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Sobre a "revolução venezuelana"

Tiago Santos Salgado - Julho 2009
 

Gilberto Maringoni. A Revolução Venezuelana. São Paulo: Unesp, São Paulo, 2009. 199p.

Poucos países latino-americanos têm atraído tanto a atenção neste inicio de século XXI quanto a Venezuela. Esta evidência está associada a diversos fatores, e o principal deles é tanto a emergência quanto os posicionamentos internos e externos assumidos pelo presidente Hugo Chávez Frías, eleito pela primeira vez em 1998 durante uma crise nacional sem precedentes. Com a intenção de analisar os motivos que levaram à ascensão ao poder de Hugo Chávez, bem como seu governo e sua respectiva revolução, denominada como bolivariana, o jornalista Gilberto Maringoni lança este seu segundo livro sobre a Venezuela chavista [1].

Com o propósito de esclarecer o leitor brasileiro, o livro está divido em duas partes, uma jornalística e outra de caráter mais teórico. Na primeira, Maringoni tem como objetivo descrever os principais acontecimentos da história venezuelana transcorrida no século XX e início do século XXI. Na segunda parte, procura fazer um balanço teórico a respeito do conceito de "revolução" e de que maneira o governo chavista pode efetivamente ser qualificado como uma revolução com perfil especificamente venezuelano.

Para embasar seus argumentos, na primeira parte, o autor aborda essencialmente dois pontos: a influência norte-americana na Venezuela e a questão econômica central do país, que se vincula principalmente à extração do petróleo. Estes dois pontos levantados por Maringoni são de extrema importância para a história política venezuelana, mas não se pode esquecer que as crises e conquistas vividas na "era democrática" da Venezuela - que tem início em 1958 com a instauração do "Pacto de Punto Fijo" - são resultados de experiências sociais e políticas que têm explicações que vão certamente além das oscilações dos preços do petróleo e de conspirações imperialistas. Fazer apenas esse levantamento é subestimar a cultura política e as conquistas da sociedade, deixando de lado importantes eventos e atores que se mobilizaram de diversas formas para a construção de uma Venezuela democrática. Sob esse aspecto, portanto, a obra de Maringoni faz uma análise superficial e reducionista dos eventos que modelaram tanto o sistema político, que entrou em crise no final da década de 1990, quanto o atual sistema político que vige na Venezuela.

Quando se dedica a fazer um levantamento acerca do surgimento de Hugo Chávez na vida pública venezuelana, incorre em problemas similares. Mesmo uma leitura pouco exigente indicará que o autor faz uma narrativa romântica dos fatos que levaram Chávez ao poder e também de eventos que ocorreram quando já ocupava a sala mais importante do palácio de Miraflores. Os exemplos no livro são diversos, mas dois deles são bem notáveis. O primeiro diz respeito ao comício que Chávez fez para um grupo de tenentes em 17 de dezembro de 1982, dia do aniversário de duzentos anos do nascimento de Simon Bolívar.

De forma dramática, Maringoni se alinha à narrativa mitológica que comanda a argumentação do próprio Chávez. Para o autor, é crível e digno de menção (obviamente acrítica) o fato de Chávez argumentar que fazia aquele discurso no mesmo lugar onde se reuniram os comandados de Bolivar; para tanto, cavalgaram "até uma imensa e secular árvore [...] tão antiga que, diz a história, Simon Bolívar teria dormido a seus pés antes da batalha de Carabobo, em 1821, decisiva para a independência da Venezuela" (p. 85). A conexão mitológica se estabelece porque esse evento culmina com o surgimento do Movimento Bolivariano Revolucionário-200 (MBR-200), primeiro grupo político que nasce sob o comando de Chávez.

O segundo exemplo é o golpe sofrido em 2002, quando Chávez é deposto do poder de Estado por alguns poucos dias. Maringoni narra seus últimos momentos na sala presidencial do palácio de Miraflores, ao lado de amigos e assessores, com sua pistola e fuzil ao lado. Narra também sua conversa com Fidel Castro, que o aconselha a não entregar o poder. E Maringoni complementa: "Chávez é detido. Na saída de seu gabinete, com lágrimas nos olhos, estavam seus mais fiéis aliados e amigos. Todos se deram as mãos e formaram um corredor polonês, enquanto cantavam, a plenos pulmões, o hino nacional" (p. 131).

Os dois exemplos selecionados evidenciam claramente a intenção de formar no leitor uma imagem "heroica" de Hugo Chávez, deixando de lado inúmeros fatores que concorreram e que seriam essenciais na explicação tanto da emergência do MBR-200, quanto nas contradições internas que levaram ao insólito e, por fim, fracassado golpe cívico-militar de 2002.

Na parte "teórica" do livro, Maringoni afirma que existe na Venezuela comandada por Chávez um sistema político inédito na América Latina. Sua permanência e mesmo seu aprofundamento podem resultar no que o livro denomina de "revolução venezuelana". Mas aqui aparece mais uma insuficiência do livro. Nele, o conceito de revolução é extraído explicitamente de dois autores, Norberto Bobbio e Caio Prado Jr., sem que se justifique a razão da dispensa de uma imensa e polêmica literatura que trabalhou o tema tanto histórica quanto teoricamente. Simplificando ao extremo, Maringoni se contenta em definir revolução como uma mudança brusca nas áreas social, política e econômica de um país.

Livro jornalístico de divulgação, A Revolução Venezuelana alcança validade como leitura complementar ou de iniciação ao rico e complexo debate que existe entre inúmeros pesquisadores que vêm se debruçando sobre os processos políticos que marcam a Venezuela contemporânea; no entanto, de forma alguma responde às expectativas de um analista mais exigente que busca compreender a Venezuela chavista a partir de suas dinâmicas, contradições e limites. Ao contrário, Maringoni opta por elaborar uma leitura justificadora das ações e dos termos empregados pelo regime chavista na construção da denominada "revolução venezuelana" ou "bolivariana", apresentando argumentos que pouco ajudam na compreensão aprofundada do processo em curso na Venezuela e de suas implicações internas e externas.

Como enfatizamos, o livro aborda os eventos de forma reducionista e superficial, deixando de lado fatores importantes para sua compreensão, tais como a relação de Chávez com a oposição e também as discordâncias e dissidências entre os próprios chavistas, especialmente depois da criação do Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV), que se tornou o partido único do governo. Entre outros pontos, falta uma análise mais profunda que diferencie e explique os desafios e as contradições que existem entre o primeiro e o segundo mandato de Chávez, bem como as possíveis consequências que o regime chavista pode trazer para uma América Latina que luta para consolidar a democracia.

Resta ao leitor mais crítico buscar outras fontes de perfil mais denso, com maior embasamento. Enquanto isso, a Venezuela segue seu curso de aproximação e distanciamento entre revolução e democracia.

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Tiago Santos Salgado é estudante do curso de História da Unesp/Franca.

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Nota

[1] Do autor já se conhece A Venezuela que se inventa - poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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