DOHA, QATAR (FOLHAPRESS) - Para o torcedor brasileiro, Abraham Klein é o árbitro que não marcou o pênalti de Claudio Gentile na Tragédia do Sarriá, em 1982. A imagem do camisa 10 brasileiro a mostrar a camisa rasgada pelo italiano é uma das mais emblemáticas daquele Mundial.
O jogo em Barcelona, vencido pela Itália por 3 a 2, decretou a eliminação da equipe de Telê Santana. Foi a última aparição de Klein em Copas. Dizer apenas isso é reduzir a história de quem perdeu familiares em campos de concentração alemães na Segunda Guerra Mundial, teve de fugir de seu país natal, foi mais de uma vez boicotado por federações internacionais e dirigiu aquela que é talvez a maior partida da história do futebol.
Klein nasceu em Timisoara, na Romênia, em 1934, parte de uma família judia de origem húngara. Seus pais conseguiram escapar no último momento de serem mandados para Auschwitz, o mais famoso campo de concentração nazista, mas a maioria dos seus parentes não teve a mesma sorte. Ainda criança, fugiu para a Holanda em uma viagem de trem que durou três semanas. Depois de um ano, estabeleceu-se em Israel.
A ligação com o futebol estava no sangue. Seu pai foi jogador profissional. Atuou pelo MTK Budapeste. Ao acompanhar um amigo para uma partida, não havia árbitro, e o garoto Abraham foi convidado a apitar. Gostou da experiência e resolveu fazer curso da federação israelense. Começou a dirigir jogos locais e se tornou internacional seis anos mais tarde.
Ele chamou a atenção dos observadores da Uefa e da Fifa em 1965, em confronto das eliminatórias entre Itália e Polônia, no Estádio Olímpico de Roma. Seu preparo físico fez com que acompanhasse de perto os lances e usasse a lei da vantagem à perfeição. Ele havia pedido a um amigo que lhe mandasse edições do diário italiano La Gazzetta dello Sport. Assim, já sabia de antemão as características de cada jogador.
Foi quando percebeu que precisava saber se comunicar com os atletas. Tornou-se poliglota, fluente em húngaro, romeno, hebreu, alemão, francês, inglês, espanhol e italiano.
A consequência disso foi ser um dos árbitros designados para a Copa do Mundo no México, em 1970. Acabou escalado para a vitória do Brasil sobre a Inglaterra por 1 a 0. Klein confessaria ter ficado tão nervoso antes da partida que colocou as mãos nos bolsos do short para que ninguém notasse sua tremedeira.
Ter a cidadania israelense atrapalharia sua carreira. Ele não foi escolhido para o torneio seguinte, na Alemanha, porque, em 1972, durante as Olimpíadas de Munique, grupo de terroristas palestinos assassinou 11 atletas israelenses. Em 1982, na Espanha, as federações do Kuwait e Argélia tentaram impedir que ele fosse selecionado, sem sucesso. Mas a transmissão de TV não mostrou o nome de Klein antes dos jogos.
Ele também quase não apitou na Espanha por outro motivo. Por retaliação a um atentado contra o embaixador israelense em Londres, o país iniciou operação militar no Líbano. O filho mais velho do árbitro, Amit, foi convocado pelo exército.
Klein estava na Espanha sem saber se seu primogênito estava vivo ou morto. Pediu à Fifa para não ser escalado. Não tinha condições psicológicas para trabalhar. Pouco antes do primeiro jogo, recebeu carta de Amit. Dizia que estava bem e ansioso por ver o pai apitar no Mundial. Ele foi escalado para o Brasil e Itália.
O israelense poderia ter sido o árbitro da final da Copa de 1978, na Argentina. Era o nome mais cotado, mas acabou vetado por ingerências de dirigentes locais. Na primeira fase, comandou Argentina x Itália. Os europeus venceram por 1 a 0 e tiraram dos anfitriões (que reclamaram um pênalti não marcado) o privilégio de jogar todas os jogos em Buenos Aires.
Depois de dirigir Áustria x Alemanha na fase seguinte, Klein era dado como certo na decisão, no Monumental de Nuñez. Em vez disso, foi escalado para a decisão do terceiro lugar, o que o colocou mais uma vez no caminho do Brasil, que derrotou a Itália por 2 a 1.
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