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A morte do PCI

Nicola Tranfaglia - Maio 2010
Tradução: A. Veiga Fialho
 

Guido Liguori. La morte del Pci. Roma: Manifestolibri, 2009. 191p.

Narrar mais de vinte anos depois (vinte e um, para ser exato) como o Partido Comunista Italiano chegou à dissolução e à sua transformação, primeiro, no Partido Democrático da Esquerda, em seguida nos Democráticos de Esquerda e hoje no Partido Democrático não é fácil nem está isento de polêmicas, mas, à diferença do que aconteceu logo depois de 1989, pode se valer hoje do inevitável "distanciamente retrospectivo" e, em todo caso, permite um juízo histórico mais equilibrado.

Guido Liguori enfrenta o problema com um ensaio de notável clareza e, para quem viveu com paixão aquela opção e as discussões que se arrastaram por mais de um ano dentro, mas também fora, do grande partido comunista, reexamina o período que provocou muitos filmes e documentários (entre os quais, A coisa, de Nanni Moretti) e infinitos artigos de muitos jornais, a começar por L’Unità.

A narrativa restitui a atmosfera de uma Itália bastante diferente da atual, mais próxima da política apaixonada, não só entre os que são do ramo, mais próxima do problema quanto ao que fazer para mudar a esquerda, aqui e em outros lugares. O autor reconstrói com precisão como Achille Occhetto, que havia chegado em junho de 1988 à secretaria do partido, depois de um leve ataque cardíaco de Alessandro Natta, começou a falar de "um novo partido comunista" na segunda metade daquele ano e nos primeiros meses do fatal 1989.

Liguori recorda o discurso de Civitavecchia de 8 de julho de 1989, no qual o secretário do PCI, respondendo a um ataque que Craxi desferira contra Togliatti, afirmou que este tinha sido "inevitavelmente corresponsável por escolhas e atos da época staliniana". Como a dizer que ele estava disposto a reexaminar com olho crítico o passado do Partido Comunista e, em particular, as opções feitas pelo secretário do PCI nos anos decisivos do fascismo e, sobretudo, do período republicano. E, alguns meses depois, numa entrevista dada ao jornalista Ferdinando Adornato, transferido pouco antes de L’Unità para L’Espresso, sublinharia a adesão aos grandes princípios expressos pela Revolução Francesa sobretudo na primeira fase, no momento da declaração democrática sobre os direitos do homem. Havia, em resumo, por parte de Occhetto, a intenção de adotar um "revisionismo político-cultural" que alcançava a história do partido e requeria um "novo início", tal como pareceria nos meses seguintes daquele ano e, particularmente, nos dias precedentes e sucessivos à queda do Muro de Berlim.

Foi este último acontecimento que levou Occhetto a se decidir, sem consultar ninguém, nem mesmo a secretaria que nomeara, pela adesão à ideia de mudar o nome do partido, cancelar o atributo "comunista" e adotar outro, fora da tradição socialista, como o de "Partido Democrático da Esquerda". Mas o que surge já então com uma certa clareza é que, por parte de Occhetto e dos seus mais estreitos colaboradores (Fassino, Veltroni e D’Alema), não havia um projeto claro sobre a estratégia que deveria substituir aquela que o partido conduzira com Togliatti, para não jogar fora o legado bastante grande deixado pelo PCI, para realizar o ato necessário de romper a ligação de ferro com a União Soviética, mas, ao mesmo tempo, manter a função decisiva na política italiana e europeia.

Esta incerteza, não só no plano cultural, mas também no político, aparece com clareza nas páginas que o autor dedica à narração do debate que se desenvolveu desde o discurso da Bolognina até o congresso do ano seguinte. O debate se intensificou por ocasião da dissolução do PCI, que se seguiu imediatamente em 1991 ao nascimento atormentado do PDS e, à sua esquerda, do Partido da Refundação Comunista, dirigido por Sergio Garavini e Armando Cossutta.

Não é um acaso que, nos dois congressos, não se consiga discutir o tema fundamental referente à organização e à reforma do "partido novo". A atitude básica do grupo dirigente, egresso dos dois congressos, é pôr de lado o passado e também a personalidade central de Enrico Berlinguer, bem como apostar antes num "novismo" superficial, destinado a tornar o partido mais homogêneo aos outros partidos italianos, do que salvaguardar a originalidade, mesmo que com suas indiscutíveis contradições, da experiência comunista italiana. Daí as consequências negativas da "morte" de que fala o autor e os problemas herdados hoje pelo Partido Democrático, que, apesar disso, continua a ser a maior força de oposição a Berlusconi.

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Nicola Tranfaglia é professor emérito de História da Europa e do Jornalismo na Universidade de Turim.



Fonte: L’Unità & Gramsci e o Brasil.

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