SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - O celular não parou de tocar, os números nas redes sociais dispararam, e o professor Rafael San Vicente dormiu apenas uma hora no dia seguinte a um abraço que ele vai demorar para esquecer. Foi um dia esquisito, e ele precisou cancelar suas aulas para atender jornalistas da Globo, da ESPN, do SporTV, da Band, da RedeTV, do Lance e do UOL Esporte. Todos queriam saber: qual o enredo por trás do abraço que ele ganhou do volante Roni após a vitória do Corinthians sobre o Fluminense na Copa do Brasil, na última quinta-feira?
Trata-se da história de um estudante que nunca esqueceu as lições ensinadas pelo mestre, a história de um jogador do Corinthians que ecoou na memória afetiva de todos que um dia já tiveram um professor. Rafael deu aula de educação física quando Roni tinha entre 10 e 15 anos no colégio Drummond, na Vila Formosa, zona leste de São Paulo.
"Fico feliz quando vejo meus alunos se formarem. Fico feliz quando vejo que eles conquistaram algo, quando vejo que seguiram o sonho deles", disse Rafael, um professor de 37 anos, casado e pai de uma menina de sete e um menino que vai nascer em outubro. No apartamento em que a família mora, a camiseta que o professor ganhou de Roni enfeita a sala de estar ao lado do cartaz que ele levou à Arena. "Roni, fui seu professor. Me dá sua camisa?", escreveu o mestre a canetinha, em um cartaz feito às pressas, nada mais que quatro folhas A4 unidas com fita adesiva.
O volante corintiano, reserva na vitória sobre o Fluminense, reconheceu o professor no meio dos outros 45 mil rostos na arquibancada. Ao final da partida, presenteou Rafael não apenas com a camiseta, mas também com um abraço e algumas palavras de carinho.
"Não achava que ele fosse subir, mas subiu e até levou uma bronca dos seguranças. Ele me agradeceu por estar ali, é tudo o que lembro", contou o professor, que acabou alçado à condição de celebridade instantânea quando a cena foi transmitida ao vivo no SporTV.
O perfil oficial da Copa do Brasil e o do Corinthians repostaram as imagens. Outros torcedores pediram selfies, e o professor foi reconhecido a caminho de casa. Como toda a celebridade, também reuniu alguns haters, gente que achou que a cena havia sido armada, uma forma de autopromoção do jogador. "Nada a ver, nem respondo essas coisas", disse Rafael.
No colégio Drummond, que tem uma parceria com o Corinthians, Rafael deu aula de educação física a outros estudantes bolsistas que mais tarde chegariam aos profissionais do clube, como Guilherme Arana (hoje no Atlético-MG), Malcolm (Zenit) e Andressa Alves (Roma). Era um grupo que fugia de sala para ir à quadra, e se admirava com o passado de Rafael: ele mesmo tinha tentado ser jogador antes de entrar na faculdade e no magistério.
"Eu mostrava fotos de quando joguei, e mesmo eu nunca tendo chegado nem perto de ser profissional, eles gostavam. Quando precisavam de uma nota nas outras disciplinas, eu dava uma força pedindo aquele meio ponto aos outros professores, mostrando que eles eram esforçados e mereciam", conta Rafael.
Depois de anos trabalhando em escolas, o professor se especializou no atendimento particular de crianças e adolescentes com autismo. São alunos com dificuldade de sociabilização que encontram na atividade física e no esporte formas de desenvolver a motricidade e autonomia. Desde quinta, seu Instagram ganhou mais de 1.500 novos seguidores, e muitos deles têm conhecido o trabalho do professor com autistas. "Hoje minha felicidade é quando um aluno consegue subir um degrau quando antes não podia, ou quando consegue equilibrar uma bola."
Seus ex-alunos também parecem guardar boas recordações do professor que falava a linguagem deles, a julgar pelo abraço carinhoso entre Roni e Rafael, uma das imagens memoráveis desta edição da Copa do Brasil. "Ele foi um dos professores mais gente boa, mais resenha na época da escola. É uma profissão que tem de ser valorizada", disse Roni após o jogo.
A valorização do magistério é um mantra muito repetido, mas pouco praticado em um país onde os professores são tratados ainda como profissionais de segunda classe. "Infelizmente é ridículo o salário de um professor, seja na escola pública ou privada, e esse foi um dos motivos para eu ter deixado a sala de aula", disse Rafael. "Mas um dia isso vai melhorar."
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