SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em seu discurso de abertura do 1º encontro de ministros e presidentes de Bancos Centrais do G20 nesta quarta-feira (28), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) teceu críticas aos super-ricos, citando flexibilização das leis trabalhistas e evasão fiscal.

"Chegamos a uma situação insustentável, em que os 1% mais ricos detêm 43% dos ativos financeiros mundiais e emitem a mesma quantidade de carbono que os dois terços mais pobres da humanidade", afirmou Haddad via videochamada ?o ministro está isolado em sua residência, em São Paulo, após receber diagnóstico positivo para Covid-19.

Segundo o ministro, a globalização e as crises econômicas causaram piora das condições de trabalho, a hiper-financeirização e um complexo sistema offshore para evasão tributária dos super-ricos.

"Ao mesmo tempo em que milhões saíram da pobreza, especialmente na Ásia, houve substancial aumento de desigualdades de renda e riqueza em diversos países", disse o ministro.

Em sua fala, que durou dez minutos, ele disse ainda que o mundo tem lutado para redefinir os contornos de uma nova globalização, com a crise climática e a pobreza no centro das atenções.

"Os países mais pobres devem arcar com custos ambientais e econômicos crescentes, ao mesmo tempo que veem suas exportações ameaçadas por uma crescente onda protecionista, bem como uma parcela significativa das suas receitas comprometidas pelo serviço da dívida, em um cenário de juros elevados pós-pandemia", disse Haddad.

Segundo o presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, políticas macroeconômicas, fiscais e monetárias sólidas e "bem calibradas" são fundamentais nesse sentido, já que contribuem para a redução da desigualdade.

"Existem muitas evidências que sustentam que a inflação tem um impacto negativo nos níveis de pobreza. Prejudica desproporcionalmente os mais vulneráveis, aprofundando as lacunas e desigualdades sociais existentes", afirmou Campos Neto.

De acordo com o presidente do BC, a dívida soberana global atingiu níveis elevados após a pandemia, com um custo igualmente alto, o que gera menos liquidez para os mercados emergentes e países de baixo rendimento.

Após as falas de abertura das autoridades brasileiras, a palavra foi passada à delegação americana, com Janet Yellen (secretária do Tesouro) e Jerome Powell (presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA).

Depois das considerações iniciais das delegações, o G20 irá debater estratégias para integrar a análise de desigualdades como uma preocupação fundamental de políticas macroeconômicas, disse Haddad.

"Acreditamos que a desigualdade não deve ser apenas tratada como uma preocupação social, um mero corolário da política econômica" afirmou o ministro.

"Nossa proposta é centrar a desigualdade como uma variável fundamental para a análise de políticas econômicas. Queremos desenvolver as ferramentas analíticas mais adequadas para isso, nos beneficiando de pesquisas recentes de economistas e outros cientistas sociais, que têm dado importantes contribuições ao tema."

Em seguida, o presidente do BC brasileiro Roberto Campos Neto coordenará os debates sobre a atual conjuntura macroeconômica e estabilidade financeira internacional.

Na quinta-feira (28), último dia do encontro, o G20 irá abordar a tributação progressiva na parte da manhã, abordando as negociações em andamento na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e na ONU (Organização das Nações Unidas), sobre tributação mínima global.

"Precisamos admitir que ainda precisamos fazer com que os bilionários do mundo paguem sua justa contribuição em impostos", disse Haddad.

O último debate, na quinta, será sobre dívida e desenvolvimento sustentável, de modo a abordar o alto endividamento dos países e a necessidade de investimentos para a transição energética.

Em 1º de dezembro de 2023, o Brasil assumiu a presidência do G20 e definiu como temas centrais da sua gestão o combate à pobreza e à desigualdade, o financiamento efetivo ao desenvolvimento sustentável, reformas da governança e da tributação globais, a cooperação global para transformação ecológica e o o endividamento crônico dos países.

O QUE É O G20?

