SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Poderia ser a última chance de jogar no time da cidade em que nasceu. O atacante Lucas Pérez, 34, queria retornar ao La Coruña, mas havia um problema. O clube que desafiou os gigantes europeus no final do século 20 e no início do 21 está hoje na terceira divisão espanhola e sem dinheiro.

O jogador resolveu o problema. Pagou 435 mil euros (R$ 2,4 milhões pela cotação atual) pela rescisão de seu contrato com o Cádiz no início de 2023 e voltou para casa. No seu primeiro jogo, fez dois gols na vitória por 3 a 0 sobre o Unionistas de Salamanca.

"Eu entendo o esforço e o desejo do Lucas Pérez de retornar ao La Coruña, pois é um clube de tradição, história, títulos e, principalmente, tem uma torcida apaixonada que te acolhe tão bem", afirma o ex-volante Mauro Silva, atual vice-presidente da FPF (Federação Paulista de Futebol).

Ele atuou por 13 anos na agremiação espanhola e fez parte de sua fase de ouro. Chegou em 1992 e só saiu ao se aposentar, em 2005. Marcou época em período no qual o clube também contou com outros brasileiros, como Donato, Bebeto, Rivaldo e Djalminha.

Por quase duas décadas, o La Coruña foi um fenômeno do futebol do Velho Continente. Uma equipe antes irrelevante, de município de 250 mil habitantes na região da Galícia, era capaz de bater Real Madrid e Barcelona de forma rotineira e brigar por títulos.

Poderia ter conquistado mais ligas do que a solitária e histórica vitória de 2000. Dois anos mais tarde, a Federação Espanhola marcou a final da Copa do Rei para o estádio Santiago Bernabéu para que o Real pudesse vencer um título em casa em seu centenário. O La Coruña ganhou por 2 a 1.

Na temporada 2003/04, eliminou a Juventus (ITA) nas oitavas de final da Liga dos Campeões. Protagonizou uma das maiores viradas da história da competição nas quartas. Depois de ser batido por 4 a 1 pelo Milan na Itália, anotou 4 a 0 em casa e avançou. Depois de empatar em Portugal o primeiro confronto das semifinais com o Porto, ficou a 90 minutos de chegar a uma improvável decisão. Perdeu por 1 a 0 no que seria o cartão de visitas de José Mourinho, comandante da formação lusitana campeã.

Era um tempo de bonança que parecia não ter fim. Mas teve. De presença constante no principal torneio europeu e na lista de favoritos ao título espanhol, o La Coruña entrou em espiral de queda que Lucas Pérez, mais lembrado no Brasil por sua rápida passagem pelo Arsenal (ING), tenta reverter.

"Se você tiver de explicar tudo isso a uma pessoa neutra, ela não acreditará", escreveu o jornalista Ivan Antelo, do jornal La Voz de Galicia. "O clube teve um presidente por 25 anos. Nos últimos três anos, teve três."

A maioria acionária do clube (80%) está com o banco Abanca. Quando o comando foi assumido pela instituição, em 2021, a situação financeira foi descrita como "precária."

Time que passou maior parte da sua história na segunda divisão, o La Coruña começou a mudar seu patamar com a chegada do empresário Augusto Cesar Lindorio à presidência, em 1988. Nascido na cidade, o dirigente buscou criar uma mentalidade de união na comunidade local. O número de sócios passou de 5.000 para mais de 20 mil.

Quando o La Coruña voltou à elite depois de 18 anos, em 1991, Lendorio aumentou o orçamento do departamento de futebol. A escolha passou a ser por montar elencos que fossem uma mistura de nomes experientes e jovens promissores. O time terminou na terceira posição em 1993. Bebeto foi o artilheiro do Campeonato Espanhol, com 29 gols.

O título nacional passou a ser uma expectativa, mas só foi alcançado em 2000. Nos últimos 30 anos, o La Coruña foi um dos cinco clubes a conquistar o troféu da primeira divisão.

A fórmula financeira não se sustentava, e os gastos eram muito maiores do que as receitas, apesar das classificações para a Liga dos Campeões, a copa de clubes mais lucrativa do mundo. A queda para a segunda divisão se deu em 2011. No ano seguinte, Lendorio concordou em não se candidatar e deixar a presidência.

"Meu maior erro foi não ter vendido jogadores quando deveria por causa da ilusão de conquistar mais títulos", confessaria mais tarde.

O rebaixamento mais polêmico ocorreria em 2020. O time acabou na terceira divisão depois de ver seu jogo contra o Fuenlabrada adiado por casos de Covid-19 no adversário. As outras partidas foram realizadas normalmente, e, com os resultados, a equipe ficou sem chance de escapar. Os dirigentes apelaram à Federação Espanhola, apontando que todos os confrontos deveriam ter sido transferidos, sem sucesso.

Dois anos e meio depois, Lucas Pérez tomou a decisão de pagar sua multa, reduzir o salário e voltar ao La Coruña. Outros que passaram pelo clube também manifestam o desejo de vê-lo bem. Lionel Scaloni, treinador campeão do mundo com a Argentina, atuou no time apelidado de Super Depor nos tempos áureos e já disse que pretende dirigi-lo um dia.

"Eles têm um lema que diz que em La Coruña ninguém é forasteiro. Você realmente se sente em casa, com uma qualidade de vida ótima. Muitos jogadores ficam na cidade para morar. É realmente marcante para quem passa por lá. Chegou um momento para mim em que estar em La Coruña ou no Brasil era a mesma coisa. Eu me sentia em casa da mesma forma", diz Mauro Silva.

Deportivo La Coruña - Divulgação

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