SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Cerca de sessenta pessoas se reuniram na Sociedade Amigos da Dalmácia, a Sada, em São Paulo, para assistir à partida entre Brasil e Croácia, nesta sexta-feira (9). Mesmo dizendo à reportagem que estavam divididos, a maioria se rendeu à glória croata no embate contra o ataque brasileiro, explodindo ao final dos pênaltis.

Na torcida, misturavam-se mantos vermelhos e amarelos. O clima era amistoso: muitos, mesmo trajando xadrez, torciam para ambas as equipes.

Aline Bischoff, 26, estudante e descendente, era uma entre eles: comemoraria o gol independentemente de quem marcasse, mas via o Brasil como favorito. Marisa Cruz, 34, que a acompanhava, não tem raízes no país, mas apaixonou-se por sua cultura e acabou vestindo a camisa croata mesmo diante da decisão contra o Brasil. Ainda assim, disse estar dividida entre as torcidas.

A dona de casa Margarida Franulovich, 78, torcia para ambos, mas pendia para os croatas. Ela nasceu no Brasil, filha de imigrantes, mas morou por dez anos no litoral adriático e casou-se com outro croata. Gosta muito do Brasil, mas criticou a soberba da torcida canarinho.

"Os brasileiros são papudos. Já cantavam vitória antes, diziam que ia ser fácil, mas olha aí!", disse no final do segundo tempo, ainda no 0 a 0 que perdurou por todo o tempo regulamentar.

"Poxa, vocês já foram campeões cinco vezes! Croácia tenta tanto, quase chega, mas nunca ganhou! A Croácia merece", completou Margarida.

Nas jogadas de perigo, ela virava as costas e evitava olhar para o telão. Mas não foram muitos os lances de perigo durante o jogo, e o otimismo crescia entre os torcedores xadrez conforme o tempo passava. O empresário Gabriel Farac, 28, já estava confiante mesmo antes do início: apostou no empate sem gols e comemorou seu acerto depois dos primeiros noventa minutos.

O ator Lucas Zuber, 28, estava na mesma. Mesmo nascido no Brasil, torcia apenas para a Croácia, e já se orgulhava do empate conquistado até o segundo tempo.

A mística iniciada na edição anterior da Copa, na Rússia, se mantinha: a equipe chegou até a final em 2018 levando todas as partidas do mata-mata ao menos até a prorrogação. Contra dinamarqueses e russos, nas oitavas e quartas, venceu nos pênaltis. Derrubaram também a Inglaterra na semifinal, com um gol no tempo extra, dispensando penalidades.

"É a estratégia deles!" bradava o agente censitário Renato Pinheiro, 40. Segundo ele, mesmo cansados, os croatas testavam o físico do time brasileiro para levar o jogo aos pênaltis, algo confirmado pelo goleiro após a partida. Vestido com uma camisa do Brasil, entoava cantos da torcida e nada tinha a ver com os croatas, senão por sua amizade com o jornalista Boris Franulovich, 36.

Boris era um dos confiantes, mas sentiu o baque quando Neymar marcou o primeiro gol, nos acréscimos do primeiro tempo da prorrogação. Ainda assim, dizia estar feliz com a luta de sua seleção para segurar o ataque brasileiro.

A Croácia tem 3,8 milhões de habitantes. Para efeito de comparação, a zona leste paulistana tem 3,9 milhões. Os brasileiros, por sua vez, são 215 milhões, segundo projeção do IBGE.

"Somos como um bairro de uma cidade brasileira", disse Zlatko Dalic, 56, técnico da equipe.

Apesar de contar com uma população pequena e ser um país jovem, declarado independente da antiga Iugoslávia em 1991, a Croácia descolou bons resultados em Copas: na sua primeira, em 1998, conquistou a terceira colocação. Vinte anos depois, na última edição, bateu na trave e ficou com o vice.

E a mística não falhou desta vez: no final do segundo tempo da prorrogação, Petkovic marcou com chute desviado na perna de Marquinhos, empatando em 1 a 1 e levando a partida para os pênaltis. Por 4 a 2, o discreto --exceto pelo xadrez-- país do leste europeu derrubou o Brasil, um dos favoritos ao título.

O centro croata na Mooca explodiu em comemoração. Mesmo que dividida, a paixão da torcida pela luta croata era visível. Entre as cobranças e a classificação, o salão gritava o nome do país em sua língua nativa: "Hrvatska!".

Margarida lembrou que Modric, o craque da seleção, teve uma vida difícil.

"Sinto dó, ele viveu a guerra, passou por muita dor. Merece muito vencer, é uma pessoa boa". O jogador perdeu o avô durante o conflito, quando o país lutava por sua independência, nos anos 90.

Ele até comparou a vitória sobre o Brasil à independência do país.

"Até os brasileiros gostam dele", lembrou a dona de casa, referindo-se à relação de Modric com Casemiro, Vinicius Junior e Rodrygo, colegas no Real Madrid.

O nome do craque croata estampava a camiseta xadrez de Klaudio Tarantino, 69, nascido na Croácia. O professor de física veio ao Brasil ainda pequeno, aos sete anos, de navio.

Histórias semelhantes à sua eram comuns no salão --a maioria dos croatas veio ao Brasil em busca de melhores condições de vida, diante dos consecutivos conflitos que devastaram a região no século 20: a Primeira e Segunda Guerra, além da Guerra de Independência.

Segundo Katia Gavranich, 56, produtora cultural e presidente da Sada, muitos desses imigrantes vieram ao Brasil pelas promessas dos barões do café, e acabaram trabalhando nas lavouras do interior paulista. Depois, migraram para São Paulo em busca de trabalho nas fábricas, e se estabeleceram em bairros industriais, como a Mooca, onde fica a comunidade.

Lá, reconstituíram os povoados que precisaram deixar para trás na diáspora.

Fundada na década de 50, a Sociedade Amigos da Dalmácia é simbólica nesse sentido. Foi construída pelos imigrantes com suas próprias mãos. Hoje, é mantida com anuidades de sócios, eventos que realiza e incentivos do governo croata. Leva o nome de uma das principais regiões do país.

Seu salão aguarda pela Argentina, adversária no confronto de terça-feira (13), pelas semifinais da Copa do Mundo de 2022.


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