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Uma obra madura sobre o jovem Gramsci

Marco Aurélio Nogueira - Maio 2014
 

Leonardo Rapone. O jovem Gramsci. Cinco anos que parecem séculos (1914-1919). Brasília/ Rio de Janeiro: Fundação Astrojildo Pereira & Contraponto, 2014.

A recepção da obra de Antonio Gramsci e o diálogo com seu legado estiveram sempre apoiados em movimentos nem sempre entrelaçados ou simultâneos. A rápida e profunda disseminação internacional dos textos de Gramsci certamente colaborou para a diversificação desses movimentos, até mesmo porque se fez acompanhar de uma forte inflexão acadêmica que converteu aqueles textos em passagem quase obrigatória de certas disciplinas especializadas.

Hoje, em linhas gerais, dois grandes esforços de reconstrução organizam o vasto campo de estudos gramscianos.

Antes de tudo, tem-se buscado reter a específica contribuição teórica e conceitual do marxista sardo, mediante abordagens que seguiram ou as trilhas da epistemologia ou a tradução do aparato conceitual introduzido por Gramsci especialmente nos Cadernos do cárcere (1929-1935), obra que, por sua extensão e pelo caráter de sua composição, permanece a desafiar os estudiosos, impelindo-os a descobrir os nexos que dão sentido à revolução teórica empreendida nas anotações carcerárias. Avançou-se significativamente nesse terreno, em boa parte graças aos esforços de pesquisadores vinculados à Fundação Instituto Gramsci, de Roma, e à International Gramsci Society (IGS).

O segundo movimento de reconstrução tem buscado o Gramsci prático, o dirigente político, e segue seus passos como militante socialista na juventude e líder comunista depois da formação do PCI em 1922. Especialmente na Itália, nos últimos anos, têm sido frequentes as abordagens que tentam acrescentar fatos novos à intensa atividade política de Gramsci, com objetivos nem sempre nobres ou criteriosos, que oscilam, por exemplo, entre a denúncia de certos aspectos tidos como escusos da direção comunista e a exploração dos relacionamentos afetivos e pessoais de Gramsci, antes e durante seu período de encarceramento. Trata-se de uma "leitura" que procura as luzes fáceis do escândalo, da "revelação" e da reinterpretação. Mais que elucidar o que não se sabia, tais abordagens dão prioridade à polêmica de tipo revisionista, não raro dedicada a reconstruir ou a desmontar legados históricos e políticos sedimentados.

O livro de Leonardo Rapone filia-se à historiografia, mas não se deixa levar pelas facilidades espetaculares da denúncia e da revisão. Muito ao contrário. Mergulha fundo num esforço para reunir, de forma histórico-sistemática, a biografia intelectual e a biografia política. Seu foco, como indicado claramente pelo título, é o Gramsci da juventude, envolvido em um período de formação (1914-1919) que, como sempre, deixou-se marcar por várias experiências de interação intelectual, por muitas influências teóricas e políticas (Benedetto Croce, Henri Bergson, Georges Sorel, Robert Michels, Antonio Labriola, Max Weber). Em meio a essas influências cruzadas, é preciso descobrir o fio lógico, que no correr do tempo acabou por prevalecer, estruturando seu pensamento e forjando sua identidade.

Valendo-se da argúcia de pesquisador e de um sofisticado aparato especializado, Rapone acompanha Gramsci do aprendizado universitário à Primeira Guerra, à Revolução Russa e aos conselhos de fábrica, buscando ver o que esses grandes acontecimentos históricos tiveram de impacto em sua formação, em sua desprovincianização e em sua adesão ao socialismo. Do amplo diálogo intelectual que o jovem Gramsci manterá até seu encontro com o marxismo (e com Lenin em particular), emergirá o pensador antipositivista, hostil a determinismos estruturais rígidos, fascinado pela dimensão da vontade e da iniciativa humana, atento ao peso dos conflitos e das lutas de classes, um apaixonado observador da história de sua época. Descortina-se assim a formação de um militante e de um intelectual que, com o tempo, impulsionado em especial pela Revolução de 1917, passa a compreender e a valorizar o lugar da política e do Estado na transformação social e na modelagem daquilo que para ele seria a "sociedade regulada".

Este belo livro oferece-nos uma plataforma decisiva para que se possa compor uma imagem unitária de Gramsci, ajudando-nos a assimilar os Cadernos do cárcere como momento de elaboração teórica marcada pela originalidade e que deita raízes em uma história prévia que precisa ser compreendida e integrada.

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Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política da Unesp.

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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