SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, no início de 2018, o presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, apresentou seus argumentos para defender o fim da tradição no continente. A proposta era fazer com que as finais dos torneios da entidade passassem a ser em jogo único.

"[A decisão em apenas uma partida] Ajuda na questão da segurança, que passa a ser uma responsabilidade da Conmebol e não de uma associação nacional. É boa em todos os aspectos. Os patrocinadores investem mais, o jogo vai gerar muito mais recursos", disse.

Quatro anos depois, dirigentes, ex-jogadores e especialistas em marketing questionam se a medida valeu a pena. Finais, especialmente da Sul-Americana, foram disputadas em estádios vazios. Os preços das viagens se tornaram proibitivos para os torcedores. A Conmebol teve de mudar sedes às pressas mais de uma vez.

Neste sábado (29), Flamengo e Athletico-PR decidem o título da Libertadores em Guayaquil, no Equador.

"A ideia da final única já foi testada, baseada em uma modelo europeu, mas na América do Sul não funciona porque prejudica a experiência do torcedor, que paga caro, não possui uma entrega de qualidade e não fica satisfeito com o custo-benefício, deixando de prestigiar o clube por conta disso", avalia Fábio Wolff, especialista em marketing esportivo.

Domínguez negou que o objetivo da mudança seja copiar a Uefa e tentar transformar a Libertadores na Liga dos Campeões.

"Não é questão de imitar a Uefa, mas perceber que estão fazendo as coisas melhor", completou.

Para ele, era apenas o caminho natural do futebol na América do Sul.

"Se você perguntar para mim o que eu gosto, seriam dois jogos. Final única é aquela que não pode errar. Na parte física e mental, precisa estar no ápice. Não existe margem para erro", diz o zagueiro e atual executivo de futebol Edu Dracena.

Como defensor, ele foi campeão da Libertadores com o Santos em 2011, ainda no sistema de ida e volta. Como dirigente do Palmeiras, participou da primeira decisão em partida única, quando seu time derrotou o mesmo Santos por 1 a 0 no Maracanã, em 2021 -referente ao torneio de 2020.

Voltar atrás não está nos planos imediatos da Conmebol. No modelo atual, a entidade tem contratos de patrocínio para seus torneios até 2026.

Quando surgiu a ideia da final única, houve protestos isolados. O principal argumento era a tradição da Libertadores, disputada desde 1960. Mas a Conmebol bateu na tecla da segurança para reforçar sua tese. Houve invasão no Maracanã, tumulto e episódios de violência no jogo de volta da Sul-Americana de 2017, entre Flamengo e Independiente (ARG).

"Na final única temos controle da segurança. Aquilo [a confusão no Maracanã] foi algo lamentável para o futebol. Quando há uma organização sem rivalidade fica mais fácil. Apenas por um milagre não houve uma tragédia", argumentou semanas depois o diretor de desenvolvimento da entidade, o argentino Gonzalo Belloso.

A Libertadores de 2018 parecia dar razão à Conmebol. O primeiro confronto da definição do título, entre Boca Juniors e River Plate, teve de ser adiado por causa da chuva. O segundo não aconteceu no estádio do River porque o ônibus da equipe visitante foi apedrejado.

Aconselhado pelo presidente da Fifa, Gianni Infantino, e com o financiamento da Qatar Airways, patrocinadora do torneio e da confederação, o jogo ocorreu em Madri, com aspecto e clima de final única. A empresa aérea, subsidiária do fundo soberano do Qatar, controlado pela família real, pagou todos os gastos.

"Foi uma medida com a qual não concordei. Não concordo até hoje. Entendi como se a Conmebol quisesse fazer um teste para o que queria no futuro: a final única", explica o então presidente do River, Rodolfo D'Onofrio.

O novo modelo entrou em vigor em 2019 e desde então, acumulou problemas.

A decisão da Libertadores daquele ano seria em Santiago, no Chile. A cidade foi sacudida por protestos estudantis e a Conmebol levou o confronto entre Flamengo e River Plate para Lima. Meses antes, a capital peruana havia perdido, por instabilidade política, a decisão da Copa Sul-Americana, transferida para Assunção.

Santos e Palmeiras deveriam atuar no Maracanã sem torcida para definir o campeão de 2020, medida tomada devido às restrições causadas pela Covid-19.

Cerca de dois mil torcedores foram ao estádio e os protocolos contra a pandemia acabaram ignorados. A decisão de 2021 teve vários trechos do Centenário, em Montevidéu, vazios, especialmente o reservado para a torcida palmeirense.

As finais da Sul-Americana de 2021 (em Montevidéu), entre Athletico-PR e Red Bull Bragantino, e 2022 (Córdoba), entre São Paulo e Independiente del Valle (EQU), foram disputadas em estádios vazios.

A Conmebol chegou a considerar a possibilidade de mudar a sede da Libertadores deste ano. O Barcelona, dono do estádio em Guayaquil, não havia cumprido as exigências de reformas estruturais para realizar o evento. A troca não aconteceu.

Para a arena com capacidade para 59 mil pessoas, apenas 14 mil ingressos haviam sido vendidos até esta quinta-feira (27). A organização estuda fazer doações para que as arquibancadas não apareçam vazias para quem estiver vendo pela televisão.

A definição da Sul-Americana seria em Brasília. Foi alterada para Córdoba por causa da eleição presidencial brasileira.

"A Libertadores tem características únicas enquanto produto e marca. A paixão alucinada dos torcedores e o espetáculo das arquibancadas perdem muito com a final única. Além disso, malha aérea, rede hoteleira, custos para o torcedor, distâncias, tudo isso influencia e acaba limitando o número de cidades capazes de receber uma decisão desse porte", afirma Armênio Neto, diretor de marketing do Santos quando a equipe conquistou o título de 2011, e especialista em negócios do esporte.

Os preços das passagens para Montevidéu antes da final de 2021 dispararam. Passaram de cerca de R$ 2 mil para até R$ 15 mil. Hotéis de três estrelas divulgaram preços de diárias de R$ 36 mil por noite.

O ingresso mais barato para a partida entre Palmeiras e Flamengo era de US$ 200 (R$ 1.067 pela cotação atual). No mesmo ano, Chelsea e Manchester City fizeram a final inglesa da Champions League. A entrada mais barata era US$ 70 (R$ 373,60).

Diante das críticas, dirigentes da Conmebol responderam que os beneficiados seriam os clubes, que receberiam mais.

A reportagem conversou com dois presidentes de times que estiveram em pelo menos uma final única desde 2019. Eles não veem vantagem financeira porque a premiação já é definida por antecipação. Dois deles enxergam também perda técnica pela imprevisibilidade. Em ida e volta, a tendência, acreditam, é que o time de trabalho melhor estruturado, vença.

Neste ano, o campeão vai receber prêmio de US$ 16 milhões (R$ 85,70 milhões), US$ 1 milhão (R$ 5,36 milhões) a mais do que em 2021.


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