SÃO PAULO, SP (UOL - FOLHAPRESS) - Uma vida difícil e sem perspectivas levou Soda Diop, 62, a deixar o Senegal ao lado do marido Dadiarra Sheik Modibo. Como refugiados, eles desembarcaram no Brasil há 15 anos em busca de novas oportunidades. Conseguiram. Soda começou como faxineira em escolas municipais da cidade de São Paulo, sofreu racismo e preconceito até, finalmente, conseguir realizar o sonho de infância: se tornar uma estilista de sucesso. "Mama África", como ficou conhecida em terras brasileiras por acolher refugiados, vestiu até Elza Soares.
Em sua loja, localizada em uma das galerias do centro da cidade de São Paulo, Soda Diop recebeu a reportagem após o duelo entre Senegal e Holanda, pela primeira rodada da fase de grupos da Copa do Mundo, com um vestido estampado com uma foto do jogador Sadio Mané. Gentilmente, ela deu uma pausa em seus atendimentos para contar sua história.
"Estava muito difícil lá na África e também foi bastante complicado quando chegamos aqui. Eu comecei como faxineira de uma escola municipal através de um programa do ex-prefeito (Gilberto) Kassab, mas a diretora teve problemas comigo lá, não gostava da minha cor. Me mudaram de escola e lá todos me receberam muito bem", contou Soda.
Depois que seu contrato como faxineira acabou, ela passou a vender bijuterias que comprava de chineses no entorno da famosa Rua 25 de Março e, até hoje, é grata ao gesto de um homem brasileiro que a deu R$ 100 por um par de brincos que valiam muito menos. "Rezo por ele todos os dias e queria reencontrá-lo", disse.
Infelizmente, Soda também cruzou com brasileiros que não tiveram a mesma gentileza e sensibilidade daquele homem. "Eu vestia minhas roupas, que são da África, e falavam: 'Ê macumbeira, ê africana', não sentavam ao meu lado no ônibus", conta a senegalesa, que quase deixou de usar suas vestimentas.
O marido que a fez voltar atrás. "Comprei uma calça jeans e uma camiseta e ia sair para trabalhar, até que Dadiarra me chamou. Ele me falou sobre as origens dos brasileiros, falou que muitos têm familiares africanos, inclusive. Falou: 'O Brasil é uma mistura e você tem que mostrar sua cultura'. Mudei de ideia".
No mesmo dia, Soda vestiu a sua roupa e partiu para a rua vender as bijuterias. Certa vez, uma mulher a parou e perguntou onde ela tinha comprado o turbante e a senegalesa teve a ideia de, no dia seguinte, levar um de seus acessórios para vender.
O que causava estranheza em preconceituosos passou a se tornar sucesso. Soda, que sempre sonhou em ser estilista, viu uma oportunidade de negócios e passou a importar tecidos da África para vender roupas típicas em terras brasileiras. Até que foi notada por um angolano que era dono de uma agência e escola de modelos que, inclusive, dá aulas de passarela a refugiados.
"O angolano Maycon Clinton colocou minhas roupas em um desfile e virei famosa", relembrou Soda. A senegalesa já vestiu participantes do reality "A Fazenda", da TV Record, para uma festa temática, estrelou vários desfiles e vestiu a saudosa cantora Elza Soares, que morreu em janeiro deste ano.
No último domingo, inclusive, Mama foi homenageada durante o desfile de Isaac Silva na São Paulo Fashion Week, que celebrou Wakanda Forever, continuação do longa-metragem Pantera Negra. A designer se inspira em Soda e decidiu celebrá-la de forma especial em sua apresentação.
Até o ano passado, Soda vendia as roupas e tecidos em uma calçada próxima à estação República do metrô de São Paulo. Hoje, ela finalmente conquistou a loja física.
POR QUE MAMA?
Soda é conhecida como Mama África, porque desde que vive no Brasil acolhe os refugiados africanos e até brasileiros que não têm onde morar. Se tem um compatriota no hospital e não sabe falar o português ainda, a senegalesa e o marido, o Grand Papa, corriam para ajudar na comunicação com os médicos. Cabe todo mundo no coração de Mama. Ela, inclusive, que organizou a celebração senegalesa para ver o jogo de estreia na Copa, contra a Holanda.
"Isso vem de um coração bom. Eu e minha família na África somos assim. Eu dou carinho para muita gente: pessoas em situação de rua, qualquer um que passe por aqui. É um dom que Deus deu para mim. Não posso nem contar quantos filhos de coração eu tenho", comentou.
Em julho deste ano, seu companheiro morreu. Soda voltou ao Senegal para o funeral do marido e, por quatro meses, os filhos cuidaram da lojinha dela. A estilista retornou ao Brasil na semana passada e teve a certeza de que o país é o seu lar.
"Aqui é minha casa. Eu amo os brasileiros e os brasileiros amam Mama", finalizou.
Nesta terça-feira (29), o Senegal está em campo pela última rodada da fase de grupos em partida decisiva contra o Equador. O duelo que começou às 12h (de Brasília) vale vaga nas oitavas de final da Copa do Mundo.
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