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A luta pela paz

Marco Antônio Coelho - Outubro 2012
 

O que me impele a escrever sobre tema tão batido? Várias são as razões, porém sou forçado a preparar este texto pelo fato de que é necessário recordar um pouco a campanha realizada, há mais de sessenta anos, na década de 1940, quando aqui no Brasil organizamos uma bela campanha pela paz. Lembro aquelas ações porque é imprescindível destacar a dedicação de muitas centenas de militantes no país, que decidiram enfrentar a repressão policial para fazer eventos pela causa da paz.

Defendíamos a paz porque acompanhávamos as angústias do após-guerra, quando vivíamos o impacto do lançamento de duas bombas atômicas no Japão. E os Estados Unidos eram a grande potência nuclear que podia esmagar a União Soviética e qualquer outra nação.

A movimentação pela paz e contra a guerra tinha respaldo na opinião de muitas personalidades no mundo e no Brasil, mas diretamente interessava ao povo soviético. Por isso, os comunistas lançaram uma vastíssima campanha mundial, solicitando às pessoas assinarem o famoso "Apelo de Estocolmo", lançado por Joliot Curie, eminente físico francês. Nessa proclamação era solicitada a proibição do emprego de armas atômica nos possíveis entreveros entre países.

Quando estava na presidência da República o ultrarreacionário Eurico Dutra, foi baixado um decreto proibindo expressamente qualquer ação em defesa da paz no Brasil. Replicando, nós organizamos no país o movimento com esse objetivo. Apesar de todas as dificuldades, inclusive a repressão policial, realizávamos comícios e passeatas e usávamos todos os meios para proclamar que também entre nós se erguia a bandeira dessa causa mundial. Assim, conseguimos centenas de milhares de assinaturas de brasileiros no "Apelo de Estocolmo".

Assim foi e continua sendo a nossa luta. Pois para qualquer pessoa com um mínimo de espírito humanitário, um pleito é fundamental - a paz entre nações e povos. Porque quando se abre um jornal ou se liga a televisão, diariamente são transmitidas terríveis notícias. Nelas aparecem com detalhes fatos e mais fatos que nos ferem: na Síria, todas as semanas são massacradas centenas de pessoas, entre as quais inúmeras crianças. Sofremos com as notícias acabrunhantes de ameaças do surgimento de novos conflitos. O Oriente Médio é fértil nessas informações. Animosidades se agravam entre países, pois no horizonte só há fracassos na solução de conflitos - árabes contra judeus e vice-versa, Israel contra o Irã, árabes de uma facção religiosa ou tribal contra árabes de outras facções. No Afeganistão, não cessa uma guerra motivada por uma farsa do governo norte-americano.

São constantes as especulações sobre a fabricação de armas nucleares em alguns países, alegando ser inaceitável que apenas algumas nações possuam esses instrumentos de morte. O mais grave é que vão surgindo, com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, outras armas tão mortíferas como as nucleares: armas químicas e biológicas contra as quais não foram ainda descobertas defesas seguras.

Tudo se complica porque no caldeirão da política internacional existe a pressão das nações pobres contra a espoliação dos países mais afortunados, reclamação insofismavelmente justa, mas que origina outros conflitos. No quadro mundial também ocorre a disputa árdua pelos mercados porque os países querem aumentar a venda de seus produtos. A "solução" é o protecionismo para defender a economia de cada país, medida que a longo prazo nada resolve, pois é adotada pelos outros países. E o resultado é claro: ampliam-se a distância e a disputa entre os países e há uma diminuição das transações no comércio internacional.

Portanto, os choques no mundo dão a impressão de que tudo continua repetindo a mesma cantilena do passado. Assim, para muita gente a paz é uma mera utopia. Não se vê o que pode ser feito para amainar essa crise e a quem recorrer.

Porém, com a vivência dos incríveis sofrimentos na segunda guerra mundial, houve um acordo para ser criada uma entidade para dirimir os conflitos. Nasceu em outubro de 1945 e se desenvolveu o projeto da Organização das Nações Unidas, com um núcleo - o Conselho de Segurança - em que estariam representadas as potências vencedoras: Estados Unidos, União Soviética (hoje Rússia), Inglaterra, China e França, além de mais 10 outros países com mandatos temporários.

