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Camponeses e democratização no segundo debate agrarista

Raimundo Santos - 1999
 

Se há alguns anos já se dizia que os partidos estavam sendo atropelados pelos movimentos sociais, a bibliografia pós-moderna deste fim de século tem ido muito mais longe. Em certas áreas, ela chega mesmo a enunciar virtualidades pedagógicas em alguns seres dispersos e contrapostos à política. Às vezes se diz que, perdida a sua conexão com grandes sujeitos históricos, a própria política não teria como preservar nem exercer as funções iluministas do passado. Em meio a tanta incerteza, estaríamos vivendo nestes dias mercantis da globalização o paradoxo segundo o qual, quanto mais aumenta a crise da política , mais dela se precisa para cumprir as promessas da Modernidade.

Neste contexto de debilitamento paradigmático, o problema agrário também estaria deixando de ser visto como tema de questão nacional, definidor dos regimes políticos da modernização burguesa, como nos ensina a melhor história comparada. De ponto-chave para o cálculo político-estratégico, como diz a sociologia revolucionária de Lenin, a questão agrária teria evoluído de tema subsumido à "contradição fundamental" para ser agora não apenas o epicentro da denúncia do apartheid das sociedades de fim de século e de questionamento da sua ordem política, mas também um lugar de renovação das utopias sociais.

Os movimentos camponeses de Chiapas e o MST brasileiro estimularam a imaginação como exemplos de última resistência ao neoliberalismo e de embrião de sociabilidades alternativas. Não faltou, inclusive, quem aqui dissesse que, na conjuntura pós-94, não fossem os sem-terra, não teria havido resistência ao governo Fernando Henrique. Ou quem já visse na cobrança de mais políticas públicas e sobretudo na capacidade do MST de gerar fatos de ressonância na mídia sinais de um novo partido de oposição; um "partido agrário", como outra vez se está dizendo dos nossos movimentos sociais rurais.

No que ao Brasil se refere, essas esperanças não vêm do acaso, nascem da força do protagonismo camponês que retorna dos anos 50 como um movimento político-intelectual que cada vez mais concebe a questão agrária não apenas como uma persistência do passado, mas também como lugar de anunciação de um novo pleno de possibilidades. Movimento e intelectualidade que a bibliografia vem registrando de dois modos: 1) o debate sobre a ampliação do conceito de reforma agrária, não mais centrado na questão fundiária (não essencialmente agrícola, como já disse José Graziano da Silva); direção, aliás, para onde apontam os novos estudos sobre a velha questão da (afinal) "afirmação do capitalismo no campo" (agroindustrialização e agribusiness; agricultura empresarial e tecnologias; pluriatividade e agriculturas ecológicas, etc.); 2) o movimento mais recente da literatura realçando as virtualidades emancipatórias e de ressocialização da reforma agrária, abertura temática que se ampliará à medida que se remova a (última) viseira ainda contendo a imaginação dos reformistas agrários dos anos 90: a sua agrarização, como, em sentido antropológico, observa José de Souza Martins (Martins, 1998b).

Essa dupla dimensão da bibliografia, referida a certa tradição intelectual, faz emergir uma história pontilhada de conflitos agrários mais recentes e também exibe alguns textos e dissertações que, aquinhoados pela fortuna, terminaram tendo gravitação cultural e ideológica considerável, nisso lembrando os velhos tempos do ensaísmo de interpretação do Brasil.

Mobilizada a memória, revistos determinados constructos, poderíamos reconstituir alguns traços do que seria, em alusão à querela do PCB com Julião (e Caio Prado Jr.), uma espécie de segundo debate agrarista que, como aquele, não só proporciona pontos para a agenda dos pesquisadores, como oferece reflexões úteis aos protagonistas – movimentos sociais, partidos e governo – hoje à frente do processo de reforma do mundo rural.

Estas notas de leitura têm por propósito relevar os termos do deslocamento temático que estaria ocorrendo na nossa bibliografia de maior vocação publicística: o abandono da interpelação dos camponeses a partir da política, típica do pré-64, em favor de um novo modo de pensar o problema agrário, que vem se diversificando no decorrer dos anos 70 e 80. Enfoques que vão importar desde a substituição da chamada vulgata marxista-leninista dos PCs (colocando no lugar da "burguesia nacional" a figura do "capital"; revelando este último "aliado urbano" como o invasor/subsunsor do mundo rural) até a tematização camponesa, fora da cultura leninista, seja na ótica dos valores (como na publicística da Igreja), seja na antropologia; diversificação, inclusive, induzida pela autonomização das ciências sociais e seus métodos (história de vida, história oral).

Como recensão, este texto pretende chamar a atenção para uma bibliografia engajada na busca deste "novo olhar" sobre os camponeses, procurando retratar alguns contornos daquela transição temática alusiva à requalificação da política e da teoria da mudança social.

1. A cultura política leninista no começo dos anos 80

No começo da transição democrática dos anos 80, teria ocorrido um "evento-fundador" do novo agrarismo brasileiro. De fato, em fevereiro de 1980, na 18ª Reunião Anual, em seu texto "Igreja e problemas da terra", a CNBB revelara o sentido do que já se vinha praticando em algumas regiões do país: uma pastoral agrária segundo novas orientações. Fazendo o balanço dos cinco primeiros anos da CPT, os bispos brasileiros recolhiam dos "casos"-símbolo da época dos anos de chumbo o fundamento para operar a "mudança social de lugar" da Instituição – preferencialmente ao lado dos pobres urbanos e em defesa dos "excluídos rurais". Dizia-se que era um compromisso vivo e não mera conseqüência de uma "opção abstrata"; fruto de um processo de interpelação ao qual a Igreja se deixara submeter no pós-64, testemunhando a evolução perversa do nosso mundo agrário (invasão capitalista, concentração da propriedade, violência, migração); e sobremaneira dialogando com uma "consciência de classe camponesa", que emergira num teatro de verdadeira "situação de luta social no campo" e dramaticamente resistia ao "capitalismo agrário" (Camerman, 1980: 20). Era uma "conversão" vivenciada como missão profética por áreas militantes da "sociedade civil" da Igreja – leigos, padres e bispos –, num processo de adesão a uma "nova compreensão dos questionamentos do povo humilde" e de redescoberta de sua "profunda sabedoria humana e cristã", donde estava nascendo, como se acreditava então, "uma nova análise da realidade acompanhada de uma nova leitura do evangelho, uma nova linguagem e uma nova prática pastoral" (Id.).

Esse aggiornamento da Igreja ocorria simultaneamente com uma espécie de movimento de dupla alteração na cultura política de esquerda de mais gravitação no mundo rural: 1) o PCB, esquerda que declinava, vivia um movimento de desontologização de sua práxis (a partir da adesão à democracia política que iniciara em meados dos anos 50), concebendo a política como locus de encaminhamento das "contradições" do mundo agrário e de resolução das agruras das cidades; 2) a Igreja ensejava a substituição da interpelação dos camponeses pela política da velha cultura comunista por uma de novo tipo, na qual era o social, revivendo valores genéricos, que estendia a interpelação do campo para toda a formação social [1]. A Igreja proclamava a sua andata al popolo, "fazendo sua a análise da situação fundiária formulada pelo homem do campo" (Id.: 21), qual Marx havia feito em relação ao proletariado, quando vira, nas famosas greves operárias da Silésia, a "expiação" de uma classe-representante geral de todos os sofrimentos da humanidade, resumindo em si a dialética da perda e recuperação totais do homem (Marx, 1843; 1967).

