Ailton Alves Ailton Alves 26/10/2009

Sangria desatada

imagem simulando uma batalha, em que a bandeira do Tupi está sendo afixadaO futebol guarda uma extraordinária analogia com a vida. Só não vê quem não quer.

Provas dessa afirmação há, em profusão. No século passado e, mesmo em menor intensidade neste. Se não, o último jogo do Tupi em casa seria aquilo que se procura e acha.

Na quarta-feira, contra o Valério, primeiro havia a possibilidade de chuva. No dia anterior, deixando as coisas mais importantes da vida de lado, perguntei a uma amiga Carijó se ela iria ao jogo. Não respondeu diretamente, disse apenas que ia chover. Quantas vezes queremos a água? Eu particularmente desde que soube que em Macondo choveu durante quatro anos, 11 meses e dois dias (e nesse tempo aconteceu o melhor) – sensação essa só atenuada com a visão doentia da chuva citada por Travis, o motorista de táxi vivido no cinema por Robert de Niro.

Realmente choveu a cântaros. E só então o Tupi marcou seu gol.

Antes da chuva e da vitória, no entanto, momentos de grande desalento foram sentidos. O time se recusou a jogar, a torcida se recusou a apoiar, como se houvesse um estranho acordo tácito entre as partes, fruto de ressentimentos recentes, uma quase mágoa, estranha pois ninguém saberia precisar o momento que tudo começou ou se tinha realmente hora para acabar.

Eis aí a primeira analogia: quantas vezes nós, tal qual o poema de Cabral, não pensamos em “saltar fora da vida”, não no sentido dramático ou extremo e sim naquele de deixar a vida escorrer, sem reagir.

E antes do dilúvio, porém, antes do jogo até havia o espectro da despedida, daquela que poderia ter sido a última partida do Galo no ano. Quem aquenta isso, tanto peso? Como se fôssemos nós, os Carijós, obrigados a viver a vida toda pisando em ovos, no fio da navalha, entre a tênue linha entre a euforia e o desânimo.

Ainda a caminho do estádio, um grupo de jovens da torcida Tribo Carijó entoava cânticos de guerra, creio que baseados numa música do Mamonas Assassinas (uma canção que, salvo engano, cita uma formosa moça, uma musa, que deixa alguém maluco) mas com um final singelo e revelador: “...Só para te ver jogar”

Ou seja, é só isso o que queremos: ver o Galo jogar.

E se não bastasse o espectro da última vez, do fim, do mergulho em dias que não terão nenhuma graça, em época, final de ano, que tradicionalmente não tem graça, aconteceu outro momento de desespero: a contusão de Rafinha. Parecia coisa simples – e era –, mas levou-se uma eternidade para estancar o sangue. O médico ia lá, olhava, curava, usava os artifícios que tinha a mão e ... nada. O líquido vermelho ainda escorria e aquela altura do jogo nem mesmo a chuva havia começado...

Então, eis aí outra definitiva analogia: o Tupi é para nós, os cerca de 600 fiéis – perigosamente sendo reduzidos para 350 – uma sangria desatada.

***

No domingo, em Uberaba, o Tupi fez um gol aos 40 segundos do segundo tempo, com Rafinha, mas permitiu a virada do Uberaba. Não há de ser nada não. No sábado, a vitória simples virá e com ela mais uma final, a terceira consecutiva, na Taça Minas Gerais.

 



Ailton Alves é jornalista e cronista esportivo
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