Ailton Alves Ailton Alves 15/6/2009

O futebol é um jogo

simulação de um jogo virtualAlém de acabado, o mundo enlouqueceu. Não o mundo normal - este já está findado e insano há séculos -, mas o do futebol. Neste final de semana, vi (com esses olhos míopes que a terra há de comer) um cruzeirense de quatro costados vibrar com dois dos três gols marcados pelo Atlético mineiro contra o Náutico - os anotados por Diego Tardelli e Márcio Araújo. O motivo de tamanha discrepância é um jogo, chamado de Cartola FC, no qual os participantes têm um dinheiro fictício e compram - na forma figurada, mas nem tanto - jogadores para atuar em apenas uma rodada do Brasileiro. Ganha, o jogo, quem negociar melhor, quem acertar em cheio o valor de uso daquele atleta naquela jornada.

Ao brincar de dirigente esportivo, o torcedor acaba dando vazão a um lado primitivo e obscuro: o de mercador de gente. E exercita aquilo que nós, todos nós, fazemos com uma frequência assustadora: trair os desejos mais claros da nossa alma.

O cruzeirense que cito, que torceu pelos jogadores rivais, é um jovem da mais fina estirpe humana e talvez não tenha consciência disso, de que traiu seu coração em troca de meros pontos a mais na cartela. É bem provável que tenha sido movido apenas pela competição, pela tentativa de provar que entende mais de futebol que seus amigos e colegas de escola.

Talvez eu esteja, então, como sempre, exagerando. É apenas e tão somente um jogo o tal do Cartola FC. O erro do jovem cruzeirense, cometido pela inexperiência de vida, foi cravar em sua cartela o nome de dois atleticanos - já que eram tantas as opções entre outros atacantes e meio-campistas atuantes em outros nove jogos. No meu tempo, quando ainda acreditava em dinheiro fácil e jogava na loteria esportiva, procurava a coluna do Vasco e marcava o x - não importando se a Cruz-de-Malta enfrentaria a seleção mundial da Fifa. E procurava a coluna oposta a do Flamengo e cravava - não levando em conta se os rubro-negros jogariam, por exemplo, contra os reservas do Canto do Rio. Tudo para não correr nenhum risco de torcer, em hipótese alguma, pelo Império do Mal.

Mas...Se não for nada disso, se não tiver essas implicações pseudo-filosóficas, o tal do novo jogo vem criando um novo tipo de torcedor: aquele que leva em conta exclusivamente o desempenho individual - aí sim uma traição ao caráter coletivo do futebol.

Além disso, o jogo, que já é uma espécie de febre, produz fatos estranhos. Na partida Barueri X Avaí, o gol do time catarinense surgiu de um falta cobrada pelo meio-campista Marquinhos. A bola, chutada sem força, esbarrou em alguém e estava na mão do goleiro, que, no entanto, deixou que ela passasse, num frango memorável. Ninguém gostou. Quem apostou no chutador não valorizou seu investimento já que ele não teve méritos na jogada. Quem comprou o goleiro - um dos mais baratos do campeonato, dizem - perdeu ainda mais.

A vida virtual desse goleiro não ficará nada boa. Acompanhar esse campeonato de figurinhas carimbadas, compradas e trocadas a cada rodada não será nada interessante. Conversar sobre os jogos do final de semana sem ser um participante do jogo não será nada fácil. O futebol, agora, é um outro tipo de jogo.



Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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