SÃO PAULO, SP (UOL-FOLHAPRESS) - É verdade que, em número de atletas, os homens serão ampla maioria no Troféu Brasil de Natação que começa nesta terça-feira (30) no Recife (PE). Mas, dentro da piscina, onde o protagonismo sempre foi masculino, a balança nunca esteve tão equilibrada. Na seletiva para o Mundial, há tanta (ou mais) expectativa sobre o resultado delas do que do deles.
Isso começou a ficar claro no Mundial do ano passado (relembre), quando metade dos 10 melhores resultados da seleção brasileira veio de mulheres. Em semifinais individuais, a conta foi sete a seis. Para elas. E os revezamentos também tiveram resultados melhores. Na época, este colunista ponderou que na ponta da pirâmide, o grupo que briga por medalhas, ainda era formado só por homens. "O natural é que, em um futuro breve, talvez já em Paris, elas também brilhem no topo", apostei.
O Troféu Brasil será um teste nesse processo, do qual fazem parte ao menos uma dezena de nadadoras, entre elas Beatriz Dizotti, 23, sexta colocada nos 1.500 m no último Mundial, e Stephanie Balduccini, 18 anos, semifinalista de duas provas em Budapeste.
"Eu acho que a natação feminina de uns tempos para cá tem se mostrado cada vez mais forte. A gente está mostrando por quê a gente veio: para mostrar nossa cara. Só ver os resultados do Mundial do ano passado, o feminino foi histórico. A gente está vindo não só para fazer história, mas para inspirar e trazer cada vez mais gerações para essa luta", diz Bia.
"Fico feliz que o feminino está ganhando mais reconhecimento. Por muito tempo as pessoas olharam mais para o homem. Nunca experimentei de ser completamente desmerecida, não posso falar, mas pelo que eu escuto dos outros é algo que acontecia, e estamos muito felizes que agora estamos ganhando esse reconhecimento", completa Stephanie.
As duas chegam ao Troféu Brasil em grande fase. Stephanie trocou o Paineiras, um clube pequeno na natação de alto rendimento, pelo Pinheiros, uma das potências do país. E a mudança fez bem para ela, que passou a treinar com um grupo maior, ajudar e ser ajudada por companheiras que têm os mesmos objetivos.
"Espero ter os melhores tempos da vida. Com essa nova mudança de treinamentos, aprendi muita coisa nova, melhorei coisas que me incomodavam muito, meus fundamentos, minha virada, estou fazendo série para tempos que nunca fiz antes. Se eu não dar perto do meu melhor, pode saber que vou estar bem insatisfeita", avisa.
Já Bia mudou-se para o Rio de Janeiro, no ano passado, para treinar sob as orientações de Fernando Possenti, técnico conhecido pelo trabalho com Ana Marcela Cunha. "Ele fala para mim que o básico, que é a água, eu faço o que precisa ser feito. O que faz a diferença é o periférico. E comecei a me atentar mais a isso. Emagreci seis quilos, minha composição corporal mudou", explica. "Quando meu corpo encaixou, os resultados começaram a vir".
Stephanie é a atleta com o maior programa do Troféu Brasil. Vai nadar sete provas individuais e está escalada para competir em quatro revezamentos pelo Pinheiros. Se pegar todas as finais, o que é bem possível, cairá na água 18 vezes até sábado (3).
A maior expectativa é pelo que ela pode fazer nos 200m livre e nos 100m livre. "Quando você é mais nova, é um pouco mais fácil melhorar. Com 16 era mais fácil, agora é muito mais difícil. Espero conseguir classificar para o Mundial, e lá, pegar uma final. Medalha é um objetivo grande, é algo difícil para agora, mas que pode virar realidade em Michigan", diz ela, já pensando na sua vida nos EUA.
Em agosto, depois do Mundial, Stephanie vai começar sua carreira como atleta da Universidade de Michigan, famosa por ter formado Michael Phelps, e que em Tóquio ganhou medalhas olímpicas com Siobhán Haughey (prata nos 200m e 400m livre) e Maggie MacNeil (ouro nos 100m borboleta).
