SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "O ideal seria não ter cabeçadas no futebol."
Uma das maiores autoridades brasileiras no assunto, o neurologista do Hospital das Clínicas e livre docente em neurologia pela USP (Universidade de São Paulo) Renato Anghinah sabe ser essa uma opinião radical. Mas percebe também que o esporte caminha para a discussão sobre o impacto dos choques de cabeças durante as partidas. Principalmente entre os mais jovens.
Esse debate se tornou mais forte nos últimos dois meses. Em julho, a Federação Inglesa proibiu cabeçadas em jogos de crianças menores de 12 anos. No início deste mês, a Ifab (International Football Association Board) anunciou a aprovação de um período de estudos para que seja marcada uma falta em dois lances a cada vez que um garoto ou garota dessa faixa etária cabecear a bola.
Segundo a entidade que regulamenta as regras do futebol, chegou-se a pensar em faltas diretas ou, em caso de lances dentro da área, pênalti. Mas isso foi considerado uma pena muito severa.
A preocupação é que repetidas batidas de cabeça, ainda mais em crianças com o corpo ainda em formação, possam ter como consequência problemas neurológicos futuros.
"Está comprovado que jogadores de futebol são 3,5 vezes mais propensos a ter demência do que a população em geral. A probabilidade de Alzheimer é cinco vezes mais alta. Doenças motoras são quatro vezes mais prováveis", afirma William Stewart, professor do Instituto de Neurociência e Psicologia da Universidade de Glasgow, na Escócia, e responsável por algumas das principais pesquisas sobre o tema.
A experiência ainda será aplicada em campeonatos de base, como é de praxe cada vez que a Ifab deseja testar uma alteração de regra no esporte. Mas isso pode ser o início do debate sobre o assunto pela quantidade de ex-jogadores que sofrem, após o fim da carreira, com demência.
No Brasil, o caso que se tornou mais conhecido foi o de Bellini, capitão do título na Copa do Mundo de 1958. Ele morreu em 2014 após ter recebido diagnóstico de Alzheimer. Exame póstumo mostrou que ele sofria, na verdade, de ETC (encefalopatia traumática crônica), doença associada a repetidos choques com a cabeça.
Nos Estados Unidos, associações de pais fizeram exigências que jovens fossem proibidos de cabecear.
"Essa preocupação aumenta quando os jogadores são crianças porque seu corpo, seu cérebro e suas habilidades motoras estão em desenvolvimento, e talvez não tenham força física e experiência suficientes para minimizar os riscos", explica o comunicado da Ifab.
Pode ocorrer de forma lenta, mas o estudo é o início de um movimento. São testes que podem levar à discussão sobre um dos pilares do futebol: os lances de bola aérea.
"O problema não é o ato de cabecear a bola. Cabecear propicia choques. Como o jogo hoje é mais físico, está todo o mundo marcado, quando a bola vai na direção do jogador, quem está atrás e vai perder a jogada sobe e acerta a cabeça do adversário para atrapalhá-lo. Esse tipo de lance tem de ser punido como é o carrinho por trás", defende Anghinah.
A polêmica não é nova e se tornou mais intensa por causa da preocupação da NFL, a liga de futebol americano profissional, com o assunto. As batidas de capacete com capacete passaram a ser consideradas faltas. Os sucessivos casos de ETC fizeram com que proteger a cabeça dos jogadores se tornasse prioridade.
"O futebol poderia fazer muito mais. Os atletas são expostos a centenas de cabeçadas evitáveis. Temos de reduzir esse risco. Que a cabeçada é um problema imediato já está estabelecido", completa Stewart.
Qualquer mudança definitiva precisa ser aprovada em congresso da Ifab, entidade da qual a Fifa faz parte. Não há um prazo para isso ou a expectativa imediata de testes em categorias de idades mais avançadas.
A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) não organiza torneios sub-12. A FPF (Federação Paulista de Futebol) tem os estaduais sub-11 e sub-13. Consultada sobre o assunto pela reportagem, a federação não respondeu até a publicação deste texto.
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