SANTOS, SP (FOLHAPRESS) - Atual técnico do Celta de Vigo, o espanhol Rafa Benítez sempre conta orgulhoso do título da Liga dos Campeões de 2005, marcado pela histórica reação com o Liverpool, em Istambul, em 25 de maio daquele ano.

Após sofrer três gols do Milan no primeiro tempo, o clube inglês conseguiu um roteiro improvável: reagiu em 15 minutos, empatando o confronto que venceria nos pênaltis mais tarde. O último gol foi um pênalti convertido por Xabi Alonso.

Quarenta e dois dias antes, porém, Alonso foi o pilar de um jogo bem menos conhecido, mas tão fundamental quanto esse: um empate sem gols com a Juventus, em Turim, que garantiu a classificação da equipe entre as quatro melhores da competição.

O volante espanhol recém-retornava após três meses lesão, mas atendeu ao pedido do comandante para jogar no sacrifício, mesmo com pouca mobilidade. "Fique parado no meio", dizia.

"Taticamente fizemos tudo muito bem, mas a chave foi recuperar Xabi rapidamente para garantir que ele pudesse jogar", contou Benítez ao The Guardian.

"Ele era inteligente e observador. Quando você explica coisas para alguns jogadores, tem que repetir. Xabi aprendia rápido", completa.

Peça-vital naquele dia e na campanha que culminou com a conquista histórica, Alonso hoje é um dos técnicos mais badalados da Europa, uma espécie de "novo queridinho".

Aos 42 anos, o ex-volante basco natural de Tolosa, revelado pela Real Sociedad, hoje brilha em sua segunda temporada pelo Bayer Leverkusen.

O time não sabe o que é perder. São 19 vitórias e quatro empates em 23 partidas disputadas na Bundesliga, um turno inteiro sem ser derrotado, além de sete pontos de diferença na liderança para o Bayern de Munique.

"Eu acompanhei de perto os treinamentos dele. É um trabalho participativo, do atleta olhar para o treinador, ver o que fez e que é possível fazer. O atleta tem muito mais noção. Os trabalhos são mais dinâmicos, fáceis de assimilar. Diria que este é um dos pontos fundamentais", conta à Folha o ex-atacante Paulo Sérgio, embaixador da competição e representante do clube alemão.

Não são incomuns nas redes sociais, vídeos viralizados em que Xabi Alonso lança ou passa a bola durante as atividades com a mesma desenvoltura dos tempos de jogador.

"Sigo tão lento como com 20 anos", brincou Alonso no último ano como profissional, em 2017, pelo Bayern de Munique.

A entrada dele no mercado de treinadores se deu quase por um acaso. Menos de um ano após pendurar as chuteiras, resolveu iniciar o curso de treinador da Uefa como uma forma de esquecer uma série de acusações de sonegação fiscal pelo Fisco Espanhol.

Ele foi inocentado e o curso levou o ex-meio-campista de volta à antiga casa, a Real Sociedad, para trabalhar na equipe B.

Passou três temporadas, de 2019 a 2022, com um acesso à segunda divisão espanhola em 2021 ?feito que não ocorria há 50 anos. A chegada ao Leverkusen se deu por uma aposta ousada do CEO do clube, o espanhol Fernando Carro, na função desde 2018.

O anúncio de um treinador que jamais havia comandado uma equipe em competições de primeira prateleira foi feito em 5 de outubro de 2022 e parecia a pá de cal para um time que ocupava a vice-lanterna, com apenas cinco pontos somados, além de carregar o peso de uma eliminação precoce na Copa da Alemanha para um time da terceira divisão.

Ele conseguiu conduzir o time da 17ª à sexta colocação, com classificação para a Liga Europa. Nesta temporada, com o princípio de trabalho, impôs um estilo intenso que impacta o país.

"O Xabi sempre foi um cara de muita personalidade, de ser muito participativo nos trabalhos do dia a dia, mas não conseguia fazer essa leitura prévia de que viraria treinador. Convivemos no Bayern, quando trabalhava para o clube, e o vejo ainda mais intenso agora. Mais pronto", explica Paulo Sérgio, ex-jogador do clube entre 1993 e 1997.

Alonso utiliza o sistema 3-5-2 como pilar de seu trabalho, que também varia para o 5-4-1, dependendo da necessidade de ter os alas mais recuados em algumas partidas.

A opção por três defensores, que conta geralmente com Odilon Kossounou, Jonathan Tah e Edmond Tapsoba, é disparada a mais segura da competição. Sofreu 16 gols em 23 partidas, média inferior a um por jogo. A segunda melhor, do Bayern, tomou 28 mesmo com jogadores consideravelmente mais caros.

O motor da equipe está no meio-campo liderado pelo camisa 10 alemão Florian Wirtz, de 20 anos. Considerado pouco efetivo desde a chegada ao Colônia, virou a principal referência técnica no esquema do treinador. São oito gols e 16 assistências.

"O Wirtz se sobressai porque é um encaixe do treinador. Todos falam no clube que é outro jogador desde a chegada dele. Não há um grande nome, é um conjunto forte", afirma o tetracampeão com a seleção brasileira.

A procura intensa por sempre roubar a bola já no campo de ataque adotada pelo treinador também potencializou nomes como o Jeremie Frimpong, utilizado como uma espécie de ponta anteriormente. Ele ganhou a função da ala direita.

"O trabalho que ele está fazendo é fantástico. Único time invicto, brigando com o Bayern. Agora é a parte mais importante da temporada", disse o técnico Pep Guardiola, do Manchester City, ex-treinador de Alonso no Bayern.

De fato a caminhada rumo ao título ainda é árdua. Serão mais treze rodadas, 39 pontos em disputa, para tentar consolidar um título inédito na história. O maior clube da Alemanha diz que quer contar com ele para a próxima temporada.

"Ele me disse que era cedo demais, que tinha que acumular mais experiência, foi isso o que eu realmente admirei nele", disse em recente entrevista coletiva diretor esportivo Max Eberl, relembrando quando tentou contratá-lo nos tempos à frente do Borussia Mönchengladbach.

"Não se pode tirar conclusões entre isso [proposta quando estava no Borussia Mönchengladbach] e o atual momento", acrescentou, deixando a possibilidade em aberto.

Na última temporada, o Borussia Dortmund tinha tudo para desbancar a longa hegemonia Bayern. Na rodada final, porém, a equipe só empatou com o Mainz em casa e viu o rival ultrapassá-lo.

O Bayer tem expectativas mais controladas. Além de nunca ter levantado uma taça desse porte, o time ainda tenta melhorar a estrutura ?treina em um dos três campos anexos a BayArena.

Multicampeão como jogador pelo Real Madrid e pela seleção espanhola, ele espera seguir surpreendendo para, quem sabe, sair da condição de promessa para realidade no mercado.


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