"Quando eu vejo a potência, a ondulação delas, isso me diz que elas arrasaram em Michigan. Estou muito animada com essa possibilidade", afirma a nadadora, que vai viajar acompanhada do irmão gêmeo, Ricardo Balduccini, também nadador, que vai defender Georgia Tech. Ele nada quatro provas no Troféu Brasil.
Cinco anos mais velha, Bia já teve sua experiência nos EUA. Foram só seis meses na Miami University (que fica Ohio, não na Flórida), tempo suficiente para ela dar novo rumo à carreira.
"No fim de 2018, eu era muito nova, estava vendo meus amigos entrando na faculdade, um pessoal que nadava comigo indo para fora, e decidi que também era o que eu queria. Só que depois de seis meses eu vi que estava virando noite para estudar, não estava fazendo bem o que eu era boa, o que eu nasci para fazer, que é nadar", conta.
Em seis meses, voltou. 'Não era aquilo que eu queria. Eu queria fazer meu nome na natação, realizar meus sonhos na natação. Foi nesse primeiro semestre de 2019 que minha ficha caiu, e decidi que ia correr atrás do meu sonho", lembra. Estava mais pesada do que quando viajou aos EUA, e mesmo assim mais rápida, tanto que conseguiu classificação para os Jogos de Tóquio, onde não foi bem.
"Somente ir não é o que eu quero. Não quero ir e piorar meu tempo. Quero ir e fazer resultado expressivo. Foi quando decidi que ia mudar o que estava fazendo". Com Possenti, ela aprendeu a olhar para o periférico, e tem colhido resultados.
Em março, estabeleceu novo recorde brasileiros dos 1.500m, 16min04s21, uma melhora de representativos 18 segundos da marca que a levou a Tóquio e também foi recorde nacional. O sub15 está perto, e ela sabe, ainda que não revele os tempos que tem como objetivo para a temporada.
O Troféu Brasil é classificatório para o Mundial e para o Pan. Para Fukuoka, são dois critérios. Primeiro, vale a boa e velha tabela de índices. Mas só serão convocados 12 atletas, entre homens e mulheres, e o segundo critério é a transposição da marca feita no Troféu Brasil para o ranking mundial de 2022, considerando dois atletas por país.
Então se Bia, por exemplo, repetir o tempo que fez em março, ela terá um "oitavo lugar". Para alguém dos 50m livre masculino ficar na frente dela, na corrida por uma vaga no Mundial, teria que nadar abaixo do tempo do oitavo colocado desse ranking de 2022: 21s60.
Por essa regra, a CBDA mede quem terá apresentado, na seletiva, condições de conseguir os melhores resultados no Mundial. Mas os convocados só serão conhecidos ao fim do torneio, inclusive nos revezamentos, em que o critério é que a soma dos tempos da seletiva (menos 1,2s da saída lançada) seja melhor ou igual que o 5º lugar do último Mundial.
Para o Pan, a conta é tão complexa quanto, mas há mais vagas: 18 para o masculino, 18 para o feminino. A diferença é que aí o que vale é o "ranking pan-americano", que só considera resultados de atletas do continente. Stephanie e Bia, porém, estão entre os 10 brasileiros já classificados, com vagas extras, por ter vencido o Pan Júnior (sub-22), no ano passado. A velocista levou os 50m e os 100m, e, a fundista, os 1.500m. Nessas provas, o Brasil poderá ter três representantes no Pan.
A seletiva terá dois desfalques importantes: Bruno Fratus, há anos o melhor do país nos 50m, que está machucado (ele explicou aqui), e Caio Pumputis, especialista em 200m medley e 200m peito, que foi operado no ombro na semana passada, depois de os tratamentos conservadores não funcionarem. Etiene Medeiros, que continua atleta, mas sem previsão de competir, não se inscreveu.
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