SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O futebol teve Pelé, depois Maradona, Messi e Cristiano Ronaldo. O basquete teve Wilt Chamberlain, depois Magic Johnson, Michael Jordan e LeBron James. O pôquer teve Doyle Brunson, depois ele de novo, mais uma vez e ainda outra.
Homenageado no último domingo (2) em Las Vegas, durante a World Series of Poker (WSOP, espécie de campeonato mundial), Brunson morreu em 14 de maio como uma lenda do pôquer, inconfundível com um chapéu de cowboy na cabeça e um sorriso no rosto.
Tinha 89 anos e, poucos meses antes, ainda encarava com sucesso as mesas mais caras dos Estados Unidos. Em sua trajetória, acompanhou e provocou transformações no jogo e soube, mais do que qualquer um, adaptar-se ao tempo, merecendo um posto no hall da fama e o apelido de "padrinho do pôquer".
Quando começou, no Texas dos anos 1950, frequentava mesas clandestinas nas quais a máfia dava as cartas. Carregava um revólver na cintura e, segundo disse em seu livro de memórias, viu um homem levar um tiro na cabeça durante uma partida.
Nessa época, sofreu ameaças, perdeu todo o dinheiro algumas vezes -nem sempre para adversários honestos-- e foi preso outras tantas, mas já gostava demais do pôquer para abandoná-lo.
Competitivo desde criança, o texano Brunson viu no carteado um substituto para a adrenalina que não podia mais sentir nos esportes. No colégio, foi campeão estadual na corrida de 1.500 metros; na faculdade, com 1,91 m, virou astro do basquete e chamou a atenção do Minneapolis Lakers.
Essa porta se fechou, contudo, num bico de verão. A caminho de seu último ano na Universidade Hardin-Simmons, trabalhava em uma fábrica de gesso quando uma pilha do material caiu sobre sua perna, provocando fratura exposta e frustrando seus sonhos na NBA.
Formou-se sem planos para o futuro, fez mestrado em administração e educação e pegou um emprego como vendedor para se sustentar. Um dia, numa mesa de pôquer, ganhou em três horas mais que o salário do mês.
Não demorou a tentar a vida como jogador profissional. Em análises retrospectivas, afirmou que tinha uma vantagem por ser a única pessoa com educação superior naquele ambiente.
Estudou probabilidades e estratégias, mudou-se para Las Vegas e ajudou a deslanchar a WSOP no Horseshoe, casino então comandado por Benny Bennion -chefe do crime organizado de Dallas, condenado por um homicídio e acusado por outros dois.
Em 1977, Brunson ganhou a sétima edição do torneio e embolsou US$ 220 mil. Em 1977, repetiu o feito, levando US$ 340 mil. Nas duas vezes, a mão vencedora era um 10 e um 2, uma das piores do texas hold'em, modalidade que conquistava cada vez mais adeptos.
A disputa, a bem da verdade, não merecia o título de campeonato mundial, já que apenas 20 ou 30 pessoas participavam -quase nada perto das mais de 8.500 que jogam o evento principal hoje em dia, com inscrição de US$ 10 mil (R$ 47.870). Ainda assim, atualizados pela inflação, esses dois prêmios de Brunson somariam quase US$ 3 milhões (R$ 14,4 milhões).
Com a notoriedade do bicampeonato, ele publicou "How I Made Over $ 1.000.000 Playing Poker" (como ganhei mais de US$ 1 milhão jogando pôquer) em 1979, livro que se tornou um sucesso e ajudou a popularizar o jogo.
Pela primeira vez, amadores poderiam conhecer os segredos de um profissional -ainda mais um considerado o primeiro a acumular sete dígitos em torneios. Os ensinamentos resistiram ao tempo; novas edições, com o título "Super System", continuaram sendo uma referência num jogo que, como qualquer outro, evoluiu ao longo dos anos.
Quando avaliações matemáticas e teoria dos jogos ocuparam cada vez mais espaço, Brunson soube se adaptar; quando o pôquer saiu das salas clandestinas e ganhou a TV, idem. No final dos anos 1990 e no começo dos anos 2000, era presença garantida nas partidas de cacife alto (high stakes) da televisão.
Brunson teve dias ruins no pôquer -numa sequência negativa, perdeu US$ 6 milhões--, mas seu saldo é bastante positivo. Embora a cifra exata seja desconhecida, as estimativas passam de US$ 50 milhões.
Em torneios, acumulou pouco mais de US$ 6 milhões, incluindo dez títulos da WSOP (em cada edição são disputadas várias modalidades do pôquer). É o segundo maior vencedor da história, apesar de nunca ter priorizado os campeonatos.
Conhecido como "Texas Dolly", sempre preferiu os jogos a dinheiro, com apostas mínimas acima de US$ 500 dólares. Nessas salas, ainda que não sejam mais clandestinas, não há contabilidade dos resultados.
Seu maior feito, contudo, é incalculável para o mundo do pôquer. Na homenagem de domingo, decidiu-se que, pelo menos entre os amantes do jogo, 2 de outubro (10/2 na notação americana) será o Dia do Doyle Brunson, uma forma de lembrar sua mão da sorte.
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