos concursos, valorizando conhecimentos mais amplos."

Para Cibele Franzese, professora de administração pública da FGV-SP, o novo concurso simplifica o processo para quem quer entrar no setor público.

Em vez de aguardar por uma vaga específica em sua área, o candidato terá uma lista mais ampla de opções para escolher.

A seleção permanece a mesma, ainda que o concurso apresente mudanças positivas para o recrutamento. Ela diz que faltam novas etapas, como entrevistas e análise de currículo, que ajudariam a detectar melhor a vocação do candidato para o serviço público, algo difícil de avaliar em uma prova feita em um único dia.

"Um candidato que teve tempo para ler as apostilas e estudar o que cai em concurso tem mais chance de passar do que aquela pessoa com vocação ou experiência no setor público, porque isso normalmente não é identificado nesses concursos de um dia."

Segundo Cibele, uma avaliação que se restringe ao desempenho na prova pode favorecer concurseiros, que costumam ter mais tempo e recursos para se dedicar aos certames.

"Vai ser um concurso mais diverso, mas, para algumas carreiras, talvez não. O recrutamento foi mais aberto, mas onde não melhorar a diversidade é porque de fato a seleção ainda é muito baseada em conhecimento e acaba excluindo muitas pessoas."

O concurso terá cotas de 20% para candidatos negros e de 5% para pessoas com deficiência. Nas vagas da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), a reserva é de 30% para indígenas.

Para o professor da USP, o impacto desse novo modelo no futuro do serviço público é promissor, pois permite uma seleção mais diversificada e representativa do país, descentralizando os concursos para 220 cidades. Isso pode contribuir para uma burocracia menos concentrada em Brasília e mais alinhada com a realidade nacional.

Para ele, o novo modelo de seleção convida os candidatos a refletirem sobre qual bloco tem maior afinidade com sua formação e carreira.

Uma outra novidade do processo de seleção amplia as possibilidades para os aprovados, que mesmo não sendo convocados para uma vaga efetiva, vão constar de um banco de pessoal para contratos temporários de trabalho.

Segundo Fernando Coelho, é uma medida interessante para suprir necessidades imediatas de mão de obra, questão crônica no poder público.


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