DOHA, QATAR (FOLHAPRESS) - Safi Al Masri, 36, estava há cerca de 30 minutos no telefone enquanto a reportagem esperava para entrevistá-la. A palestina conversava com os filhos, que haviam ficado com a família em um território controlado por Israel.
A conversa girava em torno do bem-estar das crianças, uma vez que não se sentem seguros em sua casa. "Qualquer um do Exército de Israel pode vir e me matar e matar meus meus filhos enquanto estivermos dormindo ou quando eu estiver dirigindo para o trabalho. Não é um lugar seguro", diz Al Masri.
Ela veio para o Qatar pela primeira vez para conhecer parentes e, de lambuja, assistir alguns jogos da Copa do Mundo. O visto foi aprovado devido a um histórico acordo entre as nações em decorrência do Mundial.
Parte de sua família vive no país-sede. Foi a oportunidade que encontrou para conhecer a prima Marah AlBustami, 36, cujos pais migraram para o Qatar ainda na adolescência.
AlBustami, que também é palestina, tenta há anos visitar sua família. Seu visto, porém, é sempre negado --mesmo tentando com o passaporte da Jordânia, que possui acordo de paz com Israel.
"Eles não permitem que eu visite a Palestina. É muito difícil, na verdade, ir à embaixada de Israel e eles apenas negarem meu visto só porque eu quero visitar meu país e meus parentes", diz.
O contexto vivido pelas primas fez a bandeira da Palestina se tornar um dos principais símbolos políticos da Copa do Mundo no Qatar. A solidariedade que ultrapassou as fronteiras árabes não era esperada pelos nativos, mas o apoio do governo foi decisivo para que viessem celebrar o campeonato.
Nos muros das casas, nas sacadas dos apartamentos e em broches vendidos como souvenires em mercados centenários do país, flâmulas da Palestina e do Qatar são ora intercaladas, ora colocadas lado a lado.
A bandeira vermelha, preta, branca e verde está também nas costas dos turistas que andam pelas ruas de Doha, nas mãos dos torcedores nos estádios, e representada nos gritos pela sua liberdade, que ocorrem em todos esses lugares.
O governo do Qatar apoia a Palestina como um Estado soberano e independente. O conflito remonta a 1947, quando a ONU votou pela divisão da Palestina em dois Estados, um judeu e um árabe. A criação de Israel por líderes judeus, em 1948, forçou milhares de palestinos a fugir ou deixar suas casas. O evento é conhecido em árabe como "nakba" ou "catástrofe".
A autoproclamação de Israel como Estado fez com que países árabes como Jordânia, Egito, Síria, Líbano e Iraque iniciassem uma guerra contra o recém-independente. Após meses de batalha, Israel saiu vencedor e passou a controlar a maior parte do território.
Anos depois, em 1967, o país tomou também a Cisjordânia, região que coloniza desde então com a construção de assentamentos. Sua justificativa para o controle do território, em detrimento de direitos de palestinos, é a segurança da nação.
Hoje, grande parte dos palestinos vivem em Gaza, controlada pelo Hamas, ou na Cisjordânia. Mas muitos também migraram para países próximos como Jordânia, Líbano e Síria.
Era esperado que árabes demonstrassem solidariedade com a Palestina durante o Mundial. O gesto se solidificou em campo com jogadores de Marrocos ondulando a bandeira do território após a vitória sobre a Espanha.
A manifestação ganhou ainda mais peso pois Marrocos foi um dos países que, em 2020, assinou os acordos de aproximação com Israel mediados pelo governo de Donald Trump, e também celebrados pelo seu sucessor, Joe Biden.
Logo após a partida, o ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, parabenizou os "amigos marroquinos" pela "grande vitória".
Ver a bandeira nas mãos dos jogadores marroquinos após o jogo foi a "melhor coisa que aconteceu" na viagem de Layali Obrahim, 56. A palestina, que atualmente vive na Jordânia, também veio ao país motivada pelo posicionamento do regime local, mas tem se surpreendido com a onda de apoio que vê nas ruas.
"Eles [Marrocos] nos deixaram orgulhosos. E sabe, o Qatar também nos deixa orgulhosos como árabes. Eles nos devolveram nossa nacionalidade perante todo o mundo", diz.
Mas mesmo a preferência de nações árabes em relação a Israel, no contexto do acordo assinado, não tem sido um ponto de tensão durante o Mundial.
O apoio aos palestinos no Qatar é popular. Embora o posicionamento do governo tenha sido um motor para que participassem da celebração, nas ruas a causa tem simpatizantes locais -não apenas no regime- e entre demais torcedores da Copa.
Turistas de diversas nacionalidades vestem sua bandeira, assim como faixas com as cores da flâmula e os dizeres "Palestina livre". Eles são principalmente árabes, mas não se resumem a uma etnia ou nacionalidade.
Mesmo no jogo do Brasil contra a Croácia, nesta sexta-feira (9) --um país sul-americano e outro europeu-- torcedores carregavam nas costas bandeiras do território no estádio Cidade da Educação, em Al Rayyan, onde ocorreu a partida.
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