Foto de AIlton Alves Ailton Alves11/05/2009

Vidas Ordinárias

Só existe vida - naquele sentido para o qual nascemos mas não temos coragem de admitir - na Série D do campeonato brasileiro (a quarta divisão do futebol nacional). Nas demais divisões o que há é um simulacro, uma mistificação. Na Série A (tida e havida como a primeira), mal acabou a primeira rodada e já se fala nos tais seis jogos que cada atleta tem que cumprir antes de mudar de clube, e na "janela" européia de junho/julho, que vai desfalcar a maioria das equipes. Depois disso, de cumprir essas duas, digamos, formalidades, os times vão empurrar o torneio com a barriga, trocar o jogador novo por um novo jogador novo e ficar fazendo contas para chegar à Libertadores ou para não cair para a segunda divisão. E se cair, não tem problema: faz-se uma plástica e segue adiante, sonhando apenas em voltar à primeirona. É uma vida bastante ordinária.

Se a Série A é falsamente uma primavera, onde tudo seriam flores, a Série B não passa de um mero verão, aquele período do ano em que tudo é carnaval, preenchido com exacerbada euforia, como se não existissem outras estações no ano. Os times da segunda divisão cometem o pecado da gula, quando estão prestes a subir. Ou da preguiça, quando põem na cabeça que a meta é não cair. Vida comum.

A Série C era a tal, mas agora elitizou-se, perdeu a graça. Não é mais o último degrau. Não tem mais times de todos os estados. Não é mais um torneio de integração nacional. Agora são apenas vinte equipes, vivendo o outono de suas existências, aquela estação do ano que não faz frio nem calor e muito menos nascem flores. Vida besta.

A recém-criada Série D, pelo contrário, é um alento para esses dias de mesmice. 40 times, do Acre ao Rio Grande do Sul, vivendo todos as mesmas mazelas, passando pelo inverno - e o inferno - das suas histórias. São, a princípio, apenas seis jogos, três em casa e três fora, que vão definir se a equipe merece crédito ou se será enxotada para fora do futebol nacional - e da vida. Depois, outros seis jogos, no sistema mata-mata, que vão significar sobrevivência ou um abalo definitivo nas estruturas do clube. Quem passar por esses obstáculos, por esses doze trabalhos de Hércules, ganha o que há de mais precioso no esporte: a chance de continuar jogando, a cada domingo, preenchendo a vida de seus torcedores.

Li em algum lugar que serão 760 jogos nas séries A e B. Duvido que algum seja mais vital que São Raimundo, do Pará x Cristal, do Amapá (o clássico da Transamazônica, marcado para o dia 19 de julho, no Estádio Colosso do Tapajós) ou tenha mais rivalidade que as duas partidas entre Alagoinhas (cidade representada pelo Atlético) e Feira de Santana (terra do Fluminense baiano).

Ouvi em algum lugar que os times da primeira e segunda divisão farão 38 jogos. Duvido que algum suscite mais drama, sofrimento, alívio e glória que as seis partidas iniciais do Tupi Futebol Clube, contra Madureira, Friburguense e Paulista de Jundiaí.

O Tupi e os outros 39 clubes da quarta divisão jogarão à margem, muito provavelmente sem sequer uma pequena nota semanal nos diários e sites de esporte, mas são eles que verdadeiramente, como no faroeste de King Vidor, vão duelar por um lugar ao sol. E são eles, e mais ninguém, que podem ser uma espécie de Capitão Ahab, aquele que lutou a vida toda contra uma baleia branca - não por acaso o símbolo de uma grandeza não tão real mas incutida de forma indelével na cabeça do homem e dos torcedores.



Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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