SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em 2021, durante um dos períodos mais críticos da pandemia de Covid-19, Esquiva Falcão teve que trocar os ringues pelo asfalto, as luvas de boxe por um capacete e as lutas pela jornada de motoboy.

Ele havia acabado de retornar ao Brasil após ter deixado os Estados Unidos, onde morava com a família. Devido à crise sanitária, muitos eventos foram suspensos, e, sem lutas, o boxeador não conseguia mais se manter no exterior, sobretudo porque estava sem patrocinadores.

À época, o capixaba cogitou até vender a medalha de prata que conquistou nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, um resultado até então inédito para o país. Queria US$ 50 mil dólares (cerca de R$ 250 mil naquele momento) por ela.

"Apareceu gente querendo trocar a medalha num carro, numa casa, teve até um cara que queria trocar por um passarinho que ele dizia que valia muito. Mas eu não quis", conta Esquiva à Folha de S.Paulo.

À espera da oferta ideal, ele e a mulher, Suelen Marques, resolveram montar um negócio próprio para vender minipizzas. Enquanto ela produzia a comida, o boxeador era encarregado de fazer as entregas.

"Dê um nocaute na sua fome", ele escrevia nas redes sociais para divulgar o serviço. Mais do que clientes, as publicações deram visibilidade à situação do boxeador, que havia deixado a carreira de lado por falta de patrocínios.

"Foi nessa época que o Lucas viu minha história, entrou em contato comigo para me oferecer o patrocínio. Se não fosse por ele, hoje eu não estaria lutando", afirma o boxeador.

Lucas Hang é gerente de novos negócios da Havan, rede de lojas de departamentos fundada e presidida pelo pai dele, Luciano Hang, conhecido pela relação próxima com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Quando eu assinei com a Havan, muitas portas se abriram, mas muitas portas se fecharam também", diz Esquiva. "Algumas empresas não quiseram me patrocinar porque eu tinha fechado com uma empresa que apoiava o Bolsonaro. As pessoas acabam levando as coisas para um lado que não tem nada a ver."

"Não é porque uma empresa apoia um político que eu não vou querer ser patrocinado por ela. Sou atleta", acrescenta.

Embora adote agora uma postura de se esquivar de assuntos políticos, durante as eleições de 2022 ele foi bastante ativo nas redes sociais, manifestando suas opiniões.

Em agosto, quando o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, o lutador questionou seus seguidores se eles teriam "caído na conversa" de que o petista "queria um Brasil melhor".

Hoje o atleta evita polemizar. "Eu reconheço que o Lula fez coisas boas para o esporte, como o Bolsa Atleta, que eu cheguei a receber, e isso me ajudou muito. Eu sei o sofrimento de um atleta. Então, na época que eu recebi, ajudou. O Bolsonaro também tem coisas boas, ele defende a família, e eu sou evangélico e valorizo isso."

O tom mais conciliador também é uma forma de evitar que discussões políticas possam desviar seu foco. Neste momento, ele se concentra na preparação para disputar o cinturão mundial dos pesos-médios (até 72,6 kg) com o alemão Vincenzo Gualtieri, terceiro do ranking da IBF (Federação Internacional de Boxe), liderado pelo próprio brasileiro.

O título está vago, e o confronto por ele será realizado no sábado (1º), em Wuppertal, na Alemanha. "É a luta do meu sonho, eu esperei muito tempo por isso."

"Será uma luta muito difícil", prevê o boxeador, invicto como profissional, com 30 vitórias, 20 delas por nocaute.

A trajetória de sucesso, em grande parte, é fruto do sonho de seu pai, Adegard Câmara Florentino, mais conhecido como Touro Moreno, lenda do boxe, do MMA e do telecatch brasileiros. Foi ele quem escolheu o nome Esquiva para o filho, uma referência ao ato de se defender mexendo quadril, tronco e cabeça durante um combate.

Touro também construiu a primeira academia onde Esquiva e os irmãos treinavam. Ficava no quintal da casa deles, em Vitória, no Espírito Santo, sem muitos recursos. Havia alguns improvisos, como usar uma bananeira para praticar socos.

O resultado do esforço de Touro Moreno começou a ser reconhecido nacionalmente em 2012, quando dois de seus 18 filhos, Esquiva e Yamaguchi, brilharam nos Jogos de Londres.

Yamaguchi ganhou um bronze, enquanto Esquiva, aos 23 anos, tornou-se o primeiro brasileiro finalista do boxe olímpico. Ele perdeu a decisão para o japonês Ryoto Murata por pontos, mas a medalha de prata foi motivo de orgulho.

O desempenho dos irmãos Falcão somado ao bronze de Adriana Araújo fizeram o Brasil ter aquele que era seu melhor resultado da modalidade em uma edição olímpica. Antes deles, apenas Servílio de Oliveira, bronze na Cidade do México em 1968, havia subido ao pódio com a bandeira brasileira.

"Depois de 2012, o boxe surgiu novamente", afirma Esquiva. "A modalidade estava num jejum de medalhas, e, quando o esporte não tem resultados, acaba sendo esquecido, e fica mais difícil conseguir patrocínios."

É dessa consciência, em grande parte, a motivação dele para o duelo com Vincenzo Gualtieri, uma luta que pode fazer dele o primeiro brasileiro medalhista olímpico a ser também campeão mundial.

"Eu gosto da sensação de fazer história."


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