SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Das 74 companhias que estrearam na Bolsa brasileira desde 2018, somente 16 delas, ou seja 21,6%, tiveram um desempenho positivo em relação ao seu preço fixado no IPO (oferta pública inicial, na sigla em inglês), segundo levantamento da Seneca Evercore.

Entre as que lideram em alta estão a construtora Cury, a empresa de tratamento de resíduos Orizon, a varejista de moda Track&Field, o operador de logística portuária e marítima Wilson Sons e a varejista de joias Vivara.

Já entre as que puxaram as maiores quedas desde o IPO estão a companhia de móveis Mobly, a plataforma de investidores TC, a empresa de programas de fidelidade Dotz, a rede de depilação a laser Espaçolaser e a companhia de logística Sequoia.

Alguns fatores ajudam a explicar a estatística levantada pela Seneca e um dele é o fato de a última grande janela de oportunidades para os IPOs no país ter ocorrido entre 2020 e 2021, em um momento de juros baixos que embalou o mercado de capitais.

Do total de empresas que abriram capital nos últimos cinco anos, 68 delas (92%) foram entre 2020 e 2021.

E os setores que dominaram os IPOs no período são justamente aqueles que são beneficiados pelos juros mais baixos: varejo, com 14 empresas do setor abrindo capital; tecnologia (também 14); e construção civil (11).

Passado o período de otimismo na Bolsa, esses setores foram alguns dos principais prejudicados entre 2022 e 2023, e isso se refletiu nos preços das ações. Lembrando que nos últimos dois anos o Brasil passou por uma seca completa de IPOs e nenhuma empresa abriu capital.

"A gente sempre tem de lembrar que não só as companhias que abriram capital, mas a Bolsa toda, lá no ano de 2020 e 2021, estava em outro cenário de taxa de juros. O juro no Brasil era 2%, o juro americano era zero. Na hora que o juro sobe, todos os preços das ações caem", diz Felipe Thut, diretor-geral do Bradesco BBI.

Thut afirma que é preciso também olhar caso a caso para entender o motivo de o preço da ação estar mais baixo hoje do que na época do IPO. Mas reforça a situação atípica da Bolsa nesse período, marcado pelos efeitos da pandemia da Covid-19 nas economias.

No início da pandemia, com as medidas sanitárias de isolamento, a atividade econômica foi afetada e a inflação caiu, por isso os juros ficaram baixos. Isso aumentou o apetite por risco dos investidores, que migraram boa parte de suas aplicações de títulos de renda fixa para ativos mais arriscados.

Com a retomada da economia dessincronizada no mundo, aumentou a demanda, mas a oferta ficou comprometida pelo descompasso na cadeia produtiva global.

A resposta dos bancos centrais a uma inflação histórica em muitos países afetou em cheio o mercado de capitais pelo mundo, que está retomando tração agora, com o início ou expectativas de início do ciclo de queda dos juros básicos em diversas economias.

"A gente demorou para bater o recorde da Bolsa lá do meio de 2021. Isso só foi acontecer agora em dezembro de 2023. Se você pensar ainda nos juros acumulados, ou reajustar esse número pela inflação, a gente ainda não bateu aquele nível da Bolsa do meio de 2021", diz Thut.

O estudo da Seneca Evercore separou as empresas que fizeram IPO desde 2018 em quatro grupos, de acordo com o crescimento da receita e do lucro líquido de cada uma delas. Nos grupos 1 e 2, há 18 companhias, e nos grupos 3 e 4, 19 empresas.

Justamente as ações das companhias do grupo 1, que tiveram o melhor desempenho no período analisado, são as que estão com um valor de ação melhor hoje do que quando estrearam na Bolsa.

Nesse grupo, há uma maior presença de companhias de setores ligados a commodities e materiais básicos, as que entregaram melhor desempenho em seus balanços. Muitas companhias desses setores foram beneficiadas pela alta de preços internacionais de commodities.

Já no grupo 4, no qual estão as empresas com o pior desempenho de receita e lucro líquido, observa-se maior presença dos setores de tecnologia, varejo e construção civil.

Daniel Wainstein, sócio sênior da Seneca Evercore, diz que, para além dos desafios macroeconômicos, boa parte das empresas que abriu capital no Brasil não estava preparada para entrar na Bolsa.

Ele cita como exemplo o próprio estudo da Seneca, que mostrou que, das 74 empresas que fizeram IPOs desde 2018 e seguem listadas, apenas 13 tiveram desempenho acima do Ibovespa. "Então, não dá para culpar só o mercado, porque elas foram pior que o mercado", afirma.

Wainstein diz que há uma expectativa de que uma nova janela de oportunidade de IPO seja aberta no segundo semestre deste ano, mas as empresas precisam analisar se estão preparadas para se tornar públicas.

"Este é o momento em que as empresas estão começando a fazer os prospectos com a expectativa de fazer o IPO. E eu convido os empresários a refletir nesses números e pensar: será que eu sou uma dessas 16 companhias [que subiram após o IPO]?", questiona.

Wainstein diz que muitas empresas querem aproveitar as janelas de oportunidades no mercado de capitais brasileiro, que são periódicas, e acabam não entrando maduras na Bolsa. E isso acaba prejudicando o próprio empresário e os acionistas.

Até ter robustez para abrir capital, Wainstein afirma que há três alternativas para as companhias levantarem capital. Em primeiro lugar, crescer com o próprio caixa da empresa. Segundo é trazer um sócio de um fundo de private equity, porque ele coloca dinheiro na companhia e se mantém ali, diferentemente da especulação dos acionistas.

"É o famoso #tamojunto. Se a empresa vai bem, ele vai bem. Se vai mal, ele está com você", diz.

E uma terceira alternativa é tomar crédito, como em operações que convertem a dívida potencialmente em ações da companhia. "Hoje há uma série de alternativas de dívidas que não é a dívida de curto prazo. A dívida bancária padrão não é a melhor forma de a empresa fazer um investimento", afirma.

Segundo outro levantamento da Seneca, desde 2018, a participação do crédito bancário no mundo corporativo diminuiu de 70% para os atuais 56%. Essa queda foi acompanhada do grande crescimento de opções de dívidas no mercado de capitais, como debêntures e securitizações.

Em 2018, por exemplo, essas alternativas representavam 30% do mercado de crédito corporativo privado, e em 2023 configuraram 45%.

"Isso reforça a tese de um mercado mais diversificado e com opções para o empresário", diz Wainstein.


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