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Rui Facó: o homem e sua missão

Adelson Vidal Alves - Junho 2015
 

Santos, Luís-Sérgio. Rui Facó. Uma biografia: o homem e sua missão. Fortaleza: Omni, 2014. Coedição Fundação Astrojildo Pereira. 382p. 

Rui Facó foi um jornalista, escritor, intelectual e dirigente comunista. Relativamente desconhecido entre nós, até mesmo entre os atuais militantes da esquerda, recebeu merecida atenção do também jornalista Luís-Sérgio Santos, que lhe dedicou esta bela e extensa biografia.

O livro não é só um relato de vida, o que em si já seria obrigatoriamente relevante, mas também um estudo profundo que envolve a trajetória de um grande pensador social e o contexto em que viveu, escreveu, militou e morreu. Um momento rico de nossa história, protagonizado pelo esforço valoroso de erguer por aqui uma esquerda combativa, representada, basicamente, pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro), a versão nacional de todo o movimento que se expandia a partir da revolução de 1917 na Rússia.

O trabalho de Luís-Sérgio é detalhista, indo além da figura pessoal do biografado, alcançando amigos, parentes e adversários intelectuais, todos ganhando significativa atenção na pesquisa, o que, às vezes, faz o leitor perder o foco, tornando a leitura cansativa e dispersa. Ainda assim, o livro tem linguagem fácil e agradável, acessível a todos os interessados na vida do autor de Cangaceiros e fanáticos, assim como em todo o cenário político que o envolveu.

O primeiro capítulo traz minuciosa narrativa do acidente fatal que vitimou Facó, em 15 de março de 1963. A perigosa região dos Andes foi o lugar que abreviou a vida deste grande brasileiro. Foi ali que o Douglas DC-6B, da Companhia Lloyd Aéreo, se chocou contra as rochas do Peru, matando todos os seus 39 tripulantes, entre eles o nosso Rui. O traslado do corpo, assim como o enterro dos restos mortais carbonizados, ficaram por conta de Luiz Mario Gazzaneo, jornalista e militante do PCB, num processo que durou mais de um mês. No sepultamento estavam companheiros de partido, intelectuais, dirigentes políticos e grandes figuras da esquerda, como Luiz Carlos Prestes e Carlos Marighella.

Neste capítulo, outros personagens importantes, como o saudoso Armênio Guedes, que nos deixou recentemente, recebem dedicada atenção do biógrafo, que tentou manter o cuidado de falar de Rui sempre em articulação com todos os homens e mulheres que participaram de sua vida, assim como com as várias publicações que dirigiu ou em que colaborou. Ponto importante, ainda, a ser ressaltado é a enigmática causa do acidente. Dentro da pesquisa, depoimentos e acontecimentos, como a chegada antecipada de agentes da CIA ao local do acidente, parecem sustentar a tese, nunca provada, de que a tragédia teria sido fruto de um atentado que não necessariamente visava Facó.

O segundo capítulo é destinado a contar a vida de Rui, com sua origem rural, que se inicia em 1913, em Beberibe, no litoral leste do Ceará. A preocupação está em apresentar a caminhada de vida do biografado, as intrigas familiares, seu perfil, seu humor, sua relação com muita gente. Com a competência de um autor atento, conhecemos detalhadamente o homem Facó, leitor compulsivo que sempre exigiu de seus próximos o mesmo apreço à leitura. Travamos contato com a figura do jovem que sonhou, assumiu escolhas, errou, militou, cresceu, ingressou nos estudos, formou-se como um sonhador, um utópico em questões de um país mais justo. Percebemos também a já citada prática do biógrafo em se estender aos personagens que cercaram Rui, como o pai Américo Facó e o tio Gustavo Facó. Trata-se do capitulo que menos empolga os leitores sedentos por uma biografia mais clara e direta do protagonista. No entanto, guardando um pouco de paciência, é possível captar curiosidades interessantes, como a homenagem a Rui Barbosa feita por Américo através do nome dado ao filho.

O terceiro capítulo nos apresenta o homem público Rui Facó. Trata-se da parte política e historicamente mais rica da obra. Trazem-se à tona personagens importantes, como Astrojildo Pereira, um dos fundadores do PCB, publicações emblemáticas na vida comunista, como a revista Novos Rumos, assim como Brasil século XX, obra escrita pelo próprio Rui.

O biógrafo ainda faz um passeio agradável e penetrante por etapas importantes da história do Brasil contemporâneo, sobretudo o Estado Novo. Traz as posições fortes e polêmicas de Rui em meio a toda a confusão causada pelo famoso XX Congresso do PCUS, na União Soviética visitada por Rui. Podemos ver questionamentos importantes sobre o comunismo oficial soviético, sem falar que neste momento vemos com clareza a principal preocupação teórica de Rui, que será até a morte a questão camponesa e seu papel revolucionário. Cangaceiros e fanáticos será sua grande consagração teórica. Pena que não pôde viver para ver a publicação de seu grande clássico.

Finalizando o terceiro capítulo, impossível não notar a apresentação de fragmentos do próprio Rui tratando da questão de Lampião e Padre Cícero. Este último, criticado ferozmente como um aliado cínico das classes dominantes - e, correndo o risco de trair a verdadeira posição de Facó, é possível arriscar que ele julgava o Padre "Ciço" tão somente um enganador dos pobres camponeses.

No capitulo quatro, o mais curto do livro, aborda-se a viagem de Rui a Moscou. Novamente o livro registra fatos históricos que envolveram o momento da vida de nosso biografado, como o episódio da morte do ditador soviético Josef Stalin e também o já citado XX Congresso do PCUS. Revela-se um Rui que sente falta dos filhos e da companheira morta, lamentando-se a ausência de um relato pessoal de Facó sobre sua estada em Moscou, tratada como momento precioso de sua aprendizagem.

Encerrando o livro está a abordagem da vida de Rui em Novos Rumos, publicação que nasceu dos ventos democráticos que sopraram no PCB, então impactado pela valorosa "Declaração de Março de 1958", que, por sua vez, refletia a "revisão" do comunismo histórico a partir das denúncias de Khruschev em 1956.

A publicação, que revelou jornalistas como Elio Gaspari, então um jovem de 17 anos, recebeu a contribuição de Rui Facó, tida como uma das mais competentes e diferenciadas, seja pela erudição, seja pelo equilíbrio político. Sua participação foi determinante para que o periódico se tornasse uma das expressões históricas mais significativas da alta cultura da esquerda. Infelizmente, como todas as publicações desse tipo, Novos Rumos foi fechada pelo golpe civil-militar de 1964, obrigando editores e colaboradores a atuar na clandestinidade. Depois da circulação relativamente pacífica sob o governo Goulart, Novos Rumos teve o destino da grande maioria das iniciativas jornalísticas e acadêmicas que refletissem algum viés de esquerda, fosse comunista ou trabalhista.

Finalizando, o livro de Luís-Sérgio Santos tem todos os méritos por recuperar a vida exemplar e combativa de um homem convicto de suas ideias. Um pensador responsável e equilibrado, amante da cultura, um dirigente que sabia dirigir e servir como soldado da causa popular. Um verdadeiro intelectual orgânico das classes subalternas, para o usar o conceito gramsciano.

Deve-se, também, registrar o rico acervo de imagens e publicações históricas que o livro apresenta, o que faz dele uma excelente fonte de pesquisa não só para compreender e admirar um grande brasileiro, mas também para entender melhor a história do comunismo entre nós.

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Adelson Vidal Alves é historiador, pós-graduado em História Contemporânea e editor do blog Luta democrática.

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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