O rio corre para o mar

Por

Ailton Alves 24/8/2009

O rio corre para o mar

Por vários momentos, no último sábado, praguejamos contra aquilo que aprendemos bem cedo nas aulas de Geografia. Duvidamos daquilo que nossos pais e avós nos diziam com frequência, com um misto de obviedade e sabedoria: algo sobre uma lei imutável da natureza.

Primeiro, fazia um frio dos demônios, como se não estivéssemos à beira da primavera. Ainda calhou de, na metade do segundo tempo, cair uma chuva fininha que, como dizia Dorival Caymmi, piora, e muito, a situação.

Mas, pensando bem, isso é o de menos. Nós, os Carijós, estamos acostumados com o gelo, em campo e na pele. O pior é não conseguir seguir com tranquilidade o preceito clássico de que, sim, o rio corre para o mar. Conosco, o rio é sempre barrento (como o das Velhas e ou das Mortes) e o mar sempre está muito distante. E, parece, em todas as situações, superdimensionamos a pororoca que se dá no encontro das águas doces com as salgadas. Enfim, somos parecidos com aquele personagem de Fassbinder, que vivia a dizer, como um louco, nas praças de Berlim pré-nazismo: “Tome cuidado com um golpe de martelo, pois ele pode machucar a alma”.

No sábado, por volta das 17h15, quando os refletores começaram a acender, dando ao Mário Helênio aquela aura mágica (o nosso estádio ao cair da tarde é insuperável em matéria de beleza), já havíamos levado duas marteladas na alma. Mil vezes mais doloridas porque foram causadas por falhas no sistema defensivo, principalmente do nosso arqueiro, que achávamos inexpugnável. A primeira bola, apesar de cabeceada a queima-roupa, escorreu-lhe entre os dedos; a segunda ficou sobrevoando a pequena área - sem que o goleiro desse um tapa na bola, sossegasse a pelota, afastasse o perigo – até que um pé baiano a empurrasse para as redes, fazendo 2 a 1 para os adversários.

Tudo parecia, então, perdido (os Carijós somos, antes de tudo, uns pessimistas). Tínhamos cerca de 40 minutos, contando com os possíveis acréscimos, para virar a partida. E começamos a fazer contas, olhar o relógio, girar os minutos para trás, numa confusão mental de dar dó. A única certeza era de que o gol do empate tinha que vir rápido, antes de sentirmos totalmente o golpe (do tal martelo). Antes mesmo do garoto do placar ajeitar-se no canto do estádio a ele destinado.

E veio, o gol de empate, quatro minutos (que pareceram quatro séculos) depois.

Mas, ainda era pouco. Diante das circunstâncias um riacho, no máximo uma cachoeira. Nada que pudesse levar ao mar.

E foram precisos mais 23 minutos (que pareceram 23 anos – toda uma vida) para que avistássemos de novo a ponta de areia. Vinda do escanteio, a bola parecia segura na mão do goleiro. Disseram, os homens de pouca fé, que ele, o arqueiro adversário, falhou no lance. Nada disso. Ele, na verdade, não suportou o peso da pelota, soprada com toda a força de um vento marinho pelos presentes no estádio, em direção ao gol.

Era o bastante. Nós, os Carijós, estamos acostumados a nos contentar com pouco, o mínimo possível. Porém, foi sintomático que o quarto gol, o do alívio, tenha surgido depois que o zagueiro baiano não controlou uma bola que parecia serpentear (como os rios costumam serpentear) em seus pés. Um Rafael lhe tomou a pelota e cruzou; o outro Rafael demorou uma eternidade para completar a jogada (como se estivesse lutando contra a correnteza). Venceu essa luta contra as águas, e deixou-nos a 8 jogos e 68 dias de vermos o nosso rio chegar ao mar.


Ailton Alves   é jornalista e cronista esportivo
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