Ailton Alves Ailton Alves 21/9/2009

Na volta do barco...

Tupi como um destróier entrando em campoTem dias em que a gente se sente. Não como quem já partiu ou morreu – como diz a canção do Chico, que fala muito e bem desta gangorra que é a vida. E nem mesmo como quem veio, viu e venceu. Apenas se sente. O tal. Como um ser especial, que viu e viveu algo extraordinário, cada vez mais destinado, nos dias de hoje, aos estádios de futebol.

Quando o Macaé marcou aquele segundo gol — e foi como uma crônica mais anunciada que a morte de Santiago Nasar, pois todos sabiam que o adversário chutaria e chutaria bem — houve um estupor coletivo, talvez só parecido, para os Carijós, com aquele gol de Ghiggia, que derrotou a seleção brasileira, na final da Copa de 50.

Dirão todos, os meus parcos leitores, que estou a exagerar. O gol de Ghiggia, todos sabem, calou o Maracanã lotado, uma nação inteira e impregnou na alma brasileira um complexo de inferioridade futebolística só superado oito anos depois, com o surgimento de Pelé e Garrincha. Mas, em verdade, vos digo: foi pior, esse chute do anônimo jogador da terra do petróleo, pois fazia tempo que a gente cultivava um sonho, que pareceu desfeito quando a bola estufou as redes Carijós.

Éramos poucos, muito poucos, mas tivemos a mesma reação que tiveram milhares naquele fatídico 16 de julho de 1950: começamos a gritar, a pedir e implorar que nossos jogadores retomassem o rumo da história.

Porém, aos poucos, os gritos foram amainando. Menos por acharmos desnecessários, mais porque o primeiro tempo se foi.

Nunca vi, em anos de arquibancada, um silêncio tão pesado durante um intervalo de uma partida de futebol. E tampouco tamanho egoísmo: ninguém quis dividir com ninguém suas impressões pessoais sobre o jogo. Ficamos, cada um, no seu canto ruminando coisas que pareciam inconfessáveis.

Da minha parte pensei — e revelo agora — na volta do barco. É uma imagem recorrente, na música, no cinema e na vida. Quando se vai a Galiléia, por exemplo, só quando pegamos a balsa de volta é que a gente sente o que deixou de sentir.

Mas, talvez, isso não tenha nada a ver com futebol, embora o Tupi tenha voltado a campo não como um barco, mas sim como um destróier, pronto para bombardear insistentemente a meta inimiga.

Nunca vi – no Estádio Municipal Mário Helênio, no Salles de Oliveira, na Avenida ou em terras longe das de um juiz de fora – o Tupi jogar tão bem como jogou naqueles 30 minutos, daquele segundo tempo. Tão bem que destruiu a lógica mais elementar do futebol, a da imprevisibilidade. Todos, exatamente todos, até as hostes inimigas, sabiam e davam como certo que o Galo conseguiria o improvável: fazer três gols, virar o placar, vencer a partida.

No próximo domingo, o Galo joga a decisão em Campos dos Goytacazes. Contra o mesmo Macaé. Por volta das 19h, estará acontecendo de novo: a volta do barco. Acredito que ganha. Mas se acontecer um fracasso, mesmo assim, mil duzentos e poucos juizforanos vão poder dizer a seus netos, quando esses virem pela TV uma partida espetacular: “Sim, foi um bom jogo, mas em setembro de 2009, o Tupi perdia por 2 a 0 e ....”



Ailton Alves   é jornalista e cronista esportivo
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