Diversamente da filosofia da história operária que Marx irá depois propor, aquela interpelação in fieri de um ser que, sob variadas formas, resistia ao "violento avanço do capitalismo agrário" do pós-64, ecoava nos bispos brasileiros como denúncia do clima de menosprezo às exigências fundamentais de justiça, próprio do economicismo dos anos de chumbo [2]. Como discurso politicamente gravitante, essa missão profética da Igreja, de fato, iria instigar o debate sobre os modos de pensar os temas agrários do começo dos anos 80, como se pode ver numa série de artigos publicados nesse mesmo ano de 1980, formando uma bibliografia nuançada, com autores "populistas " e "camponeses", usando a expressão de um deles, e autores ainda de raiz "operária" e "urbana", usando a de outro; de qualquer modo, uma bibliografia bem expressiva daquela discussão sobre a cultura política leninista e a práxis agrária da Igreja [3].

O deslocamento da política para o social na interpelação dos camponeses, qu.e advertimos na literatura, vai corresponder ao declínio do PCB, curiosamente em processo mais acelerado quanto maiores são as razões e efetivos os êxitos da sua política de frente única, entre os anos 1979/81. A agonia do velho "Partidão" se precipitava à medida que o PT ia se afirmando nos movimentos sociais, à proporção que o movimento sindical agrário "saía à superfície" no início da transição, com greves e sobretudo exibindo uma larga extensão territorial, com ocupações de terras que vão se prolongar por toda a década de 80. O esgotamento do PCB também estaria indicando o fim de uma cultura política inspirada na chamada filosofia da história operária, influente na nossa "sociedade civil" agrária. A busca de uma alternativa à práxis de conduzir os camponeses "no projeto dos outros", usando a expressão de José de Souza Martins, constitui a revelação do novo tipo de "mediação", que a Igreja, arrematando sua obra no processo de autonomização camponesa dos anos 50, iria afirmar em meados dos anos 80, quando os outros grupos leninistas já não tinham presença significativa no meio rural e inclusive o novo partido, o PT, começava a dividir a mobilização camponesa com o MST, também sob influxo da Igreja.

É em tal contexto que se privilegiam aqui os escritos de José de Souza Martins enquanto ensaística que, ao longo de quase vinte anos, interpela a tradição leninista brasileira, ao tempo que se torna referência para a práxis pastoral da Igreja. Tomado como texto-base, igual a Caio Prado Jr. [4], a comparação enseja procurar, nos primeiros textos do sociólogo da USP, o viés do estudo "da formação e da transformação", como na tradição, quer ao modo da publicística isebiana, quer ao estilo da própria sociologia uspiana (Florestan, Fernando Henrique, etc.) de que descende, vale dizer, a vocação para discutir um projeto para o país a partir de uma interpretação de Brasil.

Numa terceira margem – o PCB, agonizante, sem Caio Prado Jr., já não é mais chamado –, faremos menção à velha cultura política pecebista que comparece a este debate, travado sobre o pano de fundo da crítica largamente consensual na bibliografia ao seu agrarismo. Afinal, é em torno dela que o próprio José de Souza Martins organiza o seu constructo, contrapondo-se inclusive a um dos mais ilustres intelectuais comunistas. Qual "alma penada", aquela cultura política, há 40 anos, já vinha antecipando os termos de um tipo de equacionamento do tema da "relação dos camponeses com a política", seguindo a tradição de interpretação de Brasil do nosso pensamento social, tradição a que José de Souza Martins na obra mais recente (Martins, 1994) dá seqüência, a seu modo, reformulando com bastante vigor questões-chave para o debate agrário destes nossos anos 90 [5].

2. O agrarismo de José de Souza Martins

Tem-se, assim, na práxis agrária da Igreja e na ensaística de José de Souza Martins, uma valorização da luta pela terra, não só como resistência camponesa à extinção, mas também como denúncia radical do modelo de modernização do pós-64. Os bispos brasileiros, como foi explicado à época do documento da CNBB, sem ingenuidade e idealização do pretérito (os camponeses também haviam padecido com o capital comercial), iriam assumir uma posição de grande identificação com a saga deste povo oprimido, "que rejeita a consciência opressora que nele habita, encontra a sua própria linguagem e torna-se, ele próprio, menos dependente dos modelos impostos, mais livre e comprometido na transformação e construção da Sociedade" (Camermam, 1980: 23-24); saga de uma luta entre o homem com a sua "terra de trabalho" ("conceito da mais bela atualização da concepção maior, bíblica, da terra, como um bem comum, um dom de Deus à criatura para ela ser transformada pelo trabalho de todos") e a "terra de negócio", território do grande capital protegido pelo Estado (Id.: 24).

Vinculado à CPT e assessor da Assembléia da CNBB de 1980, José de Souza Martins elabora aquela conceituação estratégica numa ensaística que desde então vai ter muita gravitação. Abarcando a maioria dos seus temas, ela não poderia deixar de impactar a cultura política de esquerda. Desde este ponto de vista, podemos dizer que estamos diante de uma trajetória que envolve vários movimentos: 1) a querela com o PCB (especialmente os textos de 1980); 2) a revisão do problema agrário a partir do marxismo de O Capital; 3) a introdução do tema da cultura popular na "revolução camponesa" (os escritos de meados dos anos 80); e, afinal, 4) a fase de sua nova tematização da questão da "contemporaneidade do velho e do novo", seja retomando a "antiga" questão da territorialização dos industriais do pós-64, seja reproblematizando o velho tema da via de nossa modernização burguesa, nos seus ensaios de sociologia de história lenta. É este último viés de história comparada que torna oportunos os seus ensaios sobre as dimensões ampliadas da reforma agrária, nesta hora de retorno ao "princípio das causas gerais" da boa tradição brasileira: previsão diante da urgência, persistência para criar condições que lhe dêem vida.

No que a esta recensão interessa, a ensaística de Martins é considerada a melhor dissertação brasileira sobre a dialética da conversão da terra de trabalho em terra de exploração – a grande tensão provocada pela modernização pós-64, como testemunhara a Igreja em 1980. Com efeito, em um texto anterior à reunião da CNBB, Martins singulariza as suas análises das estatísticas do Censo Agropecuário de 1975, chamando a atenção para a persistência, e até mesmo "o drástico crescimento", do trabalho familiar, vendo nisto a expressão do "processo combinado" de expropriação e exploração do camponês, alertando – aqui a vocação publicística – para a "importância política" da expropriação (Martins, 1980b), aliás, ao modo de Caio Prado Jr., quando este, mas em ponta radicalmente oposta, interpelou o desprezo do seu partido comunista em relação aos assalariados e semi-assalariados da grande empresa rural.