A criação da ONU foi uma decisão acertada, uma vez que em diversos casos sua intervenção tem sido positiva. E o mais importante é que ela se tornou uma entidade na qual há uma confrontação das opiniões e um diálogo entre os representantes de 193 nações. Por isso, não há uma repetição da malograda experiência da Liga das Nações, criada depois da primeira guerra mundial.

Entretanto, depois de seis décadas o quadro internacional mudou substancialmente. É incompreensível, por exemplo, a exclusão de países como a Alemanha e o Japão no grupo que tem maior peso nas resoluções da ONU. Não se justifica colocar nesse núcleo países que assumem de forma temporária um lugar no Conselho de Segurança, para retirar a impressão de que a entidade é controlada apenas pelos membros permanentes do Conselho. Na verdade, esses membros temporários ficam como um "segundo time", sem peso nas grandes decisões.

Cabe também uma referência especial à insistência do Brasil de ocupar um lugar permanente no Conselho de Segurança. Apesar da constante pressão do Itamaraty, até agora nada indica que tal abertura para nosso país se efetivará, mesmo porque uma decisão desse tipo também será pleiteada por outras nações.

Portanto, qual a solução para esse imbróglio, a fim de que a ONU possa desempenhar melhor e mais efetivamente a sua função? Uma mudança nessa estrutura da ONU, especialmente do Conselho de Segurança, parece impossível, pois depende da prévia concordância das grandes potências e de um apoio da quase totalidade dos demais países.

Existe a proposta de aumentar o número de membros no Conselho de Segurança. Mas a escolha desses motivaria uma terrível e insolúvel controvérsia. Então, por que não se objetiva algo mais sensato e simples - acabar com o Conselho de Segurança e delegar suas responsabilidades à Assembleia Geral das Nações Unidas? Uma proposição desse tipo, naturalmente, não será do agrado dos países que hoje participam do Conselho de Segurança, sobretudo das grandes potências que têm um certo controle desse organismo.

Diante disso é necessário apresentar a questão à opinião pública internacional e não faltam bons argumentos para justificá-la. A vida tem demonstrado que a Assembleia Geral da ONU é o plenário que realmente toma resoluções de conformidade com o consenso na opinião pública internacional.

Além disso, temos de partir das experiências que surgiram nas relações internacionais, resultantes das lições da vida e não de artimanhas e elucubrações de governantes. Existem organizações que desempenham um papel notável em causas em que há interesse geral dos povos. Elas se originam ou não em tratados internacionais, mas resultam de exigências e ideias que ganham força e validade pela justeza de seus propósitos. Serve como exemplo a organização "Médicos sem fronteiras".

Também devemos valorizar determinadas entidades, criadas ou não dentro da ONU, que se tornaram poderosos instrumentos para a solução de determinadas questões e são cada vez mais respeitadas pelos países. Entre elas, o Tribunal Internacional de Justiça, a Organização Mundial de Saúde e o Fundo das Nações Unidas para a Infância.

Tudo isso demonstra como existe uma possibilidade de encontrar meios e caminhos para estabelecer vínculos que contribuam para contrabalançar e sobrepujar as medidas que geram animosidade entre países e povos.

Os especialistas que estudam as relações internacionais enfatizam o fenômeno da chamada globalização, partindo da realidade atual no mundo em consequência do impetuoso desenvolvimento da ciência e da tecnologia nos últimos anos, notadamente a revolução na informática e nas comunicações.

Devido a esse fato muito longe estão os tempos em que os países não acompanhavam de perto o que sucedia nas outras nações. Essa alteração profunda torna quase impossível a proliferação de atos e sentimentos inamistosos de um país em relação a outros povos. Com razão muitos proclamam que o mundo é um só. É visível também como as fronteiras entre as nações vão se tornando cada vez mais permeáveis e em alguns pontos até não isolam uma nação. Para comprovarmos essa realidade, basta atentar para o que ocorre nas fronteiras brasileiras.

Tais fatos comprovam como vai perdendo força a xenofobia exacerbada e a dominação estrangeira dos povos mais sofridos, enquanto se ampliam os caminhos para tornar realidade o estabelecimento da paz e da amizade entre as nações. E as guerras entre os países vão passando a ser um anacronismo de tempos idos, que devem ficar apenas como a comprovação de como no passado havia tamanha insensatez na civilização humana.

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Marco Antonio Tavares Coelho, ex-deputado federal do antigo PCB, escreveu, entre outros livros, A herança de um sonho.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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