SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O recorde mais duradouro das Copas do Mundo poderia não ter acontecido. O marroquino Just Fontaine nem sequer deveria ter jogado pela seleção francesa na Suécia, em 1958.
O técnico Albert Batteux não o queria na equipe. Levou-o para o torneio mesmo assim com a certeza de que não o utilizaria. O titular do ataque, René Bliard, sofreu uma lesão pouco antes da estreia, diante do Paraguai.
No último treino antes da partida, a única chuteira levada por Fontaine praticamente se desintegrou. Ele só conseguiu entrar em campo porque o também atacante Stéphane Bruey usava o mesmo número e lhe emprestou o calçado.
Se o Mundial de 1958 ficou marcado como o surgimento de Pelé no cenário internacional, aos 17 anos, também ficou na história pela inigualável marca de Just Fontaine. Ele foi artilheiro com 13 gols em seis partidas. Depois de 64 anos, ninguém igualou a marca.
O húngaro Sándor Kocsis era o recordista até então, com 11, em 1954. Gerd Muller fez 10 em 1970. No último Mundial, disputado no Qatar, o máximo goleador foi o francês Kylian Mbappé, com oito em sete jogos.
Fontaine morreu nesta quarta-feira (1º), aos 89 anos. A causa não foi revelada por sua família.
"Não há segredo. Eu jogava em uma equipe ofensiva, e em 1958 todas as equipes jogavam de maneira ofensiva. Eu estava em plena forma. Havia feito uma operação de meniscos em dezembro. Antes da Copa, tinha marcado 34 gols em 26 jogos. Fui o artilheiro do campeonato. Aquele foi o meu ano", disse o artilheiro em entrevista à Folha em 1997.
Fontaine foi o primeiro futebolista a conseguir fazer um gol na seleção brasileira naquele ano no que é a considerado o melhor confronto do torneio. Na semifinal, o Brasil ganhou por 5 a 2. Foi a primeira vez que ele se encontrou com Pelé (1940-2022) em campo.
"Lamento ter pegado o Brasil com dez jogadores apenas. O nosso beque central [Jonquet] se machucou e tivemos de jogar com dez por mais de uma hora. O jogo estava 1 a 1. Se 11 contra 11 já era duro, com dez era missão impossível. Se estivéssemos com 11, não sei dizer o que aconteceria. Provavelmente o Brasil ganharia, pois era um grande time, mas menos facilmente", completou.
O encontro causou impressão também no Rei do Futebol. Para o centenário da Fifa, em 2004, Pelé escolheu os 125 maiores jogadores que estavam vivos à época. Colocou Fontaine entre os atacantes.
Nascido em Marrahech, Just Fointaine cresceu em outra cidade marroquina: Casablanca. O pai francês e a mãe espanhola não queriam que o filho fosse jogador de futebol. Desejavam que o garoto estudasse medicina, o que nunca chegou perto de acontecer. Em 1953, próximo de completar 21 anos, o futuro astro se mudou para a França e assinou contrato com o Nice.
Em oito anos no país, Fontaine foi quatro vezes campeão nacional (1956, 1958, 1960 e 1962). Nos últimos três anos pelo Stade de Rems. Fez 165 gols em 200 jogos pela liga. Chegou à final da Copa da Europa (atual Champions League) de 1959, quando o Rems enfrentou o Real Madrid e perdeu. Para manter o costume, o atacante foi o artilheiro da competição, com dez gols.
Em sua estreia pela seleção da França, em 1953, marcou três gols contra o Luxemburgo. Em 21 jogos pelo país que adotou, anotou 30 vezes.
Apelidado de Expresso de Marrakesch, parecia ter um sentido premonitório de onde a bola chegaria na área. Ambidestro, era capaz de arrancadas que o marcador não conseguia acompanhar.
A França não se classificou para o Mundial seguinte, em 1962, no Chile. Perdeu o confronto decisivo das eliminatórias para a Bulgária. Mas mesmo se avançasse, Fontaine não participaria. Ele sofreu fratura na tíbia esquerda em 1960 e ficou fora do futebol por quase um ano. Ele voltou a sofrer nova contusão no mesmo lugar a poucas semanas da Copa do Mundo e decidiu encerrar a carreira aos 29 anos.
"Muito se fala sobre o meu recorde de 13 gols, mas eu definitivamente o trocaria por mais cinco ou seis anos no futebol, que era minha paixão. Eu estava no topo e estava ganhando muito dinheiro. Não era o dinheiro que você vê hoje em dia, era uns cinco vezes mais que o salário mínimo. Hoje em dia seria muito mais", concluiu ele, em entrevista concedida em 2013.
Nas redes sociais, a morte de Fontaine foi comentada pelas principais entidades de futebol.
"Um recorde ainda a ser batido", escreveu a Federação Francesa de Futebol, referindo-se aos 13 gols em 1958.
A Fifa postou imagem das bandeiras em frente à sede da entidade em meio-mastro, em homenagem ao artilheiro. No Twitter, a Uefa chamou o atacante de "lendário".
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