Era aquela percepção da "nova dialética econômica do campo brasileiro" – vale lembrar a expressão caiopradiana – que levava agora a valorizar a resistência do campesinato ao "violento ou suave, rápido ou lento" processo expropriatório e de sua expulsão, como no Centro-Oeste e no Sul, respectiva e alternadamente. Para o ator revolucionário, o dado estratégico a ser considerado viria, então, da própria lógica da luta pela terra de trabalho – lugar de afirmação da dignidade humana – contra a terra de negócio/lugar de desumanidade: uma luta de resistência e de natureza anticapitalista, segundo já lhe diziam, em primeira mão, os seus estudos anteriores sobre os conflitos pela terra na Amazônia Legal (Martins, 1980c), onde o grande capital agrário era muito mais invasivo contra as comunidades rurais [6].

Ao mesmo tempo que procura ser uma resposta à nova realidade da modernização pós-64, o argumento flui a sua rejeição tanto ao paradigma pecebista dos "restos feudais" quanto à mais clássica crítica deste, ou seja, aquela que Caio Prado Jr. lhe opôs com a sua teoria da concentração da força de trabalho nos "grandes domínios rurais" e nas grandes empresas. Para Martins, um e outro eram discursos marcados por um "entendimento estrangeiro de destino do camponês" e não passavam de uma interpretação ocidentalizada do processo brasileiro. Era a essa concepção de ser estranho à política, condenado a desaparecer, que Martins atribuía a idéia de camponeses como grupo que necessitava da condução de outra classe (Martins, 1981b: 12). A ela se filiava a práxis pecebista que, de fato, terminara sendo uma estratégia que lhes negava o direito de "se expressar politicamente, de manifestar os termos da sua aliança com a classe operária sem a mediação de uma perspectiva política distorcida pelo compromisso da aliança preferencial com a burguesia, com as classes dominantes, com o governo e com o desenvolvimento da democracia burguesa" (Id.: 17).

O autor pretendia denunciar os últimos dias do agrarismo comunista erosionado por uma nova situação que só um marxismo de rigor metodológico, bem próprio dos anos 70 e ainda daqueles inícios dos 80, podia desvendar [7]. O seu cálculo político era o de que, à medida que se impusera uma nova leitura do pós-64, mostrando como o capital aprofundara a sua territorialização, alargara a extração de renda da terra para encorpar os lucros e garantir estabilidade dos seus negócios, e daí se evidenciasse o anticapitalismo camponês, não havia como deter o falecimento da velha concepção "operária" do PCB. Os tempos exigiam o novo movimento de "ouvir o campesinato", tanto em sua própria fala quanto através de mecanismos intelectuais aptos para decodificar e enunciar o sentido seminal de um novo modo de pensar a resistência ao "capitalismo agrário" pós-64 (Martins: 1981a: 17). Empresa de muita urgência para evitar que o "vazio de representação" entre o ascenso da mobilização agrária e a debilidade das esquerdas, a Contag incluída, não fosse preenchido pelo reformismo agromilitar tardio (recordem-se as iniciativas do Governo Figueiredo, criando inclusive o Ministério para Assuntos Fundiários, no começo dos anos 80).

No início da transição democrática, José de Souza Martins teoriza uma "dialética do campo brasileiro" dominada pela expropriação da terra, a exploração do trabalho (esta a insistência de Caio Prado Jr.) aparecendo num segundo plano, muitas vezes embutida na propriedade fundiária e por ela escamoteada, ao contrário do processo vivido pelos grupos subalternos na cidade. O caso brasileiro se singulariza do modelo clássico: enquanto neste o capital se expandira à custa da expropriação e da proletarização dos trabalhadores do campo, "uma coisa produzindo necessariamente a outra", aqui o capital expulsara e continuava expulsando, mas não proletarizara(va) o trabalhador, este dado sociológico tornando-se estratégico: "É que uma parte dos expropriados ocupam novos territórios, reconquistam a autonomia do trabalho, praticam uma traição às leis do capital" (Martins, 1980c: 16-17). Se já não o era desde antes, no pós-64 o mais sério e principal erro da "questão política do campo" consistia em "propor a exploração e não a expropriação como eixo principal da questão política no campo, como seria grave erro político colocar a expropriação e não a exploração como eixo da questão política na cidade" (Id.: 20). Daí José de Souza Martins ampliava o ponto para interpelar toda a cultura política pecebista – aliás, esclareça-se, uma cultura política inspirada na velha teoria da aliança operário-camponesa mas que, a duras penas, inclusive sob pressão latente da publicística de Caio Prado Jr., evoluíra para um agrarismo de definição "urbano-operária", incompleto, porém bastante diferenciado dos de Julião e de outros grupos, de fora e de dentro do próprio partido [8].

De fato, o argumento de Martins, sobremaneira nos primeiros textos, se constrói como um ajuste de contas com a teoria dos entraves das relações de produção pretéritas, a qual o PCB e também o Iseb, a rigor, extraíam do Manifesto Comunista; um dualismo, segundo Martins, cuja funcionalidade à acumulação capitalista a bibliografia já havia mostrado, mesmo antes da década de 70; tema, aliás, consistentemente equacionado pelos estudos do "Grupo da USP" (Fernando Henrique Cardoso, Otávio Ianni e J. A. Gianotti). (Martins, 1998b). Como chama a atenção Sylvia Maria Gomes Faria, em sua comparação entre Caio Prado Jr. e José de Souza Martins, a questão agrária no sociólogo da USP era a questão do "capital" e de suas leis no "movimento orgânico" da sua territorialização. Como aqui, diferentemente da experiência clássica, o capital expropria e expulsa, mas não necessariamente proletariza, o problema da posse da terra, especialmente com a "militarização da questão agrária" durante a ditadura, adquire dimensão estratégica e as lutas pela sua posse ganham forte sentido anticapitalista [9]. No início dos anos 80 – vivia-se a democracia reconquistada –, no novo contexto de ocupações e de virtual crise do direito de propriedade, a figura do posseiro passava a questionar o próprio pacto político de sustentação do Estado, não sendo a sua luta para garantir a vigência da legislação, mas para provocar o seu descumprimento e modificação (Faria, 1990), ao contrário do cálculo caiopradiano que via na extensão das reivindicações e leis trabalhistas a grande transformação do mundo rural [10].

Aliás, é bom frisar que, às vésperas de 64, escrevendo contra a corrente, no último número da Revista Brasiliense, Caio Prado Jr. não valoriza o potencial disruptivo das Ligas Camponesas: "Não pode ser contestado que nas condições altamente favoráveis do momento presente, tanto no que respeita à situação econômica, social e política geral, como no que se refere à compreensão e luta dos trabalhadores rurais brasileiros, a questão agrária marcha muito lentamente na generalidade do país. E continuará assim por muito tempo, até que as forças políticas populares e de esquerda se decidam intervir acertadamente no assunto, deixando de lado a estéril agitação por objetivos que se acham no mais das vezes, na situação atual do país e no momento que atravessamos, muito além e mesmo inteiramente fora do realizável, a fim de se concentrarem naquelas tarefas da reforma que efetivamente respondem à sua fase e etapa atuais. Essa é a condição para o apressamento da transformação e renovação da economia agrária brasileira, preliminar necessária do novo Brasil de amanhã que se está construindo" (Id.: 8-9).

