A institucionalização da democracia polÃtica no paÃs com a Carta de 1988 não só importou a criação de novos direitos e de novos procedimentos destinados a lhes conceder eficácia, como também tem ensejado um ambiente propÃcio para que antigas instituições renovem sua forma de atuar e se atualizem na complexa cena contemporânea. Este é bem o caso da Justiça do Trabalho, do que é testemunha a legitimação das ações civis públicas como recurso dos sindicatos, inovando o sistema de defesa dos direitos dos trabalhadores.
Mais recentemente, exemplar dessa mutação, estão aà as decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho da 15ª e 3ª Regiões que suspenderam, por medida liminar, respectivamente, as demissões de 4.723 empregados da Embraer e de 1.500 da Usiminas.
Decerto que essas liminares foram cassadas pelo plenário desses dois tribunais, mas o precedente está aberto e se acumulam as evidências de que a jurisprudência pode vir a se mover no sentido sinalizado por aquelas decisões. Em particular, porque nos dois casos foi imposta a realização de audiências de conciliação, com a presença de lÃderes sindicais e do Ministério Público do Trabalho, exigida das empresas a apresentação de balanços patrimoniais e dos demonstrativos contábeis dos últimos anos, e a relação dos empregados dispensados, indicando-se o seu tempo de serviço.
De fato, a questão envolvida se acha instalada no coração da matéria das relações trabalhistas, na medida em que afeta o direito discricionário do empregador de demitir os seus trabalhadores. Substantivamente, as decisões dos dois Tribunais não reconheceram esse direito, obrigando a Embraer e a Usiminas a justificarem os motivos da demissão dos seus empregados perante os sindicatos e o poder público.
No entanto, a demissão imotivada de que trata a convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que a proÃbe, salvo em casos especiais, embora tenha sido ratificada pelo governo brasileiro em 5 de janeiro de 1995, foi denunciada por ele, após forte reação do empresariado à sua implementação, no ano seguinte. Sem ela, o que vige são as práticas das demissões imotivadas, sujeitas apenas à s multas previstas na lei do FGTS, responsável, como muitas vezes demonstrado, pela alta rotatividade no emprego do trabalhador brasileiro, com óbvias repercussões salariais, uma vez que os novos contratos de trabalho estipulam, em geral, uma remuneração inferior a que o empregado recebia no emprego anterior.
Contudo, no capÃtulo dos direitos sociais, a Constituição dispõe que a relação de trabalho deve ser protegida da demissão arbitrária - art. 7º, inciso I -, matéria a ser regulamentada por lei complementar. À falta desta lei, passados mais de vinte anos de vigência da Carta de 88, que é o caso, circunstância qualificada pela denúncia do governo da convenção 158, que preencheria este vazio legislativo, cria-se a possibilidade para uma intervenção criativa do juiz, especialmente diante de uma crise econômica de largo alcance que põe sob ameaça o emprego e o mercado de trabalho.
A estratégia dos Tribunais diante de uma "situação difÃcil" - a demissão de milhares de trabalhadores - foi a de obrigar, em nome do princÃpio constitucional da "dignidade da pessoa humana" (art. 1º, inciso III), as empresas a motivarem as demissões. Este princÃpio, entretanto, não foi mobilizado em terreno juridicamente vazio, apenas uma intervenção da especulação hermenêutica, pois é a própria Constituição que declara a sua intenção de proteger o trabalhador da demissão arbitrária.
Não são apenas nos "casos difÃceis", litÃgios tópicos diante dos quais o direito ainda hesita sobre a interpretação a adotar, que os princÃpios devem ser chamados a fim de participar das decisões. "Situações difÃceis", com origem em litÃgios sistêmicos, como a da segregação racial na sociedade americana nos anos 1950, podem, de igual modo, reclamar deles a sinalização para a melhor solução - no limite, a única - para que o justo prevaleça. A insegurança jurÃdica, tema da reação dos empresários à s decisões dos dois Tribunais que interpelaram princÃpios - mas não só -, não é sentida apenas por uma das partes contratantes nas relações de trabalho. A segurança por que demandam os trabalhadores é a de terem, em especial nas demissões coletivas, a justificação comprovada da sua necessidade e uma justa indenização por seus anos de serviço.
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Luiz Werneck Vianna é professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e coordenador do Centro de Estudos Direito e Sociedade (Cedes/Iuperj).
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