SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na infância, Márcio Freire chorava quando os pais não podiam levá-lo a Itaparica nos finais de semana.

Foi na ilha localizada em frente a Salvador, do outro lado da Baía de Todos os Santos, que ele estabeleceu com o mar uma relação "sagrada", como gostava de definir.

Começou a ir mal na escola assim que aprendeu a ir à praia sozinho. A paixão pelo surfe já falava mais alto do que qualquer outra coisa para ele.

Foi lá, também, que ele aprendeu as bases do esporte, como o conhecimento de correntes marítimas e das práticas de um competidor, até se tornar um dos brasileiros pioneiros no surfe de ondas gigantes.

Nesta quinta-feira (5), aos 47 anos, Márcio Freire morreu enquanto surfava na cidade de Nazaré, no centro de Portugal, cenário famoso justamente por suas ondas enormes. O acidente foi muito lamentado entre os colegas do esporte.

O reconhecimento no mundo dos surfistas, no entanto, nunca se traduziu em apoio e patrocínios para que pudesse viver do esporte ao longo de sua vida. "Nunca vivi do surfe. Eu vivia para o surfe", ele costumava dizer.

Márcio contava nos dedos as vezes que ganhou dinheiro com o esporte. "Sempre saía uma foto minha no jornal, eu recortava e ia atrás de alguma marca, alguma empresa para me patrocinar", ele contou à revista Trip em 2012.

Somente uma vez isso deu certo, ainda quando ele era muito jovem e teve um patrocínio para disputar um campeonato amador.

Com o tempo, a dificuldade o afastou do cenário competitivo, mas nunca das ondas. Em 1998, quando tinha 24 anos, influenciado pelos amigos e também surfistas Danilo Couto e Yuri Soledade, mudou-se para o Havaí, nos Estados Unidos.

"Quando vim para o Havaí, eu me desliguei por completo das competições. Na hora vi que seria free surfer, trabalhar só para pagar as contas, me autopatrocinar e ir atrás das ondas grandes", disse à revista.

Assim ele fez durante toda sua vida. No Havaí, teve diversas profissões. Trabalhou como garçom e jardineiro. Atuou também na construção civil, em feiras livres e fazendo mudanças. Tudo, especialmente, para bancar sua paixão por surfar.

Ao lado de Danilo e Yuri, Márcio ganhou notoriedade no cenário do surfe por se arriscar em ondas gigantes sem coletes salva-vidas ou o auxílio de jet ski, portanto, praticamente sem nenhum tipo de segurança.

A prática rendeu ao trio o apelido de "Mad Dogs", cachorros loucos, em inglês. No Havaí, a gíria costuma ser atribuída a quem encara desafios como eles fizeram.

"Mad Dogs" também virou nome de um documentário do canal Off, lançado em 2015, quando a trajetória de cada um deles foi contada nas telas.

"Não tínhamos segurança nenhuma. Era pura coragem guiada pela vontade de descer uma onda enorme. Os riscos eram muitos sem uma segurança devida. Se acontecesse um acidente, seria o fim da jornada", afirmou Márcio ao comentar sobre o lançamento do filme.

Márcio nunca foi de buscar os holofotes, não gostava muito de aparecer, mas ficou feliz por participar da produção do documentário. Segundo ele, foi a única vez que recebeu uma grana boa por causa do esporte.

Mais recentemente, ele ganhava a vida fazendo vídeos de pessoas surfando, dava aulas de surfe e estava desenvolvendo uma marca própria de camisetas. Nas estampas, contava sobre sua trajetória no esporte e os lugares pelos quais passou.

Além de Salvador e Havaí, o baiano já morou na Indonésia, aonde adorava ir sempre que podia. Ele também passou um mês em Portugal, aonde voltou no final de 2022 para passar o Natal e o Réveillon.

Como seus pais estariam no país, ele ficou empolgado com a oportunidade de se reunir com família. Nas redes sociais, registrou a alegria de estar com os familiares, sobretudo com o pai, que completou 81 anos durante a viagem.

Estava, ainda, empolgado com a chance de pegar novas ondas em Nazaré.

"Estou indo lá de boa, não estou indo para pegar a maior onda. Só quero sentir aquela vibração de novo do big surfe e tentar pegar umas ondas grandes", disse ele semanas antes da viagem ao canal "Let's Surf".

Nesta quinta-feira (5), porém, ele acabou sofrendo um acidente enquanto surfava no chamado "Canhão da Nazaré".

Márcio Freire foi a primeira vítima de um acidente fatal registrada no local.


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