A requalificação do protagonismo do "campesinato insubmisso", como Martins chama os lavradores autônomos – agora à frente de lutas distribuídas num território maior, pois se haviam estendido das "restritas zonas" do Nordeste e do Sudeste por extensas áreas do Centro-Oeste e do Sul, e no geral pontilhavam todo o país levadas pelos "sindicatos de pequenos proprietários, posseiros e arrendatários" da Contag [11] –, faz com que José de Souza Martins se volte para os movimentos messiânicos e milenaristas do passado e especialmente para as Ligas Camponesas, não como os movimentos pré-políticos da bibliografia, mas como expressões identitárias e disruptivas da ordem, seres que inclusive incomodavam os esquemas abstratos dos intelectuais da esquerda (Martins,1981a).

José de Souza Martins não só inscreve o debate agrário do pré-64 na crítica antidualista da época, como sobremaneira denuncia com extrema severidade a política de frente única comunista. Inclusive, dela teria resultado o "grave desfecho" que teve a disputa travada entre as Ligas, o PCB e a Igreja pela hegemonia na organização dos camponeses e trabalhadores rurais; segundo Martins, o processo se conclui com a marginalização de Julião e das Ligas na estruturação da Contag, afinal organizada, em 1963, a partir da aliança dos comunistas com os católicos. Em maio de 1981, José de Souza Martins assim explicava a responsabilidade do agrarismo comunista: "À medida que cresceu em importância conjuntural a política de frente única e de aliança entre a classe operária e a burguesia nacional, o lugar político do campesinato passou a ser definido pelo papel menor que pudesse representar na constituição de uma democracia burguesa" (Martins, 1981b: 10).

Essa interpelação dirige-se mais a uma versão rasteira do marxismo-leninismo – sem nunca se referir ao pecebismo que abria caminho atravessando a "couraça ideológica" de que falava Moisés Vinhas (Vinhas, 1982), em dissidência com o campesinismo do "Manifesto de Agosto", e que se afirma progressivamente a partir da "Declaração de Março de 1958" sobre a "nova política" do pós-estalinismo. Ressalve-se que a crítica de Martins, de fato, aludia a dois pontos sensíveis da evolução do PCB: 1) a ampliação da noção de "aliança operário-camponesa", com o (quase completo) abandono da tese dos camponeses como "questão central" da revolução (recorde-se que os comunistas falavam de revolução "nacional e democrática"; o Iseb, de "revolução nacional"), num movimento de incorporação do tema do nacionalismo polissêmico [12] e de valorização das camadas médias urbanas como um dos "aliados fundamentais", já não mais vistas como classe-apoio, vacilante e pouco confiável; 2) o tema da democracia política, que não só lhe confere eficácia à atuação prática, como tensiona a sua autodenifinção de partido revolucionário e o leva a visualizar, nos processos políticos (o antigolpismo após a morte de Getúlio, o governo Juscelino, Jango; a resistência democrática pós-64) a possibilidade do surgimento de uma alternativa de gradualismo pluriclassista-reformador mediante uma via "pacífica", como nos documentos oficiais, mas, como se descrevia em alguns textos, com o sentido de "via política" – uma espécie de "caminho brasileiro" para o socialismo, ao modo do PCI de Togliatti.

Além de responsabilizar a práxis agrária do PCB – um "projeto dos outros" – pelo isolamento das Ligas Camponesas – que se obstinavam em não conciliar "em toda a extensão com a política de frente única" –, Martins também vê nas próprias ações de reforma agrária de João Goulart, principalmente o Estatuto do Trabalhador Rural – essa conquista dos agraristas "operários" –, própositos para "esvaziar ainda mais as Ligas Camponesas" (Martins, 1981a: 90). Com toda a severidade, José de Souza Martins assim via o imaginário "dualista-democrático-burguês" do pré-64: "Os diferentes grupos que procuraram resgatar a voz do campesinato e dar-lhe dimensão política, mobilizando-o e recrutando-o, seja nas lutas imediatas, nos movimentos sociais localizados, seja nas associações e sindicatos, para fazer da sua queixa uma queixa política e permanente, empenharam-se de diferentes modos e com diferentes intensidades em evitar uma revolução camponesa no Brasil. A preocupação com o crescimento do mercado interno que praticamente marcou todos os grupos, como estratégia de um desenvolvimento capitalista autônomo, antiimperialista, era uma preocupação muito distante da luta pela terra, da luta dos camponeses contra a renda fundiária" (Id.: 92).

Mesmo em sua dissertação posterior sobre o processo de territorialização do capital, Martins ainda vai se referir à política de frente única. A força da raiz dualista do modelo de diferenciação das frações urbanas e rurais da burguesia, segundo ele, ainda terá efeitos tardios, encobrindo as novas intenções das elites nacionais pós-64. Sem interpelá-lo, não se veria o sentido da reforma agrário-burguesa de ampliação do mercado interno, também mediante mudanças na estrutura fundiária, posta na agenda dos militares, de resto, receosos da guerrilha rural. Não se esclarecendo as fronteiras entre o ideário do iluminismo das forças produtivas do pré-64 e o mito da "modernização" da nova era, resultava difícil apreender o verdadeiro alcance – "evitar a revolução camponesa" – do Estatuto da Terra de Castelo Branco (Martins, 1984).

Em outros textos da década de 80, José de Souza Martins continuará falando da falência das esquerdas na condução dos camponeses à libertação da dependência, processo paralisado desde 64 (Martins, 1988; 1989), não fosse o aggiornamento da Igreja, mais afeita e competente para esse tipo de "inovação cultural" em contexto de tradição. Martins chega, inclusive, a referir atitudes conciliatórias das esquerdas com as velhas classes políticas, no que só teria contribuído para a derrota da Constituinte (Id.). Sem levar em conta que nessa época a tática de frente única já não tinha apelo efetivo e o realismo do reformismo possível convencia pouco; ausências já visíveis na cultura política da nova esquerda, as quais, numa outra leitura, é que não teriam dificultado suficientemente as iniciativas do "Centrão", evitando o revés da Carta Magna.

Essas associações precisariam de contextualização discursiva mais ampla, com recurso aos textos mais recentes, incluídas as inúmeras entrevistas-ensaio do autor. No entanto, parece fora de dúvida que, na primeira fase da sua ensaística, Martins se põe diante do novo quadro – segundo ele, 64 destroçara a interpretação dualista e a "invasão cultural da realidade rural pelos extensionistas", e sobremaneira cancelara o padrão de aliança da classe operária com a burguesia nacional – disposto a realizar uma dupla tarefa: 1) esvaziar a "concepção proletária da situação social e política", própria da cultura leninista; 2) desbloquear a aceitação da presença camponesa, facilitando nas esquerdas a convivência entre as classes básicas – dos que sofrem a exploração e dos se ressentem do processo expropriatório –, "cada qual com o seu tempo histórico, a sua luta e a sua visão de mundo" (Martins, 1989). Martins compartilhava, porém, da velha cultura política, o tema da "aliança operário-camponesa" como atributo de definição revolucionária, em relação à qual os comunistas do PCB vinham tentando reorientar a sua política, à medida que gestavam dissertação própria sobre o processo de constituição do "modo de produção especificamente capitalista" na formação social brasileira e se aproximavam da sociologia política comparada. Era uma evolução intelectual que expressava o caráter ocidentalista da práxis de vocação democrática que o PCB praticava e o levava a diversificar o seu marxismo, não no sentido da tendência mais comum do marxismo de O Capital, mas para uma espécie de "marxismo cultural", sobremaneira para o marxismo político de Lenin, ao qual já se tinha afeição, e, por fim, em direção a Gramsci, trazido pelos seus intelectuais eurocomunistas.

