DOHA, QATAR (FOLHAPRESS) - Viver a fé cristã está na essência da paraense Walnecir Guedes Pereira, 52. Natural de Cachoeira do Arari, na Ilha do Marajó, ela mudou-se ainda criança, aos 6 anos, para Belém, terra daquela que é considerada a maior procissão católica de rua do mundo, o Círio de Nazaré.

"A vida como cristã está na minha raiz", diz ela, que desde 2013 mora em Doha, no Qatar, onde ministra catequese de 1ª comunhão e crisma na Igreja Nossa Senhora do Rosário, localizada dentro de um complexo religioso no país-sede da Copa do Mundo 2022.

O lugar fica já nos limites da capital, próxima de uma região desértica, no distrito de Al Rayyan. À primeira vista, não é fácil reconhecê-lo como um local religioso.

Um enorme estacionamento, portões gradeados, cercado por prédios em tons de terra. Poucos carros circulam nas ruas em seu entorno, e quase não se vê pessoas a pé.

Antes de entrar, é preciso passar por uma sala para revista, com detectores de metais, além de informar o motivo da visita.

"Somente cristãos podem entrar no complexo religioso", explica Wal, como Walnecir gosta de ser chamada. "Assim o Qatar cuida de nós para que a nossa liberdade religiosa seja preservada."

Uma enorme árvore de Natal na entrada e um presépio em tamanho real, à esquerda da porta de acesso, são as únicas coisas que se destacam na paisagem exterior da igreja de formato arredondado.

Devido às leis islâmicas, a igreja não exibe símbolos cristãos no exterior: nem cruzes, nem campanário, nem sinos ou som que remeta ao cristianismo.

A enorme árvore, contudo, foi colocada como parte da preparação para o Advento, que no ano litúrgico marca as quatro semanas que antecedem o Natal, em 25 de dezembro.

Neste ano, com a Copa do Mundo disputada pela primeira vez no final do segundo semestre, o início da última semana do período coincidiu com a final do torneio, disputada no domingo (18), quando a Argentina venceu a França, em Lusail.

A realização do evento foi parte do projeto do país para se abrir para o ocidente, assim como a construção do complexo que reúne igrejas anglicanas, ortodoxas gregas, ortodoxas sírias, coptas e cristãs indianas.

O espaço foi doado pelo então emir do Qatar Hamad bin Khalifa Al Thani, pai do atual emir Tamim bin Hamad Al Thani, em 2005.

Inaugurada em 2009, a igreja Nossa Senhora do Rosário foi a primeira delas. No dia da abertura, a Rádio Vaticano afirmou que foi "um acontecimento de importância histórica após 14 séculos".

"Dentro do complexo, a gente faz tudo como se estivéssemos no nosso país. No período de Advento, temos celebrações com missas natalinas, comemorando o nascimento de Jesus Cristo", conta Wal.

Aos sábados, as missas costumam ser celebradas pelo padre filipino Michael Toher. Ele iniciou seu caminho religioso em Medellín (COL), onde aprendeu espanhol. No Qatar, tem estudado português com brasileiros, como a paraense, para celebrar missas, batizados, primeira comunhão e casamentos para a comunidade luso-brasileira.

Antes da construção dessa igreja, os católicos do país rezavam de improviso dentro de casa, embora o código penal qatariano determine pena de até cinco anos para aqueles que promoverem ou participarem de cultos de outra religião que não o islamismo.

Apesar de o cristianismo ter chegado antes do islamismo à Península Arábica, foi a religião islâmica que prevaleceu nessas terras e tornou-se a religião oficial desses estados, incluindo o Qatar.

Por esse mesmo motivo, nenhum outro lugar público fora do complexo religioso pode ter enfeites natalinos, como é comum de se encontrar em ruas, shoppings e no comércio do Brasil, por exemplo.

A lei islâmica também não inclui o dia 25 de dezembro no calendário de feriados do Qatar. Mesmo empresas multinacionais dificilmente liberam os funcionários na data a menos que haja um acordo prévio.

Desta vez, porém, a véspera do dia festivo vai cair em um sábado. Como nos países islâmicos a semana se inicia no domingo, os dias úteis são de domingo à quinta-feira, enquanto que sexta-feira e sábado representam o fim de semana.

Em geral, os cristãos que vivem no país precisam se organizar para celebrar o Natal. Com cerca de 2,7 milhões de habitantes, sendo apenas 380 mil nativos, o Qatar tem cerca de 2,4 milhões de migrantes, dos quais estima-se que 20% sejam cristãos.

"Por ter uma população de maioria estrangeira, o Qatar respeita a religião e o credo de todos. Eu mesma todos os anos sempre enfeitei minha casa, inclusive do lado de fora, e não há qualquer impedimento", diz a carioca Danielle Milagres Bernardes, 55, que vive no Qatar há cinco anos.

Desde que chegou aqui, ela abriu um negócio próprio para vender comida brasileira sob encomenda. Em dezembro, ela vende kits de Natal, com diferentes opções para montar uma ceia, incluindo lombo de porco com abacaxi, por 350 qatari rials (R$ 498).

No Qatar, a venda de carne de porco é proibida para muçulmanos. Apenas alguns locais a comercializam para os estrangeiros.

"Nós respeitamos que aqui é um país muçulmano, mas nós, expatriados, fazemos nossa ceia e enfeitamos nossas casas para celebrar o Natal", afirma Danielle.

Este ano, por causa do volume de pedidos durante a Copa do Mundo, porém, ela não vai conseguir manter a tradição. "Bom, além disso, meus filhos já são adultos, então não tem problema. Mas eu sempre enfeitei, inclusive do lado de fora, sem nenhum impedimento."


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