BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O presidente Jair Bolsonaro (PL) deve sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 mantendo as emendas de relator, instrumento usado como moeda de troca nas negociações políticas com o Congresso Nacional.

Com a sanção, o valor reservado às emendas de relator deve ficar em R$ 19,4 bilhões --acima dos R$ 16,5 bilhões previstos para este ano. As cifras superam o orçamento para gastos de manutenção e investimentos de diversos ministérios.

O presidente poderia vetar o dispositivo --inclusive essa foi a recomendação do Ministério da Economia--, mas optou por não comprar briga com as legendas do centrão, que costumam ser contempladas com a verba.

A distribuição desse dinheiro é feita atualmente a partir de acordos políticos conduzidos pela cúpula do Parlamento, principalmente pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Auxiliares do Palácio do Planalto afirmam que, para Lira, o tema é indiscutível.

Na noite desta segunda-feira (8), Bolsonaro buscou se desvincular de qualquer decisão envolvendo as emendas de relator, embora a manutenção do instrumento seja fruto da decisão do presidente de sancionar o dispositivo.

"Eu não tenho nada a ver com orçamento secreto. Sou obrigado a executar o orçamento secreto. Um parlamentar teve essa ideia. Eu vetei, aí voltou e eles derrubaram o veto", disse Bolsonaro, em referência às primeiras investidas do Congresso para instituir as emendas de relator, em 2020 e 2021. A declaração foi dada em entrevista ao podcast Flow.

Desde 2022, porém, a previsão das emendas de relator é incluída na LDO sob a assinatura de Bolsonaro no momento da sanção da lei.

Esse tipo de emenda costuma ser distribuída com base em critérios políticos, privilegiando parlamentares aliados do governo ou próximos à cúpula da Câmara e do Senado. Nomes mais influentes conseguem irrigar seus redutos eleitorais com valores maiores.

A manutenção das emendas de relator contraria a posição do Ministério da Economia, que recomendou veto ao dispositivo, implementado pela primeira vez no Orçamento de 2020.

A visão do time do ministro Paulo Guedes (Economia) é que as emendas de relator dificultam a gestão do Orçamento ao consumirem boa parte da fatia dos recursos que poderiam ser destinados a políticas públicas ou investimentos estruturais.

Politicamente, porém, um veto seria algo delicado para Bolsonaro, que transformou as emendas de relator num alicerce de sua relação com o centrão, bloco de partidos que lhe dá sustentação política nas votações no Legislativo.

Presidente da Câmara, Lira é um dos que controlam a liberação dessa verba a aliados. Ele é também considerado um grande fiador da aprovação de propostas de interesse do governo no Legislativo.

Um veto à manutenção do dispositivo poderia gerar desgaste e colocar Bolsonaro em rota de colisão com os interesses do centrão, num momento em que o presidente colocará a campanha na rua em busca da reeleição.

O tema é considerado algo tão sensível que, geralmente, esses recursos são blindados quando há necessidade de cortes no Orçamento. Neste ano, porém, as despesas obrigatórias tiveram um crescimento significativo, e a equipe econômica precisou bloquear R$ 8 bilhões dessas emendas.

A medida gerou mal-estar, embora interlocutores minimizem as eventuais insatisfações dizendo confiar na aliança com Lira. Mesmo assim, o Palácio do Planalto correu para emitir a sinalização de que trabalha para liberar os recursos logo após as eleições, para não minar os planos de seus aliados.

A intenção do presidente da Câmara é usar parte da verba para consolidar apoio no plenário e garantir sua reeleição ao comando da Casa, independentemente de quem for eleito para a Presidência da República.

Primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem criticado as emendas de relator. Aliados do petista manifestam a intenção de reorganizar as forças políticas no Legislativo para assegurar maior controle sobre o Orçamento, caso Lula seja eleito.

Bolsonaro chegou a vetar duas vezes a criação das emendas de relator, nos Orçamentos de 2020 e 2021, mas em ambos os casos houve forte pressão dos parlamentares. Em um deles, o governo precisou costurar um acordo e aprovar nova lei, cedendo aos congressistas. Em outro, o veto foi derrubado.

Para 2022, o chefe do Executivo decidiu sancionar diretamente a criação das emendas de relator, evitando o desgaste com seus aliados no Congresso. A indicação é de que essa estratégia será repetida para 2023.

As emendas de relator são uma ferramenta criticada por especialistas, que veem baixa transparência, divisão desigual dos recursos e gastos ineficientes. Ações contempladas com essas verbas não necessariamente observam critérios técnicos ou as prioridades dos ministérios.

A aplicação dos recursos já motivou uma série de investigações por suspeitas de mau uso das emendas.

Em um dos casos, o governo destinou R$ 26 milhões de recursos do MEC (Ministério da Educação) para a compra de kits de robótica para escolas de pequenas cidades de Alagoas que sofrem com uma série de deficiências de infraestrutura básica, como falta de salas de aula, de computadores, de internet e até de água encanada.

Cada kit foi adquirido pelas prefeituras por R$ 14 mil, valor muito superior ao praticado no mercado e ao de produtos de ponta de nível internacional, como revelou o jornal Folha de S.Paulo em abril. Os recursos vieram das emendas de relator.

Há quatro meses, a Folha de S.Paulo também mostrou que a estatal de obras Codevasf --que recebeu R$ 3 bilhões dos cofres públicos por meio de emendas parlamentares na gestão Bolsonaro, sendo metade por emendas de relator-- chegou ao fim de 2021 sem comprovar no balanço o valor real das obras que executa. O problema foi identificado em relatório da auditoria independente Russell Bedford.


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