3. Prussianismo e democratização na última ensaística do PCB

A querela de Martins contra o agrarismo pecebista poderia ser lida em associação com a pouco conhecida "questão comunista no Brasil" e os processos intelectuais que conferem interesse a certa publicística mais recente. Embora não pretenda apresentar aqui certos itinerários do comunismo tardio, cabe referir alguns traços do movimento mediante o qual os comunistas, ou uma parte deles, se se quiser, mas influente na definição da política oficial do PCB, levam adiante no pós-64 o seu marxismo de tipo político [13].

Não por acaso, as referências que mais chamam a atenção nessa bibliografia vão ser os clássicos da modernização tardia, ou seja, os autores das teorizações da "revolução pelo alto": 1) um Lukács que já havia sido posto em circulação no projeto de arejamento estético-cultural do marxismo brasileiro empreendido por Ênio da Silveira e pela Revista Civilização Brasileira nos primeiros anos após 64. Ar fresco que teria induzido alguns comunistas, primeiro, a um gramscismo cultural, mas logo a um outro de assemelhamento da frente única antiditatorial à "guerra de posições"; 2) também será relido o Lenin publicista do cálculo estratégico, tal como nos opúsculos Duas táticas da social-democracia russa (este, como se sabe, dedicado ao tema do democratismo, de 1905) e O Programa agrário da social-democracia russa (de 1907, onde aparece a noção de via prussiana de constituição da ordem burguesa); 3) e, por fim, já em meados dos anos 70, o Gramsci do Risorgimento, que viria reproblematizar entre nós o "prussianismo" tanto como cânone de interpelação da nossa modernização, quanto como abertura analítica que aprofundaria a leitura leniniana da política – como se poderia ver nas "introduções" escritas pelos intelectuais pecebistas a vários títulos de e sobre Gramsci, publicados no Brasil entre 1966 e 1986 –, em associação com o revival eurocomunista do "caminho italiano" oriundo de 58, quando então se começou a pensar o socialismo em termos de um processo de democratização progressiva da sociedade.

Resultaria interessante desenvolver este ponto do "politicismo" pecebista e sua pequena ensaística eurocomunista a partir de uma comparação entre as trajetórias de Caio Prado Jr. e de José de Souza Martins, considerados, o primeiro, como texto emblemático do pré-64, o segundo, como ensaística que melhor se afirma no agrarismo emergente na transição democrática dos anos 80. Caio Prado Jr. extraíra sua reflexão agrária de uma teoria (definitiva) sobre o Brasil Colônia, com a qual, aliás, denuncia o elitismo da historiografia brasileira (Prado Jr.,1933) e interpela o campesinismo antifeudal do seu partido por mais de trinta anos (1942; 1966), oferecendo ao debate nacional a dissertação sobre o capitalismo agrário. Invocando um marxismo de "desenvolvimento desigual", Martins teoriza o processo de territorialização do capital no Brasil, contra o que ele chamava de "materialismo racionalista" e a teoria do entrave da terra ao industrialismo. Como se fez referência anteriormente, o propósito deste último autor era mostrar como as lutas camponesas contra a renda capitalista da terra haviam diluído a figura dos latifundiários/inimigos dos operários e burgueses do imaginário clássico.

Mais instigante ainda seria ver as aporias dos dois publicistas. Caio Prado Jr. não transcende o seu modernismo agrário nem consegue definir uma estratégia revolucionária de democracia política, justamente porque não teria radicalizado a sua imagem de Brasil nos termos da equação gramsciana da ocidentalização, como é evidente na sua reserva diante do processo de intenso desenvolvimento das forças produtivas do pós-64 (Coutinho, 1989). Daí ele não tematizar a "democracia política", como Sodré no pré-64 e o PCB, desde 1958 [14], nem pôr em dúvida a tese da centralidade da aliança "dos trabalhadores urbanos e rurais". O seu ponto vai consistir, como se sabe, na importância que ele atribui à concentração dos contingentes de assalariados e semi-assalariados nos principais ramos produtivos da agricultura de grande empresa, assentamento que, no seu cálculo, estendia as reivindicações trabalhistas e o sindicato à "generalidade do país". Em pólo oposto, José de Souza Martins vai valorizar a resistência camponesa, espalhada por todo o país. Enquanto o primeiro pensava, em moldes leninistas, tudo indica, numa revolução de centralidade operário-camponesa e que haveria de constituir um Estado nacional capaz de satisfazer as necessidades da maioria da população (Freitas, 1993), o segundo fazia a sua aposta na capacidade de a luta pela terra questionar a própria ordem social, com uma tal força implícita em seu agrarismo anticapitalista que o iria aproximar das conceituações de ser genérico, que a Igreja, por sua vez, divisava na resistência camponesa à "modernização técnica" da agricultura, vendo na sua práxis agrária um reencontro com a própria vocação religiosa [15].

Ainda não se fez uma associação entre esse tipo de aporia e o pecebismo político contemporâneo, ou seja, uma estratégia de uso contínuo da frente única centrada no aprofundamento progressivo da democracia política, concebida como processo de reversão do elitismo da vida política nacional e do seu regime de exclusão social. Há indícios de que a ensaística do comunismo tardio tentara superar a dificuldade de Caio Prado Jr. de reconhecer plenamente o nosso ocidentalismo, marcado por arranjos entre elites modernas e arcaicas com exclusão popular (Coutinho, 1989). Com efeito, o tema das "revoluções pelo alto" pode ser visto como um passo adiante na tentativa do comunismo brasileiro tardio de explicar o Brasil. Sem se voltarem basicamente para a questão agrária, serão os chamados jovens eurocomunistas da segunda metade dos anos 70 que, retomando da bibliografia clássica o tema das relações de classes agrárias com o político, vão empreender uma releitura da modernização brasileira em ruptura com o terceiro-mundismo do seu partido, tema que havia sido aberto no debate sobre o estalinismo em 1956/57 no PCB.

Vistos como ponto alto da diferenciação da matriz dissipativa do marxismo-leninismo, alguns desses textos sugerem uma evolução do PCB rumo a uma cultura política bem diversa da que José de Souza Martins recusava. Pequena bibliografia, além de única em seu campo, sua importância estaria em se constituir numa inflexão no ensaísmo brasileiro dedicado ao tema da nossa "ocidentalização".

Assim, enquanto os autores clássicos justificavam os seus prussianismos como transições chamadas a superar o duradouro caráter "passivo" da nossa organização civil [16] – Freyre em guarda diante do interesse privado, segundo ele, sempre reativo ao bem geral, e Jaguaribe, americano, a ele mais aberto, considerando-o elemento da democracia pluralista –, a publicística eurocomunista vai definir a democracia política como a via da ocidentalização, fazendo dela um "valor universal" (Coutinho, 1979; 1980) e continuando a tradição pecebista de valorização da luta pelas liberdades, das eleições e da política como tal.

