SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O esporte teve nos últimos dias novos casos de racismo em estádios de futebol em diferentes países, evidenciando que as medidas adotadas até aqui para coibir a prática não têm se mostrado eficazes.
Na Itália, o goleiro francês Mike Maignan, do Milan, foi alvo de insultos racistas por parte de torcedores da Udinese, no sábado (20), o que levou à paralisação da partida por alguns minutos. Como punição, o time de Udine terá de realizar seu próximo jogo sem presença de público.
No mesmo dia, na Inglaterra, o meio-campista jamaicano Kasey Palmer, do Coventry City, acusou torcedores do Sheffield Wednesday de fazer gestos imitando macacos.
Os episódios levaram o presidente da Fifa (Federação Internacional de Futebol), Gianni Infantino, a defender que os times cujos torcedores promovam manifestações racistas sofram derrota automática, de modo a coibir a prática que qualificou como "abominável".
No Brasil, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) passou a prever, a partir de fevereiro de 2023, uma série de punições que podem ser aplicadas em caso de "infração de cunho discriminatório" praticada por dirigentes, clubes, atletas, técnicos, torcedores e arbitragem.
Advertência, multa no valor de até R$ 500 mil, vedação de registro ou transferência de atletas e, a mais emblemática, a perda de pontos --em linha com o defendido por Infantino-- estão entre as penalidades previstas.
"A luta contra o racismo tem pressa. Medidas vêm sendo discutidas há séculos e nunca colocadas em prática", declarou na ocasião o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. Ex-presidente da FBF (Federação Bahiana de Futebol), Rodrigues é o primeiro negro a comandar a CBF em mais de cem anos.
Desde que as possíveis punições foram acrescidas ao regulamento, contudo, nenhum time teve pontos descontados. Antes da iniciativa, em 2021, o Brusque, que disputava na época a Série B do Campeonato Brasileiro, chegou a ter três pontos retirados depois que torcedores proferiram ofensas racistas contra o meia Celsinho, do Londrina. Posteriormente, contudo, os pontos foram devolvidos por decisão do STJD (Superior Tribunal de Justiça Deportiva).
Não há precedente de punições do tipo nos principais torneios de clubes da Europa e da América do Sul. Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e Argentina dão preferência a multas. Além da punição financeira, suspensão, fechamento dos estádios e perda de mandos são as medidas padrão.
Na América do Sul, a Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) aplicou recentemente uma multa de US$ 100 mil (R$ 497 mil) ao River Plate, e ordenou que o clube argentino proibisse a entrada de torcedores em um dos setores do estádio Monumental de Núñez, devido a atos racistas em jogo contra o Fluminense, pelas oitavas de final da Copa Libertadores.
Em competições na Europa, o protocolo determina, durante as partidas, avisos pelo sistema de som do estádio, paralisação do jogo e, por fim, encerramento.
Atuando desde 2018 pelo Real Madrid, o atacante brasileiro Vinicius Junior tem sido obrigado a conviver com frequentes ofensas racistas.
Ele chegou a ser expulso durante confronto com o Valencia, no estádio Mestalla, em maio de 2023, depois de uma confusão iniciada após insultos racistas proferidos por torcedores do time adversário.
Em mensagem nas redes sociais após o jogo, o atacante afirmou que o racismo "é normal" no Campeonato Espanhol e sinalizou que poderia deixar a Espanha em decorrência desses episódios.
"Não foi a primeira vez, nem a segunda, nem a terceira. O racismo é o normal na LaLiga. A competição acha normal, a federação, também, e os adversários incentivam", escreveu na ocasião.
Pressionada pela reincidência dos casos de racismo nos estádios, a LaLiga, responsável pela organização do Espanhol, anunciou em agosto passado, no início da temporada 2023/24, medidas de combate à discriminação e ferramentas para facilitar denúncias.
A principal ação, no entanto, foi a mera criação de uma nova plataforma, chamada LaLiga vs Racismo. No site laligavsracismo.com, a entidade publica medidas educativas e preventivas contra comportamentos violentos ou discriminatórios.
A plataforma também oferece acesso direto ao canal de denúncias da LaLiga para que o público possa fornecer informações relacionadas a quaisquer atos de ódio ocorridos dentro ou fora dos estádios.
Na Inglaterra, a FA (Football Association, a federação inglesa de futebol) prevê sanções que incluem a proibição de ida aos estádios, processos legais e penas de prisão para aqueles considerados culpados de comportamento discriminatório, tanto no estádio quanto em meios virtuais, com possíveis deduções de pontos apenas para clubes amadores.
Embora as ações pensadas para coibir o racismo tenham o potencial de desestimular esses atos, o efeito só será materializado se elas forem, de fato, postas em prática, assinala Rachel Rua, diretora da consultoria iO Diversidade. Para ela, a perda de pontos é um bom caminho.
Rachel lembrou que, na semana passada, a Justiça da Espanha rejeitou denúncia apresentada pela liga espanhola de futebol sobre insultos racistas direcionados a Vinicius Junior. Segundo o magistrado, não foi possível determinar a identidade dos autores.
"Ações educativas, aliadas às punições, devem, sim, responsabilizar os clubes ou as seleções envolvidas, inclusive trazendo impacto na sua pontuação nos campeonatos. Essas ações educativas e punições têm a possibilidade de transformar esses espaços, os estádios de futebol, em lugares mais respeitosos e acolhedores para todos", diz Rachel.
Na Itália, as autoridades anunciaram no ano passado "tolerância zero" com torcedores racistas. Com o auxílio de vídeos, microfones e ferramentas de identificação facial, infratores são identificados e banidos dos estádios --cerca de 170 torcedores da Juventus foram banidos após insultos ao jogador belga Romelu Lukaku, que defendia a Inter de Milão.
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