Estudantes da UFJF fazem foto-campanha contra o racismo

Jovens pretendem mobilizar discussões em torno de frases preconceituosas incutidas no dia a dia dentro da Universidade

Angeliza Lopes
Repórter
6/05/2015

Algumas frases passam despercebidas sem serem notadas como expressões racistas, mas, até mesmo, no meio acadêmico é comum ouvir 'Mas você não é negra! Você é Moreninha!' ou 'Prefiro mina de pele clarinha mesmo!'. Servindo como um desabafo, estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) se reuniram para divulgar a campanha "Ah branco dá um tempo", popularizada nas redes sociais e que teve início na Universidade de Brasília (UnB). A partir de uma foto-campanha os estudantes das universidades falam, por meio de frases, sobre situações preconceituosas que vivenciam cotidianamente no ambiente acadêmico. A ação foi uma adaptação do projeto da Universidade de Harvard chamada "Eu também sou Harvard", que tinha como objetivo destacar as experiências de estudantes negros no campus de Harvard, nos Estados Unidos.

A denúncia é feita de forma simples: compartilhando fotografias de estudantes junto com frases ouvidas por eles diariamente. Para divulgá-las foi criado uma página no site de mídia social Tumblr, com a hashtag #ahbrancodaumtempoufjf. Mestre em História e estudante de pedagogia, Vanessa Lourenço, conta que a ideia surgiu da adaptação abrasileirada feita pela estudante da UnB Lorena Monique, que criou o primeiro Tumblr #ahbrancodaumtempo, que já alcançou 10 mil visualizações e dois mil compartilhamentos. Em parceria com a graduanda de Comunicação Social, Paula Duarte, a dupla entrou em contato com a organização da UnB e chegaram no acordo de difundir a ideia para todas as universidades interessadas, com uma ação nacional, no próximo dia 13 de maio.

A data é simbólica e lembra a sanção da Lei Áurea que aboliu a escravatura no Brasil, e para chamar a atenção, integrantes da foto-campanha farão uma ação contra o racismo na porta do Restaurante Popular, no campus da UFJF, durante o almoço e o jantar. Paula explica que os estudantes que estiverem nas filas do RU serão convidados a escreverem novas frases e posarem para as fotos. Também serão expostas as frases utilizadas anteriormente. "Antes do grande movimento, publicamos a proposta no Facebook chamando os interessados em participar das fotos. Não imaginávamos que conseguiríamos tantas pessoas. Escutamos histórias que chocam, como perguntar para um graduando negro se ele sabe ler", destaca Paula Duarte. Os primeiros eventos de fotos reuniram tantos interessados, que a iniciativa se tornou um coletivo.

Nas redes sociais, o movimento tem chamada de evento no Facebook pela Universidade de Brasília com o tema #BlackRevolution nas Universidades. A organização pede aos participantes que escrevam uma frase que está cansado de ouvir, tire uma foto e, em seguida, poste nas redes sociais com a hashtag #AhBrancoDaUmTempo #13deMaio. Ao final da campanha as melhores fotos serão adicionadas no Tumblr AhBrancoDáUmTempo e novo site do projeto. As imagens mais criativas serão premiadas.

Racismo na pele

O coordenador do Núcleo de Estudos Afro Brasileiros (NEAB), Julvan Moreira, explica que a inclusão de negros dentro das Universidades só começou há 10 anos e movimentos como esse são comuns e importantes para trazer à tona assuntos de racismo que estão incutidos na sociedade. Vanessa acredita que o projeto vem mostrar, de forma clara, a falta da 'democracia racial' no país. "Acredito que o racismo dentro da nossa universidade acontece da mesma forma que em nossa sociedade. De forma velada e indireta. Ninguém bota o dedo na sua cara e fala que você não pode isso ou aquilo por conta da sua cor. Mas usam de brincadeira ou fazem uso de comentários de forte cunho preconceituoso e racista. Não temos que deixar isso se torne uma coisa normal e banalizada", esclarece.

Pesquisa de 2003 sobre retratos das desigualdades gênero e raça no Brasil, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que a entrada precoce de crianças e jovens no mundo do trabalho e a consequente necessidade de conciliar trabalho e estudo, leva não só a uma taxa de abandono escolar mais elevada entre os negros, mas também a piores performances no sistema educacional, que, somadas às manifestações racistas que permeiam a sociedade, acabam desestimulando os jovens negros a permanecerem na escola e os coloca em situação de desvantagem perante seus colegas brancos. Além disso, entre os 10% mais pobres da população, 64,6% eram negras, o que mostra a desigualdade histórica que a população negra vive no país.

Para minimizar este problema, as cotas raciais foram somadas aos critérios de seleção nas universidades, mas devido à polêmicas, cada instituição pode se posicionar em adotar ou não a norma. Já a lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto de 2012, obriga a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos.

A tese de doutorado defendida este ano por Antonio Fernando de Castro Beraldo, com o título: Política de Cotas na Universidade Federal de Juiz de Fora (2006-2012): Eficácia e Eficiência, pelo programa de pós-graduação em Ciências Sociais da UFJF, mostra que no período 2006/2012 cerca dos 16,6 mil candidatos que ingressaram na Universidade Federal de Juiz de Fora, com vagas divididas para cotistas A (autodeclarados negros, vindos de escola pública), B (vindos de escolas públicas) e C (não cotistas), 1.170 eram cotistas A, que se autodeclararam negros.

Em sua conclusão, Beraldo avalia que comparando os resultados com o que foi estipulado pela administração da universidade em 2005, não foi atingido o esperado. Os percentuais de cotistas A (egressos de escolas públicas, autodeclarados negros) se estabilizaram, no final do período, em torno de, no máximo, 10%, quando deveriam ser 12,5%. Já em uma análise geral, dos 50% de vagas para cotas, 40% foram realmente ocupadas por cotistas, sem preenchidas por candidatos do grupo C. "Entre cotistas, vendo que não haveria condição para permanecerem na universidade, se evadiram, como é o caso de 46,5% dos ingressantes no BI de Exatas, que abandonaram o curso", destaca. Toda análise de evasão se baseia na rasa preparação no Ensino Médio, com baixos índices, principalmente, vistos nos resultados do ENEM. Por isso, para o pesquisador os desafios estão na preparação desses alunos e da própria instituição para recebê-los com novas técnicas de ensino adaptadas as condições, para esta nova realidade de inserção amplificada.

Exemplos

Paula conta que entre as estudantes, por exemplo, critérios de beleza são associações racistas muito comuns, como falar do cabelo crespo ou traços 'mais finos'. Moreira explica que devido toda a carga histórica de miscigenação no Brasil, o racismo está associado a cor da pele e não etnia, diferente dos Estados Unidos, que esta diferenciação é bem explícita. "O próprio tratamento ideológico sobre o assunto na nossa sociedade enfraqueceu a luta. Simbolicamente a cor negra se tornou algo negativo, tornando-se comum piadas e expressões racistas o dia a dia das pessoas."

A frase do início da matéria, "não sou negra, sou moreninha" escrito pela própria organizadora mostra a dificuldade da sociedade associar a pele a algo positivo. "Isso nada mais é que uma forma "simpática" de dizer que sou quase branca, não preciso me igualar às minhas origens. Que sorte a que eu tive de ter uma mãe branca, para não ficar tão negra como meu pai. Talvez devesse agradecer por poder me chamar de "moreninha"", conclui a professora Vanessa.


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