É a abreviação de Grupo dos 20, que reúne os países com as maiores economias do mundo. Os Estados-membros se encontram anualmente para discutir iniciativas econômicas, políticas e sociais. O grupo se define como o principal fórum de cooperação econômica internacional, com "papel importante na formação e no fortalecimento da arquitetura e da governança global em todas as principais questões econômicas internacionais".

QUAIS PAÍSES INTEGRAM O GRUPO?

O grupo é formado por 19 países e dois blocos econômicos. São eles Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Coreia do Sul, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido, Estados Unidos, União Europeia e União Africana (que participa pela primeira vez, depois de entrar no grupo em 2023).

Números divulgados pela própria organização afirmam que, juntas, as nações representam cerca de 85% do PIB global, mais de 75% do comércio mundial e quase dois terços de toda a população.

COMO SURGIU?

O G20 foi fundado em 1999, após uma crise financeira na Ásia. O objetivo inicial do fórum era reunir ministros da Economia e presidentes de bancos centrais dos países-membros para discutir questões econômicas.

A partir de 2008, diante do crescimento da importância dos países emergentes na economia global e após a crise financeira global, as reuniões passaram a contar com a presença de chefes de Estado. Os temas também se tornaram mais amplos, incluindo tópicos como desenvolvimento sustentável, saúde, agricultura, energia e meio ambiente.

COMO FUNCIONA O GRUPO?

A presidência do G20 é rotativa, e a cada ano um país-membro diferente é escolhido para liderar o grupo. O país em questão fica responsável por formular a agenda do grupo no período e serve de anfitrião para a cúpula do evento naquele ano, recebendo não só representantes dos demais integrantes do bloco como também os de nações convidadas. Por fim, o presidente do grupo define quais serão os temas debatido durante o encontro.

O Brasil o recebeu da Índia a presidência do grupo em 1º de dezembro de 2023 e o chefiará por um ano, quando passará o bastão para a África do Sul.

QUAIS TEMAS SERÃO DEBATIDOS?

O Brasil elencou três temas prioritários a serem debatidos sob sua presidência: combate à fome, pobreza e desigualdade; desenvolvimento sustentável e reforma da governança global.

COMO OCORREM OS DEBATES?

Estão previstas 130 reuniões virtuais e presenciais dos grupos de trabalho e forças-tarefas que compõem o G20. As discussões são divididas em duas "trilhas": Sherpas e Finanças.

A Trilha Sherpa, cujo nome faz referência a uma etnia nepalesa que guia alpinistas ao cume do Monte Everest, é composta por emissários pessoais dos líderes do G20, que supervisionam as negociações, discutem os pontos que formam a agenda da cúpula e coordenam a maior parte do trabalho.

O coordenador desta trilha, indicado pelo presidente Lula, é o embaixador Maurício Lyrio, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty.

A trilha de Finanças trata de assuntos macroeconômicos estratégicos e é comandada pelos ministros das Finanças e presidentes dos Bancos Centrais dos países-membros. A coordenadora da Trilha de Finanças é a economista e diplomata Tatiana Rosito, secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.

QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS REUNIÕES?

O principal encontro é a Cúpula do G20, que tem como objetivo reunir todos os chefes de Estado do grupo. Ela está marcada para os dias 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro. A previsão é que ela ocorra no MAM (Museu de Arte Moderna).

A reunião de chanceleres, marcada para esta semana, é a primeira de nível ministerial sob a presidência do Brasil. Ela ocorrerá na Marina da Glória. A próxima ocorrerá na semana que vem, reunindo ministros da Fazenda (e pastas equivalentes) e presidentes dos Bancos Centrais dos países-membros em São Paulo.

Estão previstas outras 19 reuniões ministeriais antes da Cúpula de chefes de Estado. Elas ocorrerão majoritariamente no Rio de Janeiro, mas também, e São Paulo, Brasília, Fortaleza, Belém, Maceió, Salvador, Cuiabá, Manaus, Foz do Iguaçu e Washington (Estados Unidos).


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