É possível reconstituir esse caminho de pedras, seguindo o uso dos conceitos de "política", tal como em Que fazer? (recordar a pedagogia que a sua qualidade generalista proporcionaria aos operários e camponeses), e de "caminho prussiano", como no opúsculo leniniano de 1907. O primeiro, ligado à noção de frente única como suplementação da força de que a aliança operário-camponesa carecia no modelo do capítulo IV de O Manifesto Comunista e em Lenin, serve agora para recuperar a práxis política como criação e previsão. O segundo já aparecera nos debates do V Congresso de 1960, ali reportando as duas vias de evolução agrária. As conseqüências analíticas das categorias, porém, só se tornam plenas, quando se realça a associação que Lenin fazia do problema agrário com a forma do político no capitalismo tardio, ou seja, o tema dos seus cursos mais prováveis: "pelo alto", mediante reformas lentas, ou mais acelerado, com o concurso tenso da política para devassar o sistema político com democratismo popular. Não estranha que a noção de caminho prussiano logo servisse a alguns deles para equacionarem a problemática da assimetria entre economia e política, levando a sua releitura da modernização brasileira para o campo da história comparada, onde sequer faltariam Gerschenkron, Eisenstadt e Barrington Moore [17].

Por outro lado, a prática de frente única do seu partido iria levar tais publicistas a se aproximarem de modo mais podutivo ao Gramsci (propriamente) da política (o da "cultura" já viera com as ações pioneiras da Civilização Brasileira) – inclusive, o gramscismo de assemelhamento da natureza gradualista da resistência antiditatorial a uma estratégia de Ocidente (Coutinho, 1986). Agora, a interpelação de Gramsci já incorporara o sentido da dissertação sobre o Risorgimento e a relação Estado-intelectuais como o "partido industrialista" do capitalismo tardio. Tema não de todo estranho ao nosso pensamento social. No pré-64, Sodré já havia chamado a atenção para a pluralidade das forças do Estado Novo, que levara adiante a "revolução burguesa sem o proletariado" (Sodré, 1962), sempre lembrando o protagonismo das camadas médias. Jaguaribe, em seu livro Desenvolvimento econômico e desenvolvimento econômico (1962), havia falado de um processo modernizador conduzido pelo "partido do desenvolvimento", ao modo do Partido do Congresso de Nehru, aqui corporificado nas figuras do Vargas da aliança PTB-PSD e de Juscelino (Id.).

A movimentação dos jovens intelectuais eurocomunistas consistia em realizar tarefas preliminares ao aggiornamento da política de frente única na segunda metade da década de 70. Artigos publicados na imprensa pecebista da época permitem observar uma concentração em dois temas: a) de um lado, o da ampliação do marxismo pecebista; b) de outro, o da reformulação da "imagem de Brasil", agora percebida como uma formação social já complexa, embora ainda marcada pelos processos prussianos e sedimentações de revolução passiva (atraso agrário, institucionalidade frágil, etc.) e pelos laços da dependência.

Tal ensaística procuraria interpretar a modernização brasileira, no contexto de 1930, como um processo de apropriação do Estado que vai resultar na conservação das estruturas agrárias e do velho sistema político. A aliança da elite rural com os setores urbanos, então emergentes, é que vai conferir à nova configuração estatal uma dimensão universalizadora, propulsionada não pelo grupo produtivo "predestinado", mas por uma amálgama de elites agrárias e camadas médias que viverão o "Estado demiúrgico", realizando a nacionalidade, "como pensaram" os grandes ensaístas da época; de fato, conduzindo "pelo alto" a marcha da industrialização do país. Na ausência de um campesinato dinâmico, mobilizável a partir da lógica do mercado, a natureza da coalizão vitoriosa em 30 interdita a resolução da questão da terra (mantendo o "exclusivo agrário"). O sistema corporativo de feição fordista de Vargas e o seu populismo podem ser lidos como um processo transformista (Vianna, 1976).

Com esse núcleo argumentativo se procurava singularizar o processo brasileiro, dar conta do impasse que a bibliografia apontava tanto na ausência dos industriais em outubro de 1930, como simultaneamente nos efeitos trazidos pelo movimento varguista para a imposição de interesses industriais na estrutura econômica. O ponto da ensaística consistiria nisto: o caso brasileiro seria peculiar como uma via industrialista que avançava sob os auspícios da política, sem um processo de criação de uma institucionalidade burguesa que permitisse à classe produtiva ser hegemônica na nova ordem em construção (Id., 1976). Em outro texto, Werneck Vianna extrairá as conseqüências dessa leitura da modernização brasileira risorgimentale, ressaltando como marca fundamental o fato de ela ser um processo no qual a burguesia cresceu e expandiu seu domínio sem postular sua hegemonia social e política, sempre amparada no Estado, "fazendo dele seu partido político real". Ao manter sua aliança com as oligarquias agrárias atrasadas e ao ter se realizado como classe sem ter dirigido um processo revolucionário, ela se tornava incapaz de liderar a democratização da sociedade. Daí se poder pensar o "sentido revolucionário" da luta democrática neste país, como no caso da resistência ao regime de 64 (Vianna, 1981).

O fundamento dessa proposição, contraposta à cultura política dominante, adviria, ademais, de uma interpelação à bibliografia da sociologia da modernização, aggiornata na bibliografia sobre os processos de redemocratização da Europa dos anos 70 (Espanha, Portugal, etc.), aqui começando o argumento pela pontuação do caráter não-recessivo da "contra-revolução brasileira", ou seja, considerando como questão-chave a relação entre o processo de intensificação do crescimento das forças produtivas nacionais, experimentado no pós-64, e a natureza da transição democrática iniciada na passagem dos anos 70 para a década de 80, sob a lógica – esse é o ponto – da assimetria entre economia e política e da oportunidade de desempenho dos atores políticos. Aqui não só se discutia a relação de complementaridade entre "transição política" e "revolução", velho tema sempre exposto nos momentos de crise política, como se realçava o caso daqueles países que se modernizaram tardiamente por via autoritária, sem a criação de uma institucionalidade política adequada. A experiência de lá e de cá sugeria que, na hora do colapso dos seus regimes autoritários, formara-se uma situação na qual a perspectiva da revolução subsumia a da transição (Vianna, 1983).

Daí a atualidade da política de frente democrática do PCB como uma estratégia de "democratização progressiva da sociedade", processo de aproximação à reforma da sociedade brasileira, em substituição à mentalidade revolucionarista. Em lugar da centralidade operário-camponesa, esse "marxismo brasileiro" vai conceder toda a importância ao tema da relação convergente entre a democratização social e a democracia política, no campo da política, importando esta alteração metodológica num outro tipo de colocação do problema camponês, o qual já não seria mais considerado a "questão central da revolução". Afastando-se da sociologia das revoluções, essa bibliografia passaria a ver os camponeses sob o recorte da ciência política e o seu problema como o da incorporação plena à vida nacional, evidente, aliás, na trajetória do velho "Partidão", que durante décadas resistiu, conciliou, mas não radicalizou o seu campesinismo, pelo menos desde a "Declaração de Março de 1958".

Os seus últimos ensaístas vão se manter fiés àquela tradição de pensar a questão agrária desde a política geral. Isto pode ser visto especialmente naquele que mais se dedicou ao problema agrário, Ivan Ribeiro, cuja ensaística começa com o tema do prussianismo "clássico", no seu artigo "Agricultura e capitalismo no Brasil" (Ribeiro, 1975; 1988), e envolve a experiência camponesa de pequena produção vivida no socialismo real (Polônia), a luta pela reforma agrária em processo político aberto (na "via política" de Allende), a experiência com o eurocomunismo italiano; e que irá se encerrar, com a sua morte em 1987, na hora em que travava a luta pela reforma agrária no interior do Governo Sarney.

Como Caio Prado Jr., Ivan Ribeiro não percorre o deslocamento da interpelação da política para a valorização do social agrário em si, mas se volta criticamente para a própria tradição, desvendando a ambigüidade do conceito de democracia apenas como incorporação econômico-social dos camponeses, de larga utilização no pré-64. Sua procura é a da alternativa de deslocar a problemática da reforma agrária do "estrutural" para o âmbito do "institucional" – evitando o enfoque classista da associação imediata da política aos grupos sociais –, para chegar a uma outra maneira de pensá-la politicamente, como ele depois esclarece, "com o objetivo de tornar possível aos camponeses e trabalhadores rurais entrar no jogo político enquanto força de classe e individualidade", isto é, levá-los para dentro do sistema político (Ribeiro, 1983).

Em continuidade ao significado de generalidade que Caio Prado Jr. vê na questão agrária, Ribeiro também crê que não se justificaria a criação de uma economia camponesa no setor moderno da agricultura, onde se deveria ampliar a luta por melhores condições de trabalho, universalizar a legislação trabalhista e enraizar um largo e diversificado associativismo, como queria o historiador comunista. O que não implicava menosprezar a economia familiar camponesa, para a qual, por não ser ainda capitalista, Ribeiro, sabedor de outras experiências, achava que um processo de reforma agrária à americana poderia trazer grandes benefícios e representar um avanço considerável.

Ivan Ribeiro se mantém atento ao processo da "modernização excludente" que levava a uma diferenciação "para baixo", com a dissolução das pequenas propriedades e a transformação dos camponeses em trabalhadores volantes e assalariados nos pequenos centros urbanos regionais, num contexto de fragmentação social, processo já bem descrito pela bibliografia em meados dos anos 80. Ele percebia também que, se os camponeses perdiam a sua definição econômico-revolucionária, "eles" adquiriam nos (ou em interação com) grupos sucedâneos um protagonismo de novo tipo, gerando processos políticos outros, convergentes inclusive com a penetração da mídia no campo, os quais aceleravam ainda mais a erosão da ordem de mando oligárquica da nossa sociedade agrária (Id.). Em suma, situava o tema agrário na dissertação sobre a convergência estratégica do processo de democratização social com o aprofundamento da democracia política, isto é, na tradição do ensaísmo brasileiro de se anunciar mediante interpretação do Brasil.

Em seus últimos intelectuais, o PCB ainda segue a metodologia de procurar decifrar o "caráter da formação social", domínio de onde, partido de práxis teoricamente orientada, olhava o país em busca dos cursos mais favoráveis ao desenvolvimento do protagonismo pluralizado da sociedade, a se processar no campo da política e para ter vida nas instituições democráticas, sempre renovadas.

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Raimundo Santos é professor do Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

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Notas

[1] Comentando o texto da CNBB, Camerman observa que "O documento 'Igreja e problemas da terra' de fevereiro de 1980, depois de alguns anos de um intenso e organizado trabalho pastoral no campo, é uma resposta consciente e concreta do episcopado brasileiro face à emergência cada vez maior de uma consciência camponesa que interpela toda a sociedade no atual momento histórico brasileiro" (Id.: 21).

[2] O documento da Igreja era a "escuta privilegiada dos pobres de Jahvé", por meio de uma testemunha compromissada com o seu sofrimento: "Os bispos reunidos em Itaici relataram alguns desses conflitos localizados em todas as regiões do território nacional e analisaram os mecanismos em ação e as tendências notórias desses acontecimentos. Sensibilizados há tempo pelo sofrimento de tão grande parte da população brasileira, eles resolveram não apenas escutar os gritos cada vez mais audíveis e unânimes do homem do campo e a sua rejeição de uma economia desvinculada do homem, mas assumir uma posição de animação da esperança e de apoio à justa luta e organização do trabalhador" (Camerman, 1980: 22).

[3] Desde logo, seguindo a boa tradição, a revista Encontros com a Civilização Brasileira dedicou grande parte do seu número de abril de 1980 ao tema da reforma agrária, com vários artigos, entre os quais dois são emblemáticos: "A propósito de terra e de Igreja", de Otávio Guilherme Velho, e "A sujeição da renda da terra ao capital e o novo sentido de luta pela reforma agrária", de José de Souza Martins. Este último autor, como veremos adiante, publica uma série de artigos em revistas e livros entre os anos de 1980/81. Aliás, em seu texto clássico "Os camponeses e a política no Brasil", de janeiro de 1981, Martins responde algumas críticas "antipopulistas" que então foram feitas ao documento da CNBB. ("Itaici: a questão agrária à luz da Doutrina Social da Igreja", de Rubem Murillo Leão Rego e Sérgio Silva; "O populismo caipira", de A. Silva; e, desde logo, o texto de Otávio Guilherme Velho, acima citado). (Cf. Martins, 1981a).

[4] A obra do historiador paulista pode servir a uma incursão à controvérsia clássica do pré-64 (cf. Raimundo Santos e Luiz Flávio Carvalho Costa, "Camponeses e política no pré-64", especialmente meus apontamentos "O agrarismo brasileiro na interpelação de Caio Prado Jr.". In: Carvalho Costa e Santos, 1998).

[5] Em minha resenha do livro do MST: A reforma agrária e a luta do MST, organizado por J. Pedro Stédile, faço um registro desta contribuição de José de Souza Martins (Cf. Santos, 1998a).

[6] Martins registra também que o conceito de "terra de trabalho", embora em outra chave e polarização, também aparece no estudo de Afrânio Raul Garcia Jr., "Terra de Trabalho – Trabalho familiar de pequenos produtores". Museu Nacional: Rio de Janeiro, 1975 (Martins, 1980c).

[7] Ver, por exemplo, o seu artigo "A sujeição da renda da terra ao capital e o novo sentido da luta pela terra", de abril de 1980, no qual o autor anuncia a falência da reforma agrária distributivista e procura mostrar o sentido de luta contra o capital que já assumira a luta pela terra (Martins, 1980a). Aliás, em texto anterior a este, Martins já se contrapusera ao que ele chama de "marxismo evolucionista brasileiro", que só via os "padrões formais e clássicos" do modelo marxiano do processo de constituição do "modo de produção especificamente capitalista", cópia, segundo ele, que inclusive iria tornar eufóricos alguns intelectuais com a descoberta, no final dos anos 70, do "autêntico proletariado agrícola" na figura do "bóia-fria" brasileiro. José de Souza Martins então chamava às distinções "redutoras" de um verdadeiro marxismo, capaz de desfazer a confusão entre a renda territorial capitalizada e o "capital e o seu processo", de compreender a noção de modo de produção, referida em Marx a processo de trabalho e a processo de exploração, "este, sim, definidor de modo de produção na acepção clássica e histórica" (Martins, 1979; 1986: 96-97). Martins propunha um marxismo alternativo ao marxismo de credenciais, que não deixava ver que: "É no campo, sobretudo entre os lavradores autônomos, que se vive o confronto mais radical com os princípios da ordem vigente. Porque se abre diante deles um destino que o operário já não experimenta: o destino da desapropriação, da proletarização, da perda de autonomia. É no campo, por exemplo, que se pode ouvir uma palavra raramente ouvida entre os operários urbanos: a palavra liberdade. É claro que ela não tem a conotação pequeno-burguesa e acadêmica à qual estamos acostumados. Por isso mesmo deve ser ouvida e entendida" (Id.: 101).

[8] A respeito, ver o meu texto "O agrarismo brasileiro na interpelação de Caio Prado Jr.". In: Carvalho Costa e Santos (1998).

[9] Martins assim conclui o seu artigo inicial desse marxismo rigoroso: "Uma reforma agrária distributivista constituiria, neste momento, uma proposta desse tipo, ou seja, uma proposta inexequível historicamente, como só pode ser qualquer proposta que advogue a reforma das contradições do capital sem atingir o capital e a contradição que expressa: a produção social e a apropriação privada da riqueza. O questionamento da propriedade fundiária, levado a efeito na prática de milhares de lavradores neste momento, leva-os, mesmo que não queiram, a encontrar pela frente o novo barão da terra, o grande capital nacional e multinacional. Já não há como separar o que o próprio capitalismo unificou: a terra e o capital; já não há como fazer para que a luta pela terra não seja uma luta contra o capital, contra a expropriação e a exploração que estão na sua essência" (Martins,1980a: 219-20).

[10] No seu texto "Marcha da Questão Agrária no Brasil", Caio Prado Jr. contrasta as duas lógicas – a da luta pela "reforma agrária radical", pela "eliminação do latifúndio" (sic), restrita a áreas e situações excepcionais de posseiros (Oeste paranaense, Goiás e zonas do Nordeste); e a das lutas dos trabalhadores das regiões de real e fundamental expressão econômica (lavoura canavieira do Nordeste e do Centro-Sul, cafezais de São Paulo e Paraná, cacauais da Bahia, etc.), com grande concentração de população, onde tinha curso, "em contraste com a agitação", "uma luta e a abertura de amplas perspectivas de reforma e renovação econômica, social e podemos dizer política, que se apresenta no setor das reivindicações trabalhistas" (Prado Jr., 1964).

[11] Em seu artigo "Os trabalhadores do campo em busca de uma alternativa", Martins registra as diversas formas da luta dos pequenos proprietários (em cooperativas e sindicatos, por preços agrícolas, contra os juros bancários, etc.), dos posseiros (no sindicato, para regularizar a sua situação, etc.); dos arrendatários, lutando por direitos, abrindo pendências na justiça, em suma, lutando por autonomia e liberdade (Martins, 1980b).

[12] Sobre este ponto específico, ver as tentativas de equacionar a questão do nacionalismo nos seguintes artigos da imprensa comunista da época: Carlos Marighela, "Nacionalismo, fator de libertação" (Voz Operária, 29/06/57); Jacob Gorender, "Os comunistas e o movimento nacionalista (Voz Operária, 13/07/57); Calil Chade, "O nacionalismo de um país oprimido" (Voz Operária, 10/08/57). Interessante seria procurar ver como a política dos comunistas é bem mais política do que se pensa, a partir das chamadas seções de "tática" em seus documentos, como, entre outros, a "Declaração de Março de 1958" (Nogueira, 1980), o "Informe de balanço do Comitê Central sobre o V Congresso" (PCB, 1960), o "Informe de balanço do Comitê Central sobre o VI Congresso" (1967; Nogueira, 1980) e a "Resolução da Comissão Executiva do Comitê Estadual do PCB da Guanabara" (1970; Guedes, 1981).

[13] Tema antigo, essa relação entre o PCB e a sua chamada "sociedade civil" (dissidentes, intelectuais rebeldes, dirigentes estrategistas, quadros intermediários, sindicalistas, etc.), ou seja, entre o impulso à atualização e a contemporização da direção partidária com correntes internas, aparece em vários documentos pecebistas (Santos, 1988). Sobre este ponto específico do pecebismo tardio, ver o meu texto Um itinerário no marxismo brasileiro (Santos, 1998d).

[14] Estas são as últimas palavras de Sodré no seu Formação histórica do Brasil: "A defesa do regime democrático, no processo da Revolução Brasileira, não se prende, assim, ao supersticioso respeito a uma legalidade formal, mas na compreensão de que a democracia é o caminho apropriado ao seu desenvolvimento. Não interessa ao nosso povo, evidentemente, uma legalidade qualquer, e uma democracia qualquer, mas o regime democrático efetivo cujo conteúdo esteja intimamente ligado ao desenvolvimento de alterações econômicas, políticas e sociais capazes de afetar profundamente o país e corresponder ao avanço das forças produtivas que impõem modificações radicais nas relações de produção. A composição das forças no quadro mundial como a composição das forças no quadro interno mostram que as perspectivas da Revolução Brasileira são as mais amplas. A rapidez com que se processará ou os retardos que possa sofrer dependem, entretanto, da ação dos homens, da ação política, da ação organizada, da análise e do entendimento como da prática. Para que tal ação possa desenvolver-se, a manutenção e a ampliação do regime democrático aparece como imperiosa necessidade. A emancipação do Brasil não é uma tarefa conspirativa, mas a empresa de todo o povo" (Sodré, 1962: 404-5).

[15] Sylvia Maria Gomes Faria desenvolve este ponto das fronteiras entre a conceituação mobilizada por Martins para referir os "lavradores autônomos" e as construções ideais da Igreja (pobres-vítima coletiva, excluídos, etc.) (Faria,1990: 128-32).

[16] Só para indicar o ponto, poder-se-iam lembrar dois autores emblemáticos. De um lado, Gilberto Freyre, como uma reação ao "uniformismo e à personalização do americanismo do amor ao progresso mecânico"; autor ibérico, valoriza nos traços de formação a propensão do país para viver um futuro democraticamente pluralista, mas, ao mesmo tempo, propõe uma via "prussiana" para moldar o nosso meio "socialmente plástico" através da ação reitora (do Exército), sempre necessária nos momentos disruptivos. 1964, expressão de energias "construtivamente nacionais e sinceramente democráticas", seria uma das nossas "revoluções brancas" de recasting of the social order (Freire,1948; 1965). De outro, Hélio Jaguaribe também propõe uma arbitragem social exercida por um Estado relativamente autônomo, como no modelo da revolução francesa de 1848, bismarckiano, capaz direcionar o industrialismo. A rigor, um neobismarckismo imaginado a partir do novo patamar de renda e cultura alcançável mediante as políticas de Welfare State do pós-guerra (Jaguaribe, 1962).

[17] A categoria é mobilizada aqui, tanto nos anos 60 quanto no decênio seguinte, diretamente de Lenin, mas, vizinha de Lukács, é possível rastrear a leitura pecebista deste último autor, especialmente as reflexões sobre as "características históricas do desenvolvimento da Alemanha" nos seus ensaios sobre o irracionalismo e a sociologia da literatura.

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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