SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O ano era 2000 e o goleiro Marcos sofreu fratura no punho. Sequer tirou o uniforme do Palmeiras e foi para o hospital. Esqueceu de pegar encaminhamento médico. O segurança não o reconheceu (ou era corintiano) e disse que ele teria de aguardar na fila, como todos os outros.
Foi o que o jogador fez. Esperou, esperou e esperou até ser chamado por um enfermeiro que viu estar ali o futuro campeão mundial. Ao lado de Marcos o tempo inteiro estava Sergio Luis de Oliveira, 57. O massagista do Palmeiras e da seleção brasileira se diverte com o episódio.
"Pode perguntar para o Marcão disso... A gente tem cada história!", relembra.
No Brasil que vai ao Qatar para a Copa do Mundo, Serginho é quem dá o atendimento para os jogadores em campo em caso de necessidade durante as partidas. Marcelo Clemines de Araújo, 42, cuida de tudo nos bastidores, além de também colocar a mão na massa para massagear ou cuidar da hidratação dos atletas.
Funcionário da CBF, ele faz o planejamento dos equipamentos que serão necessários para todas as seleções, não apenas a principal. Meses antes do torneio já está pensando nisso. No caso do Mundial, são anos.
"A gente projeta que os atletas vão usar cem garrafas de isotônico e 300 garrafas de água por dia. O volume de material é grande. Vão ser levados 82 baús com 32 quilos cada", explica.
Massagistas podem aparecer pouco, mas veem tudo. Conhecem os jogadores, gozam da intimidade deles nas concentrações, são alvos de brincadeiras e integrantes queridos da delegação.
Isso faz com que saiam em defesa dos boleiros. Se escutam algum amigo ou familiar dizer algo que não é verdade, se ouvem qualquer besteira, saem em defesa dos seus protegidos. Serginho, por exemplo, não aceita nem ouvir falar na fama de "cai-cai" de Neymar. Ele acompanha o camisa 10 da seleção em todas as convocações. Diz saber que ele não é assim.
Ele lembra de um episódio após a classificação do Brasil para a final da Rio-2016. Neymar lhe pediu, de noite, para levar gelo ao seu quarto e começar imediatamente o tratamento após ter sofrido torção no tornozelo.
"Se eu escuto algo ruim sobre qualquer atleta que conheço, não permito. Saio em defesa mesmo", completa.
A importância e o anonimato da dupla fizeram com que protagonizassem campanha de marketing da Gatorade. Nela, não são chamados de massagistas, mas de "hidratadores" por carregarem as garrafas dos patrocinadores da CBF para os jogadores.
Serginho vai para sua segunda Copa do Mundo. Esteve presente na Rússia-2018. Será a estreia de Marcelo, que acompanhou a equipe nas Olimpíadas de Tóquio-2020 e na Copa América de 2019 e 2021.
Eles fazem parte da seleção. Quando contam a história de como chegaram à CBF, não usam palavras como "contratação" ou "início". Falam em "convocação". O pai de Marcelo chorou quando soube que o filho estava no elenco do Brasil.
"Ele disse que foi como o nascimento de mais um filho. É fanático por futebol, vive isso 24 horas por dia", diz.
Marcelo tentou ser jogador. Era lateral nas categorias de base do Elosport, equipe de Capão Bonito, sua cidade natal no interior de São Paulo. Não deu certo. Começou a trabalhar no administrativo do clube até ser chamado para a comissão técnica.
Serginho, nascido em Dracena, também no interior paulista, nunca quis calçar chuteiras. Fazia curso de auxiliar de enfermagem quando viu anúncio para aprender a ser massagista. Resolveu se inscrever.
Ambos têm em comum trabalhos em serralherias no passado e rodagem por diversos clubes. Serginho passou por times de vôlei e futsal antes de chegar ao Palmeiras. Está na seleção desde a primeira convocação pós-Copa de 2014. Luiz Felipe Scolari havia prometido levá-lo para o Mundial no Brasil, mas não cumpriu. A lembrança de que isso evitou que fizesse parte da goleada por 7 a 1 sofrida para a Alemanha arranca gargalhada do massagista.
Mercelo foi "convocado" em 2018 para a seleção sub-20. No final do mesmo ano, chegou à principal. Antes disso, passou por longa lista de times da segunda ou terceira divisão de São Paulo.
Eles sabem mais dos jogadores do que o treinador ou qualquer outro integrante da comissão técnica. Escutam o que têm a dizer quando estão deitados na mesa de massagem. Já testemunharam desabafos, reclamações e criaram relações de confiança. Também conhecem o corpo deles e sabem onde podem massagear com mais força e quem é mais sensível à dor.
"Quando [o convocado] é novo, de olhar a musculatura dá para saber quem dá para a gente apertar mais ou não", afirma Marcelo.
"Acontece de massagear a perna, o atleta reclamar de dor e eu ver que ele tem uma contusão que sequer tinha percebido", completa Serginho.
O que importa para os dois é que chegue logo a viagem para o Qatar. Porque quando questionados sobre o torneio, eles, como se fossem jogadores, falam em "trazer